Sem ter acesso direto a informações fiscais de empresas privadas, o Tribunal de Contas da União (TCU) está recebendo do Ministério Público Federal (MPF) uma série de documentos referentes a contratos bilionários de empreiteiras investigadas pela Operação Lava-Jato. O compartilhamento dos dados - obtidos no decorrer das investigações - foi autorizado pelo juiz Sergio Moro, por meio de despacho.
O primeiro resultado desse trabalho conjunto será conhecido em breve, quando o ministro do TCU Benjamin Zymler levar ao plenário os achados de uma auditoria que está sendo feita no contrato de construção da Unidade de Coqueamento Retardado (UCR) da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. O trabalho, realizado a partir dos documentos cedidos pelo Ministério Público, está em fase final.
Com o aval de Moro, o TCU recebeu do MPF notas fiscais emitidas e recebidas pelo Consórcio CNCC, formado pela construtora Camargo Corrêa e pela CNEC Engenharia. O contrato de construção da UCR é o maior de Abreu e Lima, com custo próximo de R$ 4 bilhões. A auditoria nos documentos vai mostrar de forma bem mais precisa o tamanho do superfaturamento nas obras.
"Com acesso aos documentos fiscais, a averiguação do preço justo dos empreendimentos fica muito mais fidedigna", disse uma pessoa diretamente envolvida na investigação das obras em Abreu e Lima. "É fundamental termos dados reais desse tipo de contratação", completou a fonte.
Apesar de o resultado desta auditoria ainda estar sob sigilo, as indicações são de que o superfaturamento será bem maior do que o apurado em fiscalizações anteriores, baseadas em parâmetros de mercado. O TCU investiga as obras da Unidade de Coqueamento Retardado desde 2010. Em um acórdão publicado há dois anos e meio, o tribunal estimou - pelos métodos tradicionais - um sobrepreço de R$ 446,2 milhões no projeto.
Mesmo sem os resultados finais da fiscalização, o diagnóstico é de que o uso dos documentos fiscais está sendo muito proveitoso. Diante disso, a expectativa é de que Moro continue autorizando o compartilhamento de informações. O Valor apurou que o juiz já teria liberado acesso do TCU a informações de contratos nas obras do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) e da Refinaria Getúlio Vargas (Repar), no Paraná.
No despacho original, Moro autoriza o compartilhamento de informações não apenas como o TCU, mas também com a Controladoria-Geral da União, a Receita Federal e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). De acordo com o juiz, a medida facilita a aplicação de sanções administrativas por esses órgãos, que detém expertise na identificação de ilegalidades.
"O compartilhamento dos elementos de informação colhidos nestes autos com os órgãos fiscalizatórios da Administração Pública Federal mostra-se necessário, uma vez que tais órgãos possuem competências especializadas para aferição de práticas ilícitas", disse Moro no despacho. "Ressalto, ainda, que o conhecimento de seus corpos técnicos certamente contribuirá com as investigações", completou o juiz.
Consultados informalmente, advogados de algumas empreiteiras envolvidas na Lava-Jato questionaram a medida, que segundo eles poderia configurar quebra de sigilo fiscal. O argumento é de que as empresas não são rés na ação penal conduzida por Moro e que por isso as provas não poderiam ser repassadas. "Aposto em um mandado de segurança contra esse compartilhamento no Supremo Tribunal Federal", disse um advogado.
Moro, no despacho, diz que a troca de informações dos elementos probatórios tem "objetivo primeiro" de viabilizar a investigação criminal. "Quanto ao objetivo secundário, extração das consequências administrativas próprias, atende ele ao interesse público, não havendo princípio de especialidade que cede o compartilhamento de provas nessas circunstâncias".
Fonte: Valor Econômico/Murillo Camarotto | De Brasília
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