Os dois maiores doadores de recursos financeiros para a área ambiental no Brasil, Alemanha e Noruega, estão preocupados com o aumento nos índices de desmatamento, a aprovação das medidas provisórias que reduzem a proteção da floresta e a flexibilização do licenciamento que o Congresso está na iminência de aprovar. É um sinal de alerta a governos locais e federal que dependem destes recursos para proteger a floresta e reduzir a emissão de gases-estufa.
A Alemanha é o maior doador para área ambiental no Brasil, com um portfólio atual de mais de € 2 bilhões em projetos de proteção da biodiversidade e de combate à mudança do clima. Só em cooperação em biodiversidade é uma trajetória de mais de 50 anos. A carteira atual de recursos tem doações e empréstimos a juros menores que financiam tanto projetos de proteção à floresta como usinas solares. Trata-se, sempre, de dinheiro público.
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"Vemos como problemáticos os sinais das MPs 756 e 758 de redução na proteção da floresta. É claro que isso não tem impacto positivo no governo Merkel e também nos membros do parlamento, que estão se perguntando o que se está fazendo com esse dinheiro público", diz o embaixador alemão no país, Georg Witschel, ao Valor, referindo-se às medidas provisórias aprovadas em minutos pelo Congresso há poucos dias, que reduziram a proteção de 600 mil hectares de floresta amazônica no Pará e de Mata Atlântica em Santa Catarina, e que deverão ser vetadas ou sancionadas pelo presidente Michel Temer. "Pensamos que as duas MPs têm risco maior de ter impacto no desmatamento e na proteção climática", continua.
É o mesmo tom adotado pela embaixadora da Noruega, Aud Marit Wiig: "A criação de áreas protegidas foi uma medida muito eficiente para manter a floresta. E quando se enfraquece esse instrumento, tememos que os resultados possam ser negativos", disse ela ao Valor. "Estamos preocupados. O serviço de redução de emissões de CO2 que o Brasil entrega é muito importante, não podemos desistir. O que vai acontecer, provavelmente, é uma redução no dinheiro."
A Noruega é o maior parceiro do Brasil no Fundo Amazônia, gerido pelo BNDES, e que apoia projetos de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento. O país já doou ao Brasil US$ 1 bilhão para projetos de proteção à Amazônia. O dinheiro é doado, não é empréstimo. Até a fiscalização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) depende, em parte, desta fonte de recursos. O orçamento do órgão de fiscalização ambiental brasileiro sofreu corte de 30% em 2016. Em novembro, o Ibama conseguiu aprovar um projeto de RS$ 56 milhões do Fundo Amazônia para garantir, por 15 meses, apoio logístico às ações de fiscalização, garantindo o aluguel de helicópteros e veículos.
A captação de recursos para o Fundo Amazônia é condicionada pela redução das emissões de gases-estufa originadas no desmatamento. O Brasil precisa comprovar a redução do desmatamento na Amazônia para viabilizar novos recursos. Como os sinais agora são de que o desmatamento deve crescer com as propostas de mudança nas políticas ambientais e na legislação, o país deve receber menos recursos. O maior doador é a Noruega, com 97% dos recursos. A Alemanha contribui com 2,1% do total e 0,5% vem da Petrobras.
"A ameaça de se enfraquecer o licenciamento ambiental é mais do que uma dor de cabeça para nós", continua o embaixador alemão, referindo-se ao controverso projeto que tramita há semanas na Câmara. "Entendemos a necessidade de reformas e de rever o processo de licenciamento, mas temos a impressão de que há o risco de se jogar fora o bebê junto com a água suja da bacia", segue. "De outro lado, reconhecemos que o Brasil tem feito muito e conseguiu sucesso significativo na proteção ambiental. Há muitos esforços positivos do Brasil nesta área", elogia.
"São recursos fundamentais para nós, sobretudo diante da limitação de aumento do orçamento público devido à PEC dos gastos", diz Everton Lucero, secretário de mudança do clima e florestas do Ministério do Meio Ambiente (MMA). "Combater o desmatamento para nós é um bom negócio, atrai recursos. Deixar que as taxas voltem a subir vai retirar a oportunidade do Brasil de fazer esta captação", explica. O Reino Unido, por exemplo, já demonstrou interesse de também contribuir nestes esforços.
Em setembro haverá nova rodada de consultas governamentais entre Brasil e Alemanha para discutir quais áreas merecem atenção e recursos da cooperação. "É um processo aberto e não há, por ora, nenhuma decisão de se reduzir, manter ou ampliar o nível de cooperação", adianta o embaixador alemão. "Mas com o aumento do desmatamento, as MPs que reduzem proteção e o licenciamento ambiental flexibilizado vai ser difícil explicar para o nosso parlamento e a opinião pública porque deveríamos gastar mais dinheiro."
Fonte: Valor