As grandes petroleiras sabiam há anos que investir apenas em óleo e gás não seria suficiente para garantir sua sobrevivência no longo (ou longuíssimo) prazo.
Eventualmente, governos pressionariam de forma contundente por uma matriz energética mais limpa, e o desenvolvimento tecnológico criaria outras soluções. Seria tudo uma questão de tempo.
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Ao que tudo indica, esse prazo está próximo.
Ainda há muita divergência sobre quando a transição energética ocorrerá de fato, mas a aceleração dos investimentos de petroleiras em energia renovável é um forte indicador do que as empresas têm como perspectiva.
“Chegamos a um momento crítico. Para a empresa continuar relevante, teremos de estar envolvidos nessa transição. O mundo caminhará para a eletrificação”, afirma Gabriela Oliveira, gerente de desenvolvimento de negócios em energia solar da Shell para a América Latina.
A companhia criou há cerca de dois anos sua linha de negócios focada em novas energias, que inclui investimentos em novos combustíveis e em energia elétrica —principalmente na aquisição e construção de usinas solares e eólicas.
O movimento feito pela Shell não foi isolado.
Em maio passado, a norueguesa Statoil tomou uma decisão radical e mudou seu nome para Equinor —tirando a referência a “óleo” de sua marca.
A companhia anunciou que até 2030 vai direcionar 20% de seus investimentos globais para energias renováveis.
A francesa Total também ampliou sua aposta no setor elétrico. Em 2016, a empresa criou a sua divisão de novos negócios voltados para fontes renováveis, eficiência energética e gás natural (considerada uma fonte fóssil de transição, por emitir menos carbono que as demais).
A meta da empresa é que, dentro de 20 anos, as energias de baixo carbono representem 20% de seu portfólio.
O Brasil tem sido alvo de grande parte desses investimentos das companhias petroleiras, principalmente por seu potencial natural.
No caso da Shell, por exemplo, o Brasil está entre os cinco países escolhidos para receber a maior parte dos investimentos em novas energias —a companhia investirá mundialmente ao menos US$ 2 bilhões (cerca de R$ 7,7 bilhões) por ano.
Uma das apostas no mercado brasileiro é a descentralização do consumo de energia elétrica, principalmente com a expansão do mercado livre de energia (em que consumidores contratam diretamente do gerador, e não da distribuidora local).
Hoje, esse mercado é restrito a grandes consumidores, como indústrias e shoppings centers, mas já há planos para expandir o acesso até mesmo ao consumidor final.
“O setor de energia elétrica tem uma dinâmica de risco-retorno bem diferente do negócio de óleo e gás. Então, para ter o retorno, é importante atuar de forma integrada na cadeia: desde o desenvolvimento dos projetos de geração até o provimento de energia diretamente ao consumidor”, diz Oliveira.
No caso da Petrobras, as investidas na área de renováveis foram feitas principalmente por meio de parcerias com estrangeiros. A estatal têm acordos com a Total e a Equinor para projetos nesse setor.
No fim de 2018, a empresa incluiu pela primeira vez em seu plano de negócios investimentos em energias renováveis com foco em solar e eólica (serão US$ 400 milhões, cerca de R$ 1,5 bilhão, até 2023).
No entanto, declarações recentes do novo presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, colocam em dúvida a disposição da estatal em fazer essa transição, segundo um analista do setor.
“Nada indica que nós tenhamos as mesmas vantagens no negócio de energia solar, energia eólica. Então é um assunto que é objeto de pesquisa, e é uma perspectiva de longo prazo”, disse Castello Branco, em uma entrevista em março deste ano.
Questionada sobre sua atuação no setor, a Petrobras afirmou, por meio de nota, que “a companhia desenvolve linhas de pesquisa nesse campo com foco em longo prazo, principalmente para energias solar e eólica.”
Fonte: Folha SP