O mercado parou de elevar a expectativa de inflação, mas, segundo apurou o Valor, não estacionou - apenas fez um pit-stop. A alta, próxima a 35%, nos preços do minério de ferro negociados pela Vale a partir do mês que vem deve atingir os índices que registram as oscilações no atacado e, com efeito dominó, diferentes cadeias produtivas, que aproveitam o ferro e o aço. A percepção entre os economistas e analistas do setor de aço é que o mercado deve voltar a elevar as expectativas de inflação em 2010, depois de, por meio do boletim Focus, ter cessado o pessimismo que o contagiou por 18 semanas consecutivas. No entanto, para os analistas, a alta - na inflação e nas expectativas - deve se dissipar a partir do último trimestre.
No fim de março, a Vale anunciou aumento de até 114% nos preços do minério de ferro, numa alta média de 90% frente aos valores negociados em 2009. O Índice de Preços no Atacado (IPA), calculado pela Fundação Getulio Vargas (FGV), saltou, na passagem de abril para maio, de 0,72% para 1,49%, influenciado pela forte alta do minério de ferro, que passou de deflação de 1,06% em abril para 49,8% em maio, numa elevação superior a 50% em apenas 30 dias. A economista Tatiana Pinheiro, do Santander, calcula que a alta do ferro representou 69,2% de todo o aumento de preços registrado pelo IPA-industrial no mês passado.
O efeito dominó, que parte do minério de ferro e chega no bem de consumo final, como o automóvel e o eletrodoméstico, que utilizam o aço em sua produção, não é linear. Carlos Loureiro, presidente do Instituto Nacional dos Distribuidores de Aço (Inda), acha difícil as usinas de aço repassarem o preço do minério para seus clientes numa periodicidade trimestral, como querem as mineradoras, já que o ritmo de produção mundial das siderúrgicas está acima do consumo real. Segundo seus cálculos, as siderúrgicas produziram em abril 121,6 milhões de toneladas em todo mundo, que anualizadas indicam um ritmo de produção de 1,48 bilhão de toneladas de aço para 2010, quase 11% acima de 2008 e 2007, ano pico da produção mundial de aço.
A onda de alta que tomou conta dos preços do minério e do aço e vem contaminando a inflação está agora num vale de baixa. No caso do minério, o preço spot chinês, que baliza a fórmula de alta trimestral do produto, baixou de um patamar de US$ 180 para US$ 140, o que vai influir no preço a ser fixado para o último trimestre do ano. "No terceiro trimestre, o minério deve subir em torno de 30%, saltando de US$ 110 para uns US$ 140 a US$ 145, mas prevejo que deve recuar no último trimestre do ano." O preço médio do spot no período julho, agosto e setembro vai ser mais baixo. "Devemos ter no último trimestre uma queda no preço do ferro", avalia.
"As vendas de automóveis devem ter caído entre 10% a 15% em maio sobre abril", estima Fábio Ramos, analista da Quest Investimentos, para quem uma desaceleração do consumo de bens intensivos em aço, devido ao fim de incentivos fiscais concedidos pelo governo, deve exercer uma pressão de baixa sobre os preços. "Além disso", diz Ramos, "há sempre espaço para ampliar importação, caso o consumidor não aceite o produto nacional mais caro."
Como avaliam os economistas ouvidos pelo Valor, a alta no minério de ferro deve voltar a elevar as expectativas de IPCA. Até agora, avalia Tatiana, a deterioração das expectativas ocorria graças a elevação nas estimativas de crescimento econômico, puxado pela alta na demanda das famílias, que pressionaria preços. "O mercado vai voltar a elevar as expectativas de inflação para o fim de ano, agora levando em consideração essa alta considerável nos preços do minério de ferro", diz a economista.
Valor Econômico/João Villaverde e Vera Saavedra Durão, de São Paulo e do Rio
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