Ao mesmo tempo em que promete lançar ao mar 13 novas plataformas até 2023, a Petrobras se prepara para começar a enxugar a sua frota. A companhia pretende aposentar uma série de plataformas antigas a partir deste ano. O plano, contudo, se dá em meio a lacunas nas regras ambientais, em um momento sensível para a indústria extrativa, no Brasil, depois da tragédia envolvendo os planos de desativação da barragem da Vale em Brumadinho (MG).
Segundo a Agência Nacional de Petróleo (ANP), 41% das plataformas que operavam no Brasil em 2018 tinham 25 anos ou mais de operação. São mais de 60 unidades com esse perfil. Só a Petrobras tem planos para desmobilizar oito unidades até 2021, sobretudo no sul da Bacia de Campos.
PUBLICIDADE
O descomissionamento é uma atividade nova no Brasil e envolve ativos em águas profundas, ambiente por si só desafiador. Mas mesmo em águas rasas o assunto possui complexidades. Um exemplo está no coral-sol, espécie bioinvasora que se espalhou pela costa brasileira nos anos 1980, em locais com grande movimentação de plataformas. A preocupação é que o coral-sol incrustado nas instalações marítimas seja carregado para a superfície na desmobilização das unidades. Existe também uma preocupação financeira, porque a desativação exige investimentos no final da curva de geração de caixa dos empreendimentos.
Com 169 mortes confirmadas, o rompimento da barragem I da Vale na Mina Córrego do Feijão levantou um debate sobre o tamanho da fragilidade da cultura da segurança, no país, sobretudo em ativos em fase final de vida útil. Ocorrida em barragem em descomissionamento, a tragédia pôs em xeque o setor de mineração, mas deixa lições para o óleo e gás.
"A lição de Brumadinho é que não dá para se relaxar [com aspectos de segurança]. É importante que os órgãos de fiscalização deem atenção a esse processo. O campo em desativação deixa muitas vezes de ser uma prioridade para as companhias e é preciso que a questão da segurança seja priorizada", comenta o professor do Grupo de Economia da Energia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (GEE/UFRJ), Edmar Almeida.
A ANP e o Ibama estão debruçados na revisão das regras sobre o assunto. Para Almeida, a regulação atual define os procedimentos gerais para a desativação das instalações, mas existem lacunas. Segundo ele, falta definir as melhores práticas internacionais e fixar critérios técnicos, econômicos, de segurança e socioambientais para definição da melhor opção de descomissionamento. Hoje, cabe à empresa propor suas estratégias - que vão desde retirar as instalações por completo até mesmo tombar os maquinários, deixando-os no fundo do oceano.
A Petrobras esclareceu que segue todos os regulamentos "visando manter a integridade das unidades, independente da idade". Sobre os riscos associados ao descomissionamento, a empresa disse que os riscos são "devidamente avaliados nas etapas de planejamento" e "controlados e reavaliados constantemente até a conclusão das atividades". "A Petrobras atende aos requisitos legais e prioriza a integridade dos ativos e segurança nas operações em todas as etapas do ciclo de vida dos empreendimentos, inclusive na fase de descomissionamento", informou.
Ao comparar petroleiras e mineradoras, o sócio do escritório Schmidt Valois, Paulo Valois, acredita que a gestão de riscos na indústria de óleo e gás é mais madura, depois das muitas exposições negativas das últimas décadas envolvendo, por exemplo, a explosão da P-36, da Petrobras, que matou onze pessoas em 2001; e o vazamento do campo de Frade, operado pela Chevron na Bacia de Campos, em 2011, que desencadeou o Plano Nacional de Contingência, em resposta a vazamentos. "É um cenário completamente diferente da mineração. O problema da Vale ocorreu numa barragem, tipo de empreendimento que não existe no petróleo", ressalva.
Já a especialista em direito ambiental, Fabiana Figueiredo, sócia da Carvalho, Machado e Timm Advogados, vê em Brumadinho uma demonstração da fragilidade da cultura de compliance ambiental no Brasil. "Nos últimos anos tivemos mudanças no compliance de integridade, em resposta aos escândalos de corrupção, mas falta uma cultura de compliance ambiental", disse.
Dados da ANP e do Fórum Internacional de Reguladores de Segurança Offshore (IRF, na sigla em inglês) mostram que o Brasil possui índices de acidentes acima dos países de referência (Reino Unido, EUA, e Noruega). Ao menos 15 mortes offshore foram reportadas nos últimos quatro anos, com destaque para as explosões da plataforma São Mateus (2015), operada pela BW para a Petrobras, com nove mortos; e da sonda Norbe VIII (2017), operada pela Odebrecht Óleo e Gás, com três fatalidades.
A ANP esclareceu que atua em três grandes frentes regulatórias, relativas à segurança operacional, sendo a primeira delas a fiscalização (a agência fiscaliza cada instalação a cada dois anos). O tripé é formado, ainda, pelo debate permanente com o mercado, e pelo desenvolvimento de um arcabouço regulatório com foco em sistemas de gestão que incentivam a "melhoria contínua e ao desenvolvimento de boas práticas".
Para o coordenador-geral do Sindipetro Norte Fluminense, Tezeu Bezerra, o descomissionamento é um agravante para um quadro já preocupante. Segundo ele, a redução do efetivo embarcado e o corte de custos preocupam. "Quando se coloca ativos à venda, eles saem da prioridade de investimentos. O descomissionamento é uma preocupação a mais, porque vai acontecer principalmente em ativos que estão sendo vendidos para empresas menores", disse.
Fonte: Valor