A essência do mundo de hoje é a internacionalização do processo produtivo, entendido como globalização. A afirmação é do embaixador Luiz Augusto de Castro Neves, que por quatro anos, entre 2004 e 2008, serviu ao governo brasileiro na China. Nesse período, ele pôde constatar que os chineses entenderam melhor que ninguém o fenômeno da globalização.
Para os chineses, diz o diplomata, "a globalização não é um valor que a gente possa ser contra ou a favor, é um fato que tem que ser examinado, estudado para ver que oportunidades e riscos ele cria para as nações".
Castro Neves, atual presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), avalia como importante "os países aprenderem essa lição com os chineses", pois atribui o crescimento da China à compreensão desse processo. O país é acusado de "invadir o mundo com seus produtos baratos", o que o diplomata contesta. "Foi a demanda chinesa por produtos primários que elevou os preços das commodities. Esse fato, aliado ao baixo custo de seus produtos manufaturados, permitiu que a inflação mundial ficasse muito baixa até 2008", diz.
O embaixador acredita que, para o Brasil entrar para valer na globalização e sair ganhando, sem sacrificar sua indústria, o maior desafio é o da competitividade. "Nisso a China dá de dez. Ela tem infraestrutura e logística modelares, uma carga tributária bem menor que a nossa e uma mão de obra com menos encargos", aponta. "Se o Brasil não tiver acesso a componentes estrangeiros, arrisca perder competitividade."
A questão é polêmica, principalmente num momento em que o governo brasileiro acaba de sobretaxar carros vendidos no país com menos de 65% de índice de nacionalização. A medida atinge diretamente veículos provenientes da Ásia, com destaque para os recém-lançados carros das montadoras chinesas Chery e JAC.
Crítico do protecionismo, Castro Neves ressalta que tal prática deixou há muito de ser um instrumento eficaz de proteção, "pois encarece importações e diminui a competitividade do produto nacional". "Tributar carros estrangeiros não vai funcionar agora", alerta o presidente do Cebri.
Para ele, é preciso levar em conta que o Brasil é importante para a China. No início do século XXI, o comércio entre os dois países era de US$ 3 bilhões e hoje está beirando os US$ 60 bilhões. "Em oito anos, a China se tornou o maior parceiro comercial do Brasil", constata Castro Neves. "Mesmo com a assimetria das duas economias em favor da China, de 2001 a 2010 o Brasil foi superavitário no comércio bilateral com os chineses, à exceção de 2007 e 2008."
Castro Neves não concorda com os analistas que veem perda de qualidade na pauta de exportações brasileiras para a China, devido ao grande peso dos produtos básicos. "Devemos exportar [para a China] tudo aquilo em que temos vantagens comparativas, petróleo bruto, minério, soja. O problema não é exportar commodities. É saber onde será aplicado o dinheiro que se ganha com elas." Ele refuta a tese de que o Brasil vive um processo de desindustrialização provocado pelos produtos chineses.
Na crise atual dos países desenvolvidos, Castro Neves acredita que a China vai reavaliar seu modelo de crescimento. O país deverá buscar uma menor dependência de exportações e dar prioridade ao mercado interno, como estava previsto no 12º plano quinquenal, lançado no início de 2011. "A mudança não vai levar o país a crescer menos. Com uma população é de 1,3 bilhão de pessoas, eles têm muito que incorporar aí."
O foco do governo chinês para o mercado doméstico pode beneficiar o Brasil, prevê o diplomata. "A demanda por importados, principalmente alimentos, vai aumentar e o Brasil tem maior vantagem comparativa para se transformar em celeiro do mundo, pois a produção de alimentos é um grande filão. Há chance de se tornar o maior exportador de alimentos para a China", avalia Castro Neves. "O Brasil tem de ser inteligente e maximizar oportunidades."
No contexto global, ele não vê dificuldades para as empresas brasileiras entrarem no mercado chinês e terem sucesso. Mas reconhece que "os empresários brasileiros são pouco ousados frente às oportunidades que a China oferece". Durante seu período como embaixador no país, a embaixada brasileira começou a mapear as demandas específicas daquele mercado para orientar os investidores nacionais.
Em 2004, quando Castro Neves assumiu a representação, cerca de 50 empresas brasileiras já estavam instaladas em território chinês. Entre 2004 e 2008, chegaram WEG, Maxion, Embraer e Paramount (calçados).
A Embraer, que pertence a um setor estratégico da economia, teve que buscar um sócio local. Mas a WEG chinesa é 100% brasileira. O mercado da China já é o segundo maior comprador das aeronaves da Embraer. "De maneira geral, as empresas brasileiras que estão na China estão muito contentes", conta o diplomata.
Castro Neves não crê que o Brasil tenha perdido o "bonde das oportunidades" na China, "porque ele passa de hora em hora". Mas volta a alertar que a economia mundial é globalizada, o que não dá espaço para ter política industrial baseada em instrumentos de defesa comercial, porque isso gera retaliação.
Fonte: Valor Econômico/Por Vera Saavedra Durão e Guilherme Serodio | Do Rio
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