São 15h30 de uma quinta-feira e o produtor Fábio Antonello, do município de Dom Aquino, em Mato Grosso, está com os braços cruzados e o olhar fixo no céu. A esta altura do ano, pico da colheita de soja no Estado, suas máquinas deveriam estar cortando a lavoura a todo vapor, mas os trabalhos foram atrapalhados por uma semana de chuvas intermitentes. Ao primeiro sinal de que as gotas voltaram a dar trégua, o agricultor corre para dar a partida na colheitadeira. "É a terceira vez que entro na lavoura hoje", afirma ele, que cultivou 2,35 mil hectares nesta safra.
Cenas como essa se repetiram por todo Mato Grosso nos últimos dias e alimentaram um pouco de tensão neste fim de temporada. Até então, o Estado era considerado o grande "oásis" do ciclo 2013/14, agraciado por um clima favorável enquanto outras importantes regiões produtoras, como Paraná, Rio Grande do Sul e parte do "Mapitoba" (confluência entre Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia) sofriam com a estiagem.
Mas, ao que tudo indica, os problemas tendem a ser pontuais. "É claro que as chuvas são um fator de risco, mas o ano deve ser de boas produtividades em Mato Grosso", afirma André Debastiani, sócio da Agroconsult e coordenador do "Rally da Safra", expedição técnica realizada há 11 anos pela consultoria.
O Valor participou do quarto roteiro do rally deste ano (são oito no total), e entre 18 e 21 de fevereiro visitou 13 cidades e cerca de 30 lavouras de norte a sul de Mato Grosso, que lidera a produção nacional de soja. A previsão da consultoria é que a produção do Estado aumente quase 21% em 2013/14, para 28,4 milhões de toneladas, ou um terço das pouco mais de 90 milhões que o Brasil deverá ofertar no ciclo.
Praticamente metade da área plantada em Mato Grosso (47,3%) já foi colhida, 4,2 pontos percentuais à frente do mesmo período de 2013, nas contas do Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea). Em relação à média dos últimos cinco anos, o avanço é ainda mais expressivo, de quase 14 pontos percentuais - o que significa dizer que a agilidade nos trabalhos já resguardou do tempo ruim parte importante da produção.
As atuais previsões indicam que as chuvas persistirão nos próximos dias no Estado, mas com maiores aberturas de sol. "A ordem é seguir acelerando a colheita", afirma Marco Antônio dos Santos, da Somar Meteorologia.
Não só os silos, mas também os bolsos dos agricultores mato-grossenses ficarão mais cheios. É fato que os gastos operacionais em Sorriso, por exemplo, subiram 6% em relação a 2012/13, para R$ 1.424 por hectare, pressionados por fatores como mão de obra e insumos, segundo a Agroconsult. Mas a rentabilidade nesse que é um dos principais polos de soja do país deverá crescer 26%, a R$ 1.152 por hectare.
Um recorde, nas contas da consultoria - equivalente a uma margem bruta superior a 80% do custo de produção -, e resultado que dificilmente será repetido na safra 2014/15, tendo em vista a tendência de aumento de custos e quedas dos preços do grão na próxima temporada (ver texto ao lado).
Para efeito de comparação, no Paraná (segundo maior produtor do país), a rentabilidade média das lavouras deve alcançar R$ 1.324 por hectare, queda de 27% ante 2012/13, em função da diminuição da colheita por conta da estiagem. "O câmbio favorável [a valorização do dólar ante o real beneficia os preços da commodity] e a maior produtividade média em Mato Grosso, que deve passar de 50 sacas em 2012/13 para 56 sacas por hectare devem propiciar essa rentabilidade recorde", diz Debastiani.
O excelente desempenho das variedades precoces tende a contribuir com o aumento das médias de produtividade. Na Fazenda Santa Helena, em Sorriso, a soja colhida mais cedo (em 2,5 mil de um total de 4,4 mil hectares) rendeu 60 sacas por hectare. As mais tardias estão na casa de 58 sacas. Toda a área é de soja convencional, o que permite ganhos adicionais entre US$ 2 e US$ 3 por saca.
Os números poderiam ser ainda mais animadores, não fosse a soja que já começa a brotar dentro das vagens, estimulada pelas chuvas, o que de certa forma limita o rendimento nesta reta final. Conforme Valmir Assarice, analista da Agroconsult que acompanhou o Rally, há também perdas de qualidade. "A oleaginosa ficou madura, no ponto de colheita, e depois voltou para trás por causa do excesso de umidade".
Nas estimativas de Valberto Kriese, técnico agrícola da Fazenda Santa Helena, esse conjunto de agravantes provocou perdas de três a 15 sacas por hectare. "Mas estamos colhendo de qualquer jeito", afirma.
Escaldados pela experiência do ano anterior, muitos produtores se cercaram para tentar minimizar os problemas com as precipitações fora de hora. Silvésio de Oliveira, que planta soja em uma área de 1,45 mil hectares no município de Tapurah, investiu R$ 1 milhão nesta safra para a compra de uma colheitadeira axial, cujo sistema de debulha evita a quebra de grãos e facilita a retirada da planta úmida do campo.
O agricultor também adquiriu, por R$ 500 mil, um conjunto de equipamentos usados que permitirá erguer um barracão, uma área de pré-limpeza e um secador. Se fosse comprar uma estrutura totalmente nova, estima que gastaria R$ 2 milhões.
"Nesse tempo, a soja sai com mais de 20% de umidade do campo [o ideal é até 15%], e acabamos tendo descontos no momento da entrega. Às vezes, sobra apenas metade do valor da carga", diz Oliveira. A cada ponto percentual acima do nível ideal de umidade, desconta-se 1,5% do valor da saca (atualmente negociada a R$ 52 na região). Contar com o próprio secador é uma alternativa para driblar também a sobrecarga dos armazéns locais, que não estão dando conta de tirar a umidade do grande volume de soja recebido.
No leque de pragas, velhas conhecidas como a mosca branca e a lagarta falsa-medideira foram as queixas mais comuns dos agricultores no roteiro percorrido pelo Valor. A temida lagarta helicoverpa causou histeria no início da safra, mas acabou controlada.
Na Fazenda Berrante de Ouro, em Sorriso, a saída foi apostar no plantio da Intacta RR2, variedade da Monsanto resistente a lagartas que estreou nesta safra 2013/14. "A produtividade ficou próxima da RR [Roundup Ready, soja transgênica mais antiga da Monsanto ], entre 58 e 60 sacas. Mas há uma tranquilidade maior no controle dessas pragas", diz Edemar Dalla Vecchia, gerente da fazenda, onde foram semeados 60 hectares com a tecnologia.
Outros agricultores venceram pelo vigor no combate, ainda que tenha havido excessos. "Fiz cinco aplicações de inseticidas, incluindo biológicos, mas sei de produtor que fez no mínimo dez", conta Silvésio Oliveira. Nas contas dele, o gasto com inseticidas dobrou nesta safra, para US$ 120 por hectare.
Fonte: Valor Econômico/Mariana Caetano | De Sorriso (MT)
PUBLICIDADE