Elevação de preços, deslocamento da produção para outros países e ampliação da quantidade e variedade de insumos importados estão entre as estratégias das indústrias para manter as exportações. As medidas, já implementadas quando a tendência de valorização do real ficou mais clara, estão sendo reforçadas com o dólar a R$ 1,70 e passam a fazer parte do horizonte de longo prazo das indústrias. Uma tendência importante é a concentração na fabricação de itens de maior valor agregado, que sofrem menor competição no mercado internacional.
"Estamos estudando a importação de insumos que outrora não pensávamos em comprar de fora", diz Luiz Tarquínio Sardinha Ferro, presidente da Tupy, indústria de fundição que fabrica peças e componentes para veículos pesados. "É uma forma de dolarizar custos." Ele esclarece que a valorização do real no decorrer de 2010 já era esperada. Parte do prejuízo com o câmbio é compensada com ajuste de preços. "Mas não é possível repassar integralmente a perda."
O executivo lembra que o fortalecimento do real num horizonte mais amplo leva à perda de competitividade no mercado internacional. Nesse cenário, a empresa pode desistir de produtos que oferecem baixo poder de concorrência. Segundo o executivo, isso já aconteceu com peças mais simples para freios.
Tarquínio lembra que outros fatores, além do câmbio, estão influenciando a produção enviada ao exterior. As exportações, conta ele, representam em 2008 cerca de 57% das vendas físicas da empresa. Em 2010, o total das vendas físicas deve ser mantido, mas a fatia dos embarques deve cair para 45%. "Essa queda, porém, deve ser atribuída ao mercado e não à cotação do dólar." Ele explica que o mercado interno está aquecido enquanto a economia americana ainda está em recuperação. Os Estados Unidos são o destino principal dos embarques da Tupy.
Fabricante de motores, geradores, transformadores e tintas, a Weg também amplia a importação de insumos, dentro da série de medidas adotadas contra o encolhimento das margens de lucro provocado pela valorização do real. Segundo o presidente da Weg, Harry Schmelzer, a empresa tem aumentado a importação de insumos, como aço, além de investir com força em produtos de maior valor agregado, apostando em novas tecnologias que aumentem a eficiência energética. "As receitas em dólar não caíram neste ano, mas a rentabilidade se reduziu por causa da valorização do real", afirma Schmelzer.
Outra providência da empresa é dar mais importância à produção fora do país. Em novembro, a Weg, que tem unidades na China, Argentina e México, vai inaugurar uma fábrica na Índia para produzir motores e geradores. Se antes a ideia era fazer a "complementação do atendimento das necessidades locais do mercado", hoje a estratégia mudou. Em vez de atender apenas o mercado indiano, a fábrica da Weg instalada no país asiático poderá ser usada também para vender para outros países.
"Nós produzimos quase 8% fora do Brasil e, em curto espaço de tempo, esse percentual deve subir para no mínimo 15%", diz Schmelzer, para quem hoje o país "vive um paradoxo": recebe muitos investimentos de empresas estrangeiras ao mesmo tempo em que há exportadores deslocando parte da produção para o exterior.
A perda de espaço pelo Brasil como plataforma de exportação para o países asiáticos também atinge a produção de bens de consumo. Paulo Freitas, diretor-geral da Motorola Mobility, conta que o dólar a R$ 1,70 está retirando parte das vendas do Brasil como plataforma de exportação para os países da América Latina. Ele lembra que as unidades brasileiras de fabricação de celulares foram idealizadas para abastecer o mercado interno e os países vizinhos. "A venda para esses mercados pelo Brasil era praticamente automática", diz Freitas. "Com o câmbio atual, a empresa tem parado e feito os cálculos para saber o que é mais competitivo." Os embarques brasileiros, diz, têm perdido espaço para as vendas pelas unidades que a Motorola mantém na Índia e na China.
Com a perda para a Índia e China, declara Freitas, as exportações de celulares fabricados pela Motorola no Brasil devem cair na comparação com 2009. O executivo não diz o tamanho da queda. Ele lembra, porém, que a produção nacional da Motorola deve ser maior do que a do ano passado porque a perda de volume na exportação deve ser compensada pela venda no mercado interno.
Apesar de não ter sido pega de surpresa por uma cotação de dólar a R$ 1,70, a Piccadilly sentiu os efeitos do câmbio nas vendas ao exterior. Marlon Martins, diretor comercial da fabricante de calçados, diz que a desvalorização gradual do real no ano já era esperada. Com base nisso, os preços da coleção primavera/verão tiveram, em função do câmbio, elevação de cerca de 20% a partir de agosto. "O impacto do ajuste afetou as vendas", diz. As exportações em número de pares, segundo ele, deve cair 15% na comparação com a venda da mesma coleção no ano passado. A comercialização da coleção outono/inverno, porém, explica, aconteceu em período com dólar mais favorável e tiveram desempenho melhor, o que deve compensar em parte as perdas com os calçados de primavera/verão. Os embarques, segundo ele, devem manter o percentual de 30% do faturamento este ano, semelhante à participação que tiveram em 2009.
José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), diz que a ampliação da importação de insumos pelos exportadores é uma forma de manter não só a competitividade no exterior como também nas vendas no mercado doméstico, que sofre o assédio das importações. "Alguns tentam compensar parte da perda com as exportações ajustando os preços para o mercado interno, mais aquecido e disposto a pagar um pouco mais", observa.
Fonte: Valor Econômico/Marta Watanabe e Sergio Lamucci | De São Paulo
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