Em sua primeira entrevista exclusiva, o secretário de Comércio Exterior do Ministério da Economia, Lucas Ferraz, revelou ao GLOBO que o governo trabalha, hoje, com três frentes em sua estratégia de abertura comercial: a redução à metade, a partir do início do ano que vem, das alíquotas da Tarifa Externa Comum (TEC), usada no comércio com países que não fazem parte do Mercosul; a intensificação da agenda de acordos comerciais com parceiros como a União Europeia, Coreia do Sul, Cingapura, Estados Unidos, entre outros; e atacar de frente as barreiras não tarifárias que oneram as operações de comércio exterior.
Atualmente, a tarifa média do Mercosul é de 13%. Ferraz explicou que haverá um cronograma de diminuição da ordem de 50%, mas não de forma linear. Os parceiros do Mercosul poderão apresentar setores sensíveis que teriam um tratamento diferenciado, com quedas menores e prazos maiores de adequação. Ele acrescentou que esse percentual de redução foi calculado com base nas alíquotas médias de outros países em desenvolvimento com características similares às economias do bloco sul-americano.
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— Isso não significa que vamos cortar 50% de todas as tarifas. Não vamos reduzir linearmente. Tudo será feito de forma gradual, até o fim do mandato desse governo, e em coordenação com outras políticas voltadas para a redução do custo Brasil — enfatizou o secretário de Comércio Exterior.
Segundo ele, nas três últimas décadas, houve intensificação do comércio dentro do bloco, em detrimento do intercâmbio com outros parceiros internacionais. Por exemplo, o Brasil vendeu mais manufaturados para a Argentina, mas perdeu mercado para os Estados Unidos e a União Europeia. Com isso, a participação do Brasil no comércio internacional, que era de 1,2% a 1,3% do total, continua estagnada.
Ao mesmo tempo, completou Ferraz, o Mercosul tem uma série de imperfeições que o impedem de funcionar como uma união aduaneira. Há uma série de barreiras internas. Automóveis e açúcar, por exemplo, estão fora da liberalização de tarifas no bloco.
— Há um quadro de estagnação em termos de inserção internacional. A TEC se manteve muito alta e muito acima da média para países com as mesmas características que as do Mercosul, que por sua vez acabou se tornando uma grande fortaleza, protegendo os parceiros das importações do resto mundo e gerando um grande mercado intra-bloco, o que não foi positivo, no fim das contas, para nenhum dos sócios. Vamos reformar a Tarifa Externa Comum — disse.
Perguntado se o governo teria um plano B, caso um dos sócios do Mercosul não concorde com esse processo de abertura, ele disse que a saída é abandonar o projeto de união aduaneira e passar a considerar o bloco como uma área de livre comércio. Nesse caso, não seria mais usada a TEC e o Brasil passaria a negociar acordos em separado.
— Isso é apenas uma possibilidade. Não estamos trabalhando com isso. Mas, se não der certo, será um divórcio amigável.
Negociações Comerciais
A segunda frente é a das negociações comerciais. De acordo com o secretário, o Mercosul fechará um acordo com a União Europeia em julho deste ano, após duas décadas de idas e vindas. Também estão na pauta acordos com Canadá, Coreia do Sul, Efta (bloco formado por Islândia, Liechtenstein, Noruega e Suíça), Cingapura e Estados Unidos. A novidade é que o acordo que já começou a ser discutido informalmente com os americanos não deverá, em princípio, ser só com o Brasil, mas com o Mercosul como um todo.
— Nos últimos 30 anos, mais de 400 notificações de acordos comerciais chegaram à Organização Mundial do Comércio (OMC). O Brasil ficou praticamente alheio a esse processo. Ficamos para trás com as negociações de cunho ideológico Sul-Sul e abandonamos a agenda Norte-Sul, que fazer comércio com os países desenvolvidos. Estamos correndo atrás do prejuízo — afirmou Ferraz.
Atrasos nos portos
Já a terceira frente engloba barreiras não tarifárias, motivadas por razões técnicas e fitossanitárias. Esse projeto prevê desde a redução dos atrasos portuários em exportações e importações até a desoneração do comércio exterior para facilitar a importação de serviços e reduzir os custos industriais. O Brasil poderia exportar 14% a mais, se não fossem essas barreiras internas.
De acordo com o secretário, a cada dia de atraso no porto, o custo para o empresário é de até 2% do valor da carga. Ressaltou que, com o portal único de comércio exterior, no caso das exportações, o atraso portuário caiu,nos últimos anos, de 13 para sete dias. A meta é, até 2021, a média de atrasos nas importações diminuir de 17 dias para algo como 10 a nove dias.
— O portal único é uma ferramente que vai centralizar todas as informações, reduzindo a burocracia. Teremos uma economia da ordem de US$ 25 bilhões só com a redução de atraso portuário no Brasil, a partir da inclusão das importações.
Programa Sem Barreiras
Outro ponto é o comércio de serviços, onde o Brasil também é fechado para importações. Segundo ele 70% do Produto Interno Bruto (PIB) correspondem a serviços de baixa produtividade. De cada um dólar exportado de determinado bem manufaturado no país, 32 centavos correspondem ao pagamento de serviços domésticos, que são caros e ineficientes, como transporte, procedimentos bancários, consultoria e tecnologia da informação. Por outro lado, a carga tributária sobre as importações são, de maneira geral, 47% do total comprado no exterior.
Disse, ainda, que governo e setor privado darão continuidade ao programa Sem Barreiras. A ideia é mapear onde estão as restrições às exportações brasileiras. Ao mesmo tempo será feito um levantamento para que o Brasil também reduza suas barreiras às importações.
— Vamos aumentar a inserção da economia brasileira no comércio internacional. Foi um erro dos governos anteriores pensar que é preciso exportar muito e importar o mínimo possível, em uma ideologia do 'made in Brazil'. Sempre buscamos saldos comerciais, como se isso fosse um indicador de que a economia é saudável. O indicador correto é a corrente de comércio em relação ao PIB. Nossa meta é a expansão da produtividade da economia brasileira — disse Ferraz.
Fonte: O Globo