A assembleia da Petrobras que aprovou ontem as demonstrações financeiras de 2014 foi marcada por questionamentos dos acionistas sobre a decisão de não distribuir dividendos aos preferencialistas, o eventual direito de voto dessa classe de ações e a legalidade do pagamento de participação nos lucros e resultados aos empregados, apurou o Valor. A demora da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) ao divulgar sua resposta ao pedido de interrupção do curso do prazo da assembleia, feito pelas gestoras Ibiúna e HBK, prejudicou o debate entre os acionistas presentes, de acordo com pessoas que acompanharam a assembleia.
A mesa da assembleia foi, mais uma vez, presidida pelo advogado Francisco da Costa e Silva, que já foi presidente da CVM, em um sinal de que a empresa esperava, mais uma, vez várias discussões jurídicas. Quando surgiram os questionamentos dos acionistas sobre os dividendos e o eventual direito de voto das preferenciais, a mesa respondeu aos minoritários que as decisões da Petrobras haviam sido amparadas pela CVM.
Nos dias 13 e 14 de maio, as gestoras Ibiúna e HBK pediram à autarquia que se manifestasse sobre o assunto. O colegiado da CVM avaliou as questões na sexta-feira, mas a decisão só foi publicada no site da autarquia cerca de duas horas antes da assembleia. Diante do exíguo tempo, a maioria dos acionistas presentes não tinha conhecimento da avaliação da CVM.
O colegiado indeferiu o pedido de adiamento da assembleia porque "não detectou, de plano" irregularidade na decisão de não pagar dividendos. Petrobras e a área técnica da CVM entenderam que, na ausência de lucros, os dividendos não deveriam ser distribuídos e que a existência de reserva de lucros, apenas contábeis, também não obrigam o pagamento.
Com relação ao direito de voto das preferenciais, diferentemente do que foi informado durante a assembleia pela mesa, não houve um posicionamento da CVM sobre o assunto. O colegiado avaliou que não caberia à CVM decidir sobre a eventual aquisição de direito de voto pelos preferencialistas tendo em vista que o pedido de interrupção do prazo da assembleia "não é o instrumento adequado para discutir matérias que, além de não guardarem relação com as propostas submetidas à assembleia, são dotadas de singular complexidade incompatível com o rito estabelecido para a interrupção".
A avaliação transmitida aos acionistas durante a assembleia foi apenas a da Superintendência de Relações com Empresas (SEP), que não representa a palavra final da CVM sobre o assunto, que é a do colegiado. A área técnica baseou-se na Lei 9.478, de 1997, conhecida como Lei do Petróleo, que diz que as ações preferenciais da Petrobras nunca poderão ter direito a voto. Mas a SEP também ilustrou o aparente conflito entre a Lei do Petróleo e a o artigo 111 da Lei das Sociedades por Ações, que diz que no silêncio do estatuto social, a aquisição do direito a voto pelos preferencialistas na ausência dos dividendos é imediata. Segundo a SEP, as ações preferenciais da Petrobras não poderiam adquirir o direito de voto sem a intervenção do legislador. Mas a área técnica reconhece que essa "não é uma conclusão imediatamente óbvia para os acionistas" e se a Petrobras avalia ser a melhor interpretação sobre os direitos das suas preferenciais "deveria deixar isso claro no seu formulário de referência".
Diante do prazo muito apertado para tomar conhecimento da decisão da CVM, os acionistas não tiveram como argumentar durante a assembleia. Se houver qualquer questionamento em relação ao entendimento da mesa, apurou o Valor, também a mesa pode afirmar que teve muito pouco tempo para ler o posicionamento da CVM - os documentos com a avaliação da SEP e o posicionamento final do colegiado são, inclusive, divulgados em arquivos separados.
Alguns acionistas afirmaram que a elaboração de protestos para serem encaminhados e anexados à ata foi prejudicada pela ausência de decisão, em tempo hábil, da CVM. "A demora é inadequada, pois a função da CVM é esclarecer os acionistas sobre o marco regulatório", diz um deles. Em casos recentes sobre pedidos de interrupção de assembleia, a autarquia se manifestou pelo menos na véspera das reuniões. A CVM afirma que não houve assimetria na divulgação da ata da reunião do colegiado "pois a mesma foi disponibilizada, ao mesmo tempo, para todos os públicos, por meio do site". Ressaltou que as atas são publicadas após análises e aprovações de todos os membros de seu colegiado.
Alguns acionistas estudam ir à Justiça para questionar as decisões da assembleia sobre dividendos, o direito a voto dos preferencialistas e os resultados, em particular por conta dos efeitos da operação Lava Jato. A gestora de recursos Tempo questionou o pagamento de participação nos resultados aos funcionários, mesmo com o "annus horribilis" da Petrobras em 2014. "Resta pouco crível que tenha sido estabelecida metas adequadas para o PLR da companhia". Novamente, a empresa disse que o pagamento ocorrerá por conta de acordo coletivo, que teve metas cumpridas.
Fonte: Valor Econômico
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