O governo conta com o gás natural como matéria-prima para produzir energia elétrica mais barata. Essa é uma das principais bandeiras do Ministério da Economia no governo de Jair Bolsonaro. Dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) demonstram, no entanto, que 37 milhões de m³ por dia do que vai ser extraído na próxima década, principalmente no pré-sal, vão ser injetados de volta nos campos, sem chegar ao mercado consumidor. Esse volume supera a demanda atual do conjunto de térmicas instaladas no País (30 milhões de m³/d) e corresponde a mais da metade de todo gás consumido (70 milhões de m³/d).
Hoje, o gás do pré-sal já funciona como ferramenta para estimular a produção de petróleo e, em menor escala, é usado como insumo no setor elétrico e indústria.
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Com isso, governos - sobretudo de municípios e Estado do Rio de Janeiro - deixaram de arrecadar em cinco anos, de 2014 a 2018, R$ 2,8 bilhões em royalties e participação especial relativas ao gás. A participação especial incide exclusivamente sobre campos de alta produção. A informação é da ANP e foi repassada à Assembleia do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), que fez à agência uma série de questionamentos sobre possíveis perdas decorrentes da reinjeção. As respostas foram anexadas ao relatório final da CPI da Crise Fiscal do Rio, aprovado nesta semana.
Pré-sal
"A agência reguladora não pode aprovar o plano de desenvolvimento das áreas sem conversar com o governo do Estado do Rio. O relatório da CPI vai ser enviado a todos os poderes para evitar prejuízos ainda maiores", afirmou o presidente da CPI, deputado estadual Luiz Paulo (PSDB).
Representantes de petroleiras que não quiseram se identificar e também a Petrobrás divergem do cálculo da ANP. A estatal, por meio de sua assessoria de imprensa, argumenta que "por se tratar de um cenário hipotético, esta estimativa (de perda de R$ 2,8 bilhões) não pode ser considerada". Acrescenta ainda que "não é possível afirmar que tais perdas ocorreram, uma vez que parte da reinjeção de gás é obrigatória, devido à presença de CO2, e outra parte desta reinjeção auxilia no aumento da produção de petróleo, que gera pagamentos adicionais de tributos ao Estado".
Os motivos da reinjeção são consenso. Há divergências, no entanto, entre a ANP e as empresas no que diz respeito às quantidades de gás devolvido aos campos, segundo fonte do setor. O problema maior está no Campo de Mero, um pedaço da área de Libra, uma das grandes apostas do pré-sal. Mero é operado pela Petrobrás, que tem como sócias Shell, Total, CNPC e CNOOC. Em 2022, a produção na área deve ganhar relevância e, por isso, também a reinjeção de gás deve crescer.
"O aumento significativo da injeção, a partir de 2022, especialmente é causado pela entrada em produção dos sistemas definitivos do Campo de Mero, cujo plano de desenvolvimento prevê reinjeção total. Este plano de desenvolvimento encontra-se em análise na ANP, e a questão do aproveitamento do gás é um dos pontos principais de controvérsias e questionamentos", diz o documento da ANP enviado à Alerj.
Para 2019, a estimativa de reinjeção do gás é de 23,5 milhões de m³/d. Em três anos, deve chegar a 40,3 milhões, até alcançar 60,6 milhões de m³/d em 2030. Isso significa que um volume significativo do gás que vai ser produzido no pré-sal não vai chegar ao mercado consumidor até o fim da próxima década.
"O gás produzido nos campos do Polo Pré-sal da Bacia de Santos está associado à produção de óleo. Desta forma, com o esperado aumento da produção de óleo nestes campos, aumentará também a produção de gás", respondeu a Petrobrás. A estatal argumenta ainda que na maior parte do pré-sal, o gás possui alto teor de CO2, um contaminante que não pode ser enviado à atmosfera. Outro argumento é que a reinjeção servirá para aumentar a produção futura de petróleo.
Há também consenso entre a ANP e as companhias de que, por enquanto, falta infraestrutura de escoamento do gás e que, em alguns casos, os volumes são insuficientes para justificar o gasto com obras. A construção de gasoduto e de uma unidade de processamento de gás sai por cerca de US$ 2 bilhões. Hoje, a margem de lucro do petróleo supera a do gás natural. Ou seja, para as petroleiras vale mais à pena produzir petróleo do que gás.
"O gás poderá ser aproveitado depois. Por enquanto, está sendo criado um estoque. Mas, daqui a alguns anos, vai ser possível produzir a um custo mais baixo. O boom de oferta deve acontecer daqui a uma década", avalia José Roberto Faveret, sócio do Faveret Lampert Advogados, especialista no setor de petróleo e gás.
Fonte: Estadão