A indústria de petróleo e gás no Brasil ainda faz pouco uso de tecnologias digitais nas atividades operacionais do setor, conclui estudo da consultoria Deloitte. De acordo com a pesquisa, petroleiras e fornecedores desse segmento no país têm baixa maturidade na jornada de transformação digital, pois até agora optaram por adotar novas tecnologias principalmente em atividades não operacionais, como tecnologia da informação, organização e gestão de clientes, pessoas e fornecedores.
A pesquisa, em parceria com o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), a Associação Brasileira das Empresas de Serviços de Petróleo (ABESPetro) e a Agência Nacional do Petróleo (ANP), entrevistou profissionais em 42 empresas do setor no país. Apesar de 98% dos entrevistados considerarem que ferramentas digitais têm capacidade de gerar impacto positivo nas operações, entre as petroleiras participantes 40% disseram que a digitalização muitas vezes resultou em aumento de trabalho e gerou pouco benefício.
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Ao todo, apenas 3% das empresas participantes da pesquisa se consideram uma organização verdadeiramente digital. Enquanto isso, 34% das companhias apontaram que o processo de transformação digital começou recentemente ou ainda vai ser iniciado.
De acordo com o sócio e líder da área de projetos e transformação de ativos de óleo e gás da Deloitte, Eduardo Raffaini, o baixo grau de maturidade na digitalização é reflexo de pouca colaboração entre as empresas e fornecedores no desenvolvimento de novas tecnologias e compartilhamento de dados. “É um setor que trabalha em parcerias nos campos, mas tem dificuldade de desenvolver tecnologias em conjunto”, diz.
O presidente do IBP, Eberaldo Almeida Neto, diz que a indústria tem certa cautela na adoção de novas tecnologias em operações críticas. “O setor é tradicionalmente mais conservador, pois tem uma relação central com a questão de segurança, já que lida com combustíveis, materiais explosivos, pressões e temperaturas altas, ambientes inóspitos. As petroleiras começaram a digitalização em áreas como inteligência de negócios, recursos humanos e finanças, porque não há riscos e os ganhos são muito rápidos”, explica.
Raffaini afirma que o setor tem vivido também mais dificuldades no acesso ao financiamento para desenvolver novas tecnologias, com o maior direcionamento de investidores para áreas de baixa emissão de carbono. Além disso, segundo ele, apesar de ter uma intensa colaboração com universidades e centros de pesquisa, ainda há pouca abertura para parcerias com novos empreendedores no desenvolvimento e aplicação de novas tecnologias.
“É uma transformação cultural. Essa indústria trabalha com dados críticos. Ter o conhecimento sobre bacias e reservas, saber onde está o petróleo, é o grande ativo. Mas se as empresas não se abrirem e criarem parcerias para desenvolver tecnologias, dificilmente vão conseguir ter sucesso no desenvolvimento de novas tecnologias, principalmente nas áreas operacionais”, aponta.
Com a aceleração da transição energética, será necessária a busca por uma produção de petróleo de forma mais barata e mais rápida. Segundo Neto, do IBP, “o paradigma está mudando” e cada vez é mais relevante ter um conhecimento específico para que uma reserva seja efetivamente explorada de forma mais rápida e barata.
No Brasil, companhias que exploram e produzem petróleo e gás têm a obrigação contratual de investir 1% da receita bruta em pesquisa, desenvolvimento e inovação. Recentemente, a ANP atualizou as regras para a alocação dos recursos obrigatórios, com mudanças que incluem as áreas de energias renováveis, transição energética e novas ações para inovação e startups. Segundo a agência, o objetivo foi dar maior clareza a projetos relacionados a energias renováveis e transição energética.
O presidente do IBP afirma que as empresas precisam passar também por uma transformação cultural, que envolve, por exemplo, mudanças nos ambientes de trabalho e na alocação de trabalhadores de campo para atividades mais ligadas à inteligência.
Apesar de tudo, Almeida acredita que algumas tecnologias que ajudam a baratear as operações ganharão espaço nos próximos anos, como iniciativas de análise de dados e de “gêmeos digitais” (digital twins), que é o uso de versões digitais de ativos em operação para testar cenários e prever o comportamento operacional.
A gerente de tecnologia e inovação do IBP, Melissa Fernandez, afirma que o uso de drones e câmeras para captar informações tende a crescer, assim como a aplicação de robôs autônomos e da impressão 3D para soluções mais próximas aos locais de operação. “A inteligência artificial também é muito importante. Identificamos também uma procura cada vez mais ativa das empresas por tecnologias para captura e estocagem de carbono”, diz.
Fonte: Valor