O governo brasileiro se prepara para retaliar a União Europeia pelas salvaguardas ao aço anunciadas por Bruxelas no mês passado. A resposta aos europeus deverá ser dada na forma de aumento das tarifas de importação aplicadas pelo Brasil contra US$ 180 milhões em mercadorias europeias - mesmo valor dos produtos siderúrgicos brasileiros alcançados pela medida protecionista.
O Valor apurou que os ministérios da Economia, da Agricultura e das Relações Exteriores trabalham juntos na identificação de uma série de bens produzidos pela UE que possam ter sobretaxas sem prejudicar importadores brasileiros. A retaliação será oficializada provavelmente amanhã.
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O Acordo de Salvaguardas da Organização Mundial do Comércio (OMC) permite que países que se sintam prejudicados façam uso de aumentos de tarifas em resposta à aplicação de tais medidas. Elas só podem ser efetivamente adotadas mediante notificação dos parceiros comerciais. É isso o que o Brasil pretende fazer.
As discussões ganharam corpo com a pressão do agronegócio contra as importações de leite em pó europeu, já que chegou ao fim a vigência de uma taxa antidumping autorizada pelo governo. Como forma de manter a proteção, o Palácio do Planalto deu aval ao aumento de 28% para 42% da tarifa específica sobre o leite proveniente da UE. Para isso, o Brasil se valerá da retaliação a que tem direito.
Uma fonte oficial lembra, no entanto, que as importações do produto europeu chegam a apenas US$ 500 mil por ano. Ou seja, haveria um espaço ainda de mais de US$ 179 milhões. Trata-se de uma fagulha perto das importações de quase US$ 35 bilhões que o Brasil teve de produtos europeus em 2018. Como a ideia não é prejudicar importadores brasileiros nem ir na contramão do processo de abertura comercial, o governo busca hoje fechar uma lista de bens da UE que podem causar dor de cabeça a Bruxelas e reforçar o poder de barganha nas negociações específicas do aço.
É mais ou menos o que fez a própria Comissão Europeia, em resposta às salvaguardas americanas também para produtos siderúrgicas e para o alumínio, quando a Casa Branca alegou razões de segurança nacional para impor a medida. Na tentativa de fragilizar Donald Trump perante lobbies poderosos de empresas ou de regiões, Bruxelas retaliou sobretaxando produtos dos Estados Unidos como as motos Harley-Davidson ou uísque bourbon. O desafio é justamente encontrar produtos que, no caso do Brasil, tenham reflexo político.
Há, no entanto, grande preocupação - sobretudo no Itamaraty - sobre os efeitos que essa retaliação teria nas negociações entre UE e Mercosul para um tratado de livre-comércio. Uma nova rodada de discussões - a primeira depois da posse do presidente Jair Bolsonaro - está prevista para os dias 11 a 15 de março, em Buenos Aires. Embora as sobretaxas brasileiras, se realmente aplicadas, sejam só uma resposta na mesma moeda, teme-se o uso delas pela UE como justificativa para travar um acordo.
Fonte: Valor