O grupo árabe Mubadala poderia ter deixado o Brasil com um certo trauma: seus primeiros investimentos, no valor de US$ 2 bilhões, foram todos aplicados no império do empresário Eike Batista, em 2011. Quando a EBX virou pó, o Mubadala teve que administrar um portfólio de ativos estressados, executando as garantias que tinha — algo muito diferente do que fazia até então o fundo soberano de Abu Dhabi.
Mas a empreitada acabou dando certo e o Mubadala não só resolveu permanecer, como está aumentando as apostas no país — agora com novas estratégias e disposto a alocar mais alguns bilhões de dólares no país, apurou o Valor.
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O Mubadala é um dos dois grandes fundos soberanos de Abu Dhabi, ao lado do Adia. Enquanto o Adia tem uma carteira mais voltada para títulos de dívida e ações, o Mubadala investe principalmente em empresas privadas. São US$ 225 bilhões em ativos em mais de 30 países. Nesse montante, há US$ 25 bilhões do braço de gestão, a Mubadala Capital.
A subsidiária faz gestão de fundos de private equity, venture capital e operações de crédito com capital do fundo soberano, mas também de terceiros. No Brasil, as aquisições eram feitas exclusivamente com capital do fundo soberano, dono dos ativos da EBX. Na nova fase, o Mubadala está montando uma carteira com os primeiros ativos sem relação com Eike e capital de outros investidores.
Nas primeiras estruturas, a Mubadala Capital chama o dinheiro de terceiros caso a caso, montando fundos específicos. Foi assim na compra, na semana passada, da Rota das Bandeiras, concessionária de rodovias que pertencia à Odebrecht. A aquisição é estimada em R$ 1,65 bilhão, feita com um misto de capital do fundo soberano e de terceiros, e fechada em parceria com a gestora americana Farallon.
A Mubadala Capital também deu início à captação de um fundo de private equity dedicado a Brasil — o primeiro nesse modelo, já que os demais são segmentados por classes de ativos. Assim, os próximos aportes com esse misto de recursos devem ser feitos por um mesmo veículo. O objetivo é levantar ao menos US$ 1 bilhão, conforme duas fontes, sendo o soberano cotista âncora. Outra vantagem dessa estrutura é que o fundo soberano Mubadala não precisa consolidar toda a dívida das companhias em seu próprio balanço.
Era para aporte nesse fundo que a Mubadala Capital estava no processo de seleção de gestores da BNDESPar. Não ter sido selecionada é um cheque a menos, mas a Mubadala mantém a proposta do fundo. O veículo vai buscar recursos de investidores locais e institucionais americanos, europeus e asiáticos.
A gestão brasileira do Mubadala não foi uma estratégia, mas uma questão de necessidade. Em 2014, após dois anos na longa ponte aérea entre Rio e Abu Dhabi, o chefe das operações locais, o sueco Oscar Fahlgren, acabou se mudando para o Brasil e montando um escritório na capital fluminense. Foi o primeiro escritório do Mubadala fora do emirado árabe, que acabou montando equipe local. Quando essa equipe estabilizou o portfólio, com as reestruturações de ativos, o Brasil começava a afundar na recessão. Ao invés de ver mais um problema pela frente, o Mubadala entendeu que tinha ficado com outro legado.
Além de boa dose de estresse, a gestão de garantias e a consequente composição de um portfólio local com ativos criados pela EBX, como portos e empresa de entretenimento, também renderam bons frutos. Enquanto a maioria dos investidores do grupo perdeu quase tudo, o Mubadala mais que dobrou o capital investido, para os atuais US$ 5 bilhões. Essas garantias incluíam ativos tão diversos quanto ações do Burger King e um prédio corporativo no Rio, onde está o escritório do fundo.
Para chegar a esse resultado, o Mubadala saiu do processo com uma experiência singular na gestão dos chamados investimentos em situações especiais — aqueles à beira do colapso, já em recuperação judicial ou altamente endividados. É esse tipo de ativo que o fundo de private equity quer. Segundo um executivo que já fez parceria com o Mubadala, os retornos mínimos buscados para estratégias de maior risco são de 20%. Paralelamente, o fundo soberano pode fazer aquisição direta em transações que tenham porte grande para um veículo de investimento, entrando com outros investidores — como no consórcio que tinha formado para dar lance pela TAG, da Petrobras.
Algumas lições ficaram dos investimentos na EBX. Para começar, o Mubadala não quer mais negócios em fase inicial e tampouco ser minoritário. “A companhia não se sente à vontade em não ser dona do destino do negócio”, diz um executivo que tem sociedade com o Mubadala, replicando o que ouviu da parceira. À frente de todo o processo, seria natural que Fahlgren não quisesse ver Eike Batista nem de longe — mas, ironicamente, os filhos de ambos estudam na mesma escola, diz um executivo, o que já proporcionou encontros inesperados. Com retorno de 150%, com certeza fica menos incômodo.
O Valor ouviu executivos próximos ao fundo soberano e a negócios de seu portfólio. Procurado, o Mubadala não comentou.
Fonte: Valor