Invasão de importados provoca debate no governo, mas ministérios avaliam que seria arriscado limitar as compras neste momento
Carros, eletrodomésticos, remédios, peças de celular, petróleo. Os brasileiros nunca consumiram tantos importados. A quantidade de insumos, máquinas e produtos prontos trazidos do exterior já ultrapassou o nível do pré-crise e atingiu novo recorde.
O volume de compras do País em maio superou em 5% o pico de julho de 2008. O cálculo do JP Morgan, com dados da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), desconta a sazonalidade e considera média trimestral. De janeiro a maio ante igual período de 2009 (auge da crise), a alta é de 41,5%.
A "invasão de importados" é provocada pelo crescimento em ritmo chinês da economia e pelo real forte. O Brasil também se tornou alvo de um mundo em crise, com países ávidos para exportar mais. Um dos efeitos positivos das importações é controlar a inflação, mas o aumento do déficit externo já preocupa.
O tema está em debate nos ministérios da Fazenda e do Desenvolvimento. O governo acredita que as importações recordes são resultado do nível de atividade acima do pré-crise. A avaliação é que medidas para conter a importação podem elevar os preços, porque muitos setores não têm produção suficiente para suprir o excesso de demanda. "Qualquer coisa que fizermos pode prejudicar os investimentos", diz um funcionário graduado.
Fernando Ribeiro, economista-chefe da Funcex, projeta que o Brasil deve importar este ano 30% mais produtos que em 2009 (um ano fraco) e 7% mais que em 2008 (um ano recorde). "Em valores, as importações podem ficar iguais a 2008, porque os preços caíram. Em quantidade, serão recordes", diz. O Banco Central projeta importações de US$ 172 bilhões - praticamente o mesmo patamar de 2008 (US$ 173 bilhões) e acima de 2009 (US$ 128 bilhões).
Computadores. A fabricante de processadores Intel comemora seu melhor ano no Brasil, conta o diretor de marketing Cássio Tietê. O desempenho da empresa acompanha as vendas de computadores, que crescem 30%. A Intel importa todos os processadores que vende no País. "Os consumidores continuam comprando e o mercado corporativo se recuperou", diz Tietê. Ele afirma que as perspectivas são positivas, porque apenas 30% da classe C tem computador.
Várias empresas de tecnologia estão importando significativamente mais que em 2009. As compras externas da Philips subiram 598%, da Foxconn, 204%, da Samsung, 101%, de janeiro a maio, conforme a Secretaria de Comércio Exterior (Secex).
O aumento das importações, no entanto, é generalizado. Um levantamento da Funcex mostra que 22 de 25 setores importaram um volume maior nos primeiros cinco meses do ano em relação a igual período de 2009. Nessa comparação, o País comprou 161% mais minerais não-metálicos, 59% mais equipamentos de informática, 67% mais tecidos.
Mesmo em relação aos primeiros cinco meses de 2008 (antes da crise), 16 setores estão importando uma quantidade maior. As porcentagens são menores, mas também impressionam. Os brasileiros importaram 21% mais móveis, 13% mais máquinas, 22,4% mais materiais elétricos.
Carros. O principal destaque são os carros. O volume de automóveis importados, entre janeiro e maio, é 77,5% maior que no mesmo período de 2009 e 25% maior que janeiro a maio de 2008. Graças às fortes vendas da Hyundai, as importações de carros da Coreia do Sul cresceram 143%. A Caoa, que traz os veículos da marca, importou US$ 592 milhões neste início de ano.
Também crescem as importações de autopeças por montadoras instaladas no País. "As importações não estão subindo por causa de câmbio ou de falta de tecnologia. Importo mais porque produzo mais", diz o vice-presidente da Renault do Brasil, Alain Tissier. A montadora elevou as importações em 140%, porque voltou a operar em dois turnos. O conteúdo nacional da Renault é de 85%. Tissier conta que importou mais aço, porque o insumo ficou caro no País.
O economista do JP Morgan, Júlio Callegari, diz que a tendência das importações é de alta, porque "a indústria não tem ociosidade e precisa contar com insumos vindos do exterior". Ele explica que ainda há diferenças no ritmo das importações conforme o uso do produto.
As compras externas de bens de consumo superam com folga o pré-crise. As importações de insumos seguem o ritmo da indústria e atingiram o mesmo patamar de 2008. As compras de máquinas ainda não se recuperaram totalmente, mas devem subir nos próximos meses.
A fabricante de máquinas Caterpillar aumentou as importações em 118% neste ano. Conforme a assessoria de imprensa, a crise reduziu a produção no ano passado, e agora os negócios estão sendo retomados. A Caterpillar esclarece que importa apenas peças e componentes.
Plano Real. A importação nunca teve um papel tão relevante na economia do País. Nem mesmo no auge do Plano Real, com o câmbio fixo. No primeiro trimestre, as importações atenderam 20,7% do consumo dos brasileiros, revela indicador da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Em 1996, a participação era de 14%.
Na década de 90, a importação provocava uma dependência crônica de capital externo. O déficit em conta corrente atingiu 4,32% do PIB em 1999. Depois de um período de superávits, o País voltou a ter déficit, que deve atingir 2,49% do PIB este ano. A situação não é alarmante, mas traz de volta um velho fantasma.
Fonte: O Estado de S.Paulo/Raquel Landim
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