O governo brasileiro deverá aumentar bastante a abertura de investigações antidumping contra importações suspeitas de terem preços deslealmente baixos e de causarem danos à indústria nacional. Há 26 petições em análise. Além disso, 47 investigações já em curso poderão levar, pelo menos em parte, à aplicação de sobretaxas e aliviar a concorrência para diversos setores industriais.
O início da investigação antidumping dá uma indicação mais rápida do que a imposição definitiva dos direitos antidumping das mudanças de tendência no uso de defesa comercial. Ilustra o grau de pressão exercida sobre os governos para proteger o mercado nacional em determinado momento.
Medidas antidumping podem ser utilizadas contra importações que cheguem a um país com preços abaixo do valor normal de venda em seu mercado de origem. O alvo a ser atingido são as empresas exportadoras ou produtoras de cada país investigado.
Globalmente, ao contrário do que era amplamente esperado no rastro da pior crise econômica dos últimos tempos, o início de investigações antidumping diminuiu entre 2008 e 2010. Os dados mais recentes da Organização Mundial do Comércio (OMC) para o G-20 mostram que o declínio continuou entre outubro 2010-abril 2011 - as exceções são Brasil, Paquistão e Ucrânia.
No primeiro semestre de 2010, o Departamento de Defesa Comercial (Decom), do Ministério do Desenvolvimento, abriu cinco investigações e aplicou cinco medidas definitivas (sobretaxas) contra importações das mais variadas origens. No segundo semestre, o ritmo se acelerou fortemente, com 35 aberturas de investigações (alta de 600%) e 8 aplicações de direitos antidumping.
Este ano, entre janeiro e o começo de junho, o número de casos abertos pelo Brasil caiu para 18, sendo quatro casos contra produtos da China, dois contra a Coreia do Sul e um contra EUA, Índia, Rússia, México, Chile, França, Itália, Hungria e Bélgica. Nove medidas definitivas foram aplicadas, sobre dois produtos da China e um dos EUA, Argentina, Indonésia, Itália, França, Hungria e Coreia do Sul.
A baixa este ano foi causada pela "suspensão", entre janeiro e abril, do repasse de dados da Receita para o Decom. Sem o fluxo crucial de informações da Receita, as análises foram atrasadas, para desespero de vários setores industriais.
Com o fluxo agora normalizado, Felipe Hees, diretor do Decom, deixa claro que a abertura de investigações deve "crescer bastante" nos próximos meses. Basta levar em conta o acúmulo das 26 petições sendo analisadas pelos técnicos em Brasília.
No total, o Brasil já aplica 79 medidas definitivas (sobretaxas na importação) e há 47 investigações em curso. A ação brasileira nessa área é acompanhada atentamente na cena comercial em Genebra, até pela influencia que isso pode ter na atitude de outros países, em meio à desaceleração da economia global e persistente desemprego.
O cenário muda. Desde o fim da Rodada Uruguai, em 1995, todo o esforço brasileiro na OMC vinha sendo para se retirar as flexibilidades existentes para as autoridades investigadoras. Isso porque os produtos brasileiros eram alvos importantes de antidumping, tanto na Europa, como EUA e na vizinha Argentina.
Com a China hoje como maior exportador de mercadorias e principal parceiro comercial do país, a postura brasileira mudou. A competitividade e criatividade da China são tantas que tarifas de importação e taxas antidumping não são suficientes para proteger setores nacionais, afetados também pela forte valorização cambial brasileira.
Daí a importância de duas novas investigações abertas pelo Decom este ano, tendo como alvo a circunvenção, ou seja, contra produtos importados que procuram contornar a sobretaxa antidumping a que já estão submetidos. Esse tipo de avaliação é comum nos EUA e na União Europeia, mas só agora, com uma lei especifica, o Brasil passou a fazer o mesmo.
A ação contra circunvenção não se confunde com ataque a contrabando, falsificação no certificado de origem etc. Para isso, já há instrumentos de combate. A circunvenção ocorre na montagem no país importador, em terceiro país ou por alteração marginal do produto.
Um exemplo é o de cobertores sintéticos importados da China, já submetidos à taxa antidumping. Para evitar pagar a sobretaxa, o exportador simplesmente inclui uma tira de pano branco na lateral do cobertor. Quando o órgão investigador entra em ação, é porque constata que o cobertor entra menos no país, mas, em contrapartida, cresce bastante a entrada de rolos de tecidos de cobertor originários da China.
Esse tipo de investigação supre uma lacuna e será utilizada com frequência, a se julgar pelos problemas relatados por setores da industria nacional.
Por sua vez, o governo já rejeitou duas das quatro petições de salvaguarda transitória contra a China. Enquanto alguns analistas falam em politização, para não usar essa salvaguarda específica, o Decom argumenta que não encontrou evidências de que o mercado nacional tenha sido desorganizado pelo aumento da entrada dos dois produtos chineses. A produção nacional e o faturamento dos reclamantes cresceram no mesmo período.
Certo mesmo é que em 2016 até antidumping será mais difícil de ser aplicado sobre os chineses. É quando a China terá o status de economia de mercado reconhecido pelos parceiros, pelos termos de sua adesão à OMC. O Brasil não poderá mais aplicar medidas antidumping baseadas no preço de terceiro país, que permite certa flexibilidade para sobretaxar os chineses no momento.
Fonte: Valor Econômico/Assis Moreira
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