A Petrobras, sob o comando de Roberto Castello Branco, planeja investir em fontes renováveis de energia apenas em caráter de pesquisa. Concentrada em reduzir sua alavancagem financeira, a companhia não vislumbra investimentos em projetos de fontes limpas do ponto de vista comercial. A estratégia da estatal vai na contramão de outras gigantes petroleiras, principalmente europeias, que visam diversificar seu portfólio, em busca de uma matriz mais limpa, reduzindo sua pegada de carbono.
Enquanto a norueguesa Equinor, a francesa Total, a anglo-holandesa Shell e a britânica BP já encaram há algum tempo a energia limpa como um modelo de negócio, a Petrobras entende que investir em renováveis atualmente gera benefícios de marketing, porém sem retorno financeiro adequado.
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"Estamos investindo em pesquisa apenas. Não vamos investir em operações que requerem competências diferentes do negócio de petróleo e gás. Primeiro, se formos entrar nesse jogo, nós temos que entrar para ganhar. E não entrar açodadamente só porque os outros estão fazendo. É proibido perder dinheiro" afirmou Castello Branco, durante a última coletiva de resultado trimestral da empresa, em agosto.
"Existe muito marketing e na realidade poucas ações de fato. Tem gente que anuncia que é comprometido com energias melhores. Se nós formos ver, as companhias europeias, que são as principais com foco no negócio de energias renováveis, a projeção da participação das energias renováveis em suas receitas em 2030, daqui a 11 anos é de 1%. No máximo, é 1,5%. Então, na prática, não é tudo isso", completou o executivo.
Em um ponto, o presidente da Petrobras tem razão: a participação das renováveis ainda é residual no faturamento das petroleiras globais. O avanço relativamente pequeno das "majors" para uma indústria mais renovável já está sendo punido pelo mercado.
Na última semana, o fundo MP Pension, da Dinamarca, anunciou que venderá suas participações acionárias em dez grandes petroleiras, entre elas a Petrobras. A alienação, no valor total de € 86 milhões, é baseada na avaliação do fundo dedicado à aposentadoria de professores e pesquisadores do país escandinavo de que os modelos de negócio de longo prazo dessas companhias são incompatíveis com as metas do Acordo de Paris. O documento estabelece o compromisso de manter o aumento da temperatura média global em menos de 2ºC acima dos níveis pré-industriais e de envidar esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5°C acima desses níveis.
Além da Petrobras, Shell, Total, BP e Equinor, o MP Pension retirou de sua carteira ações das norte-americanas ExxonMobil e Chevron, das chinesas PetroChina e Sinopec e da russa Rosneft
O fundo dinamarquês, porém, fez uma avaliação dos planos de transição energética das principais petroleiras e concluiu que quatro delas (BP, Shell, Total e Equinor) estão adotando medidas para fazer a transição para uma economia de baixo carbono. A Petrobras ficou no outro grupo de empresas, que, segundo o MP Pension, possuem iniciativas muito limitadas ou inexistentes para fazer essa transição.
Tudo indica que a Petrobras permanecerá nesse grupo por um bom tempo. "Neste momento, a companhia está voltada para reduzir seu nível de desalavancagem, por meio de uma gestão ativa de portfólio [desinvestimentos] a fim de focar nos ativos da Petrobras que geram maior valor", disse a estatal, ao Valor. "A atuação em renováveis no curto prazo se dará em descarbonização, projetos de P&D [pesquisa e desenvolvimento] e oportunidades que não impactem o plano de desalavancagem."
A postura da Petrobras diverge da estratégia de suas concorrentes.
A Equinor, por exemplo, inaugurou no fim de 2018 seu primeiro projeto de geração solar no mundo, em Quixeré, no Ceará, com 162 megawatts (MW) de capacidade. O parque foi feito em parceria com a Scatec Solar, da qual a própria Equinor adquiriu fatia de 10%.
A meta da norueguesa é que, até 2030, cerca de 15% a 20% do investimento global anual do grupo sejam destinados a fontes renováveis de energia. Referência entre as petroleiras no segmento de geração eólica offshore (marítimo), a Equinor já investiu em projetos de fontes renováveis que somam 1,3 gigawatts (GW).
A Total, por sua vez, está bem posicionada no setor de energia solar. Com cerca de 55% de participação, a companhia é acionista majoritária da SunPower, fabricante americana de células e painéis fotovoltaicos. A empresa também possui ativos de geração de energias renováveis por meio de suas subsidiárias Quadran, Total Eren e Total Solar.
A estratégia da Total é ser um importante "player" no mercado de energia elétrica, devido ao crescimento esperado para a demanda por eletricidade no mundo nas próximas décadas. Para atender esse plano, a gigante francesa pretende investir entre US$ 1,5 bilhão e US$ 2 bilhões por ano na área de energia, incluindo termeletricidade a gás natural. A meta da empresa é alcançar 10 GW de projetos de baixa emissão de gás carbônico até 2023, incluindo essas térmicas.
Já a Shell definiu como meta reduzir sua pegada de carbono para 2021 em 2% a 3% em relação ao dado de 2016. A remuneração dos executivos do grupo está vinculada à meta. No longo prazo, a companhia pretende reduzir a pegada de carbono em cerca de 20%, até 2035, e em cerca de 50%, até 2050.
Na linha da redução das emissões, a BP diminuiu em 3,4% as emissões de gás carbônico em suas operações em 2018, ante o ano anterior. Nas renováveis, o foco da britânica são biocombustíveis, bioenergia, eólica e solar. A empresa possui 43% de participação na Lightsource BP, do setor de energia solar, que planeja investir US$ 200 milhões nos próximos três anos.
No segmento de etanol de cana-de-açúcar, o grupo possui três plantas no Brasil que produziram 765 milhões de litros em 2018.
Ao Valor, a Petrobras informou que, desde 2006, investiu mais de US$ 115 milhões em programas tecnológicos visando as melhores práticas de gestão de gás carbônico. Como resultado, desde 2008, já foram reinjetados 9,8 milhões de toneladas de CO2 dos campos de pré-sal na Bacia de Santos.
Ela também disse ter evitado a emissão de mais de 120 milhões de toneladas de CO2, entre 2009-2018, o equivalente a dois anos de emissões totais da petroleira. E acrescentou que está desenvolvendo projetos de P&D em baixo carbono que movimentam cerca de US$ 350 milhões no horizonte do plano de negócios 2019-2023.
A Petrobras tem um parque gerador de energia de 6,4 GW, equivalente a 3% de toda a demanda do país. Desse total, somente 1% é composto por fontes renováveis. O restante é preenchido por térmicas a gás e óleo combustível.
Fonte: Valor