Os preços do petróleo do tipo Brent, que alcançaram nesta terça-feira o menor patamar desde 2001 com cotações abaixo dos US$ 20, devem continuar em queda. Nas contas dos especialistas, o barril poderia recuar para o patamar de US$ 10, o que levaria a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) a efetuar um novo corte na produção.
Em novo dia de queda livre nos preços do petróleo, os contratos para junho do WTI caíram 43% e fecharam em US$ 11,57 em Nova York. O de maio fechou em US$ 10,01, depois de passar a maior parte da sessão no negativo. O Brent de junho chegou a cair 28%, mas fechou em US$ 19,33, com queda de 24%, segundo a Bloomberg.
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Na semana passada, o cartel e aliados anunciaram uma redução histórica de 10% na produção global, insuficiente para impedir a derrocada no preço do produto, principalmente do barril do tipo WTI, negociado nos Estados Unidos, que fechou na última segunda-feira com preço negativo de US$ 37,63 nos contratos para maio. Estimativas apontam que a queda na demanda chegaria a 30%.
A avaliação dos especialistas é que o Brent não deve repetir o cenário de preços negativos do WTI. A derrocada histórica no mercado americano foi resultado de um cenário inusitado: produtores pagaram para se desfazer do produto diante do excesso de estoques.
Com o vencimento dos contratos marcado para esta terça-feira, o que prevê a entrega física do produto, em um cenário de tanques de armazenamento lotados diante da queda da demanda, quem tinha petróleo para vender preferiu pagar para alguém levá-lo do que não ter onde guardar.
Para os especialistas, a queda do Brent reflete a expectativa de que os EUA devam exportar seu excedente de petróleo por não ter mais capacidade de armanezamento. Além disso, parte do Brent também é negociado no mercado americano, e as importadoras e exportadoras do produto estão se desfazendo destes papéis.
- Se os EUA têm uma quantidade de óleo excedente, vão jogar no mercado internacional. O preço do WTI é interno, mas influencia o mercado internacional - disse Giovani Loss, especialista em óleo e gás do escritório Mattos Filho Advogados.
Cláudio Pinho, especialista em óleo e gás, atribui a queda do Brent nesta terça-feira às negociações dos papéis por traders americanas.
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- O preço do Brent é formado predominantemente por traders, na maioria americanas, na Nymex, nos EUA. No caso do Brent, o problema não é de entrega nem de estocagem.
Para Loss, a flexibilização da quarentena deve contribuir adiante para uma recuperação de preço do petróleo, mas avalia que num período de dois meses a indústria petrolífera ainda tentará conter a produção em razão da demanda menor pelo produto. Ele avalia que o preço do Brent ainda pode recuar no curto prazo ao patamar de US$ 10.
Impacto para o pré-sal
Segundo Pinho, mesmo que a retomada gradual da atividade econômica contribua para uma recuperação do mercado, os preços deverão ficar um bom tempo entre US$ 30 e US$ 36. O cenário para as petroleiras diante das projeções é de menor rentabilidade.
Loss pondera, porém, que a Petrobras tem certa vantagem por contar com mercado cativo no país, tanto na produção quanto no refino, além de contar com participação no mercado de distribuição de derivados, com a BR Distribuidora, que foi privatizada.
- A Petrobras será afetada pela queda de preços, mas não no mesmo patamar de outras empresas internacionais, que não têm mercado cativo - diz Loss.
Em compensação, o cenário é de reavaliação de projetos de desenvolvimento na produção do pré-sal. A principal incerteza é não saber quanto tempo ainda pode durar a crise. O processo de tomada de decisão sobre os projetos seria de dois ou três meses, segundo o especialista.
- Isso não vai afetar apenas os investimentos da Petrobras no pré-sal, mas todo o setor. O governo deveria se mover rápido no sentido de desregulamentar o setor, reduzindo as barreiras de entrada, abrindo o mercado a novos entrantes - diz Pinho. - Temos um câmbio que faz o Brasil estar em liquidação. Se a Agência Nacional do Petróleo (ANP) reduzisse as barreiras de entrada... Quem está capitalizado neste momento vai comprar os ativos que estiverem disponíveis no mercado.
Para David Zylbersztajn, consultor do setor e ex-diretor-geral da ANP, a queda de preços do barril tipo Brent poderá atingir cotações negativas como aconteceu com o WTI americano. Zylbersztajn lembra que a maioria dos contratos que ajudam a fixação de seus preços são especulativos. Ou seja, ninguém está querendo comprar óleo, trata-se apenas um referencial nas negociações dos papéis na bolsa, principalmente na Nymex nos Estados Unidos.
- Podem acontecer novas quedas, e pode até chegar a cotações negativas também, vai depender da estrutura dos contratos. É uma coisa que surpreende pela profundidade, não como uma trajetória prevista – afirmou Zylbersztajan .
Para o executivo, essa derrocada dos preços do petróleo será ruim para a Petrobras e seus projetos de desenvolvimento da produção no país. Ele lembra que o Brasil atrasou em dez anos o desenvolvimento da produção, após optar pela suspensão de leilões de áreas para discutir o modelo para exploração nos campos do pré-sal.
- O Brasil poderia ter vendido muito petróleo. Todos os indicadores são ruins para a Petrobras. A companhia perdeu em volume de venda de combustíveis e nos preços baixos. O petróleo do pré-sal sabe-se lá em que nível de competitividade está, e a venda de ativos, esquece. Todo o planejamento da Petrobras está muito prejudicado com tudo isso – ressaltou o executivo.
Efeito negativo para prefeituras e estados
Para especialistas, a crise não vai bater apenas no caixa das empresas, mas também no de estados e municípios que contam com a riqueza do petróleo para fechar as contas. A perspectiva é de forte queda na arrecadação com royalties e participações especiais, que tomam como base a cotação do Brent.
A nova crise deve servir mais de uma vez de alerta, segundo os analistas do setor, sobre a necessidade de bom uso destes recursos. Segundo Pinho, há risco de insolvência para algumas prefeituras.
- É por isso que se discute que a arrecadação de royalties não deveria servir para sustentação de custos operacionais correntes de estados e municípios. Teremos uma vez a cada dez anos uma crise de preços do petróleo, pelo fato de os EUA não terem regulação, atuando no mercado livre. Toda vez que o mercado americano cresce muito, desequilibra o internacional - afirma Loss.
Fonte: O Globo