A obrigação da contratação de 6 gigawatts (GW) em térmicas a gás natural, incluída no texto da MP da privatização da Eletrobras aprovado na Câmara, na semana passada, foi mal recebida pelas petroleiras que atuam no pré-sal. Empresas como Shell, Equinor e Repsol Sinopec veem na geração de energia uma alternativa de monetização de suas reservas de gás no Brasil, mas criticam a proposta que orienta a instalação das usinas, obrigatoriamente, nas regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste.
O texto aprovado conta com o apoio das distribuidoras de gás natural, que, por sua vez, consideram a medida como uma forma de viabilizar a interiorização da rede de gasodutos do país, hoje essencialmente concentrada no litoral brasileiro.
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MP da privatização da Eletrobras define que usinas devem estar nas regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste
Para a conselheira de cadeias de valor da Equinor no Brasil, Cláudia Brun, contudo, o texto aprovado na Câmara e encaminhado ao Senado não cumprirá com o objetivo de estimular o aumento da oferta de gás nacional. Segundo ela, dados os altos custos de escoamento do gás do pré-sal, projetos de geração a gás são economicamente mais viáveis próximos à costa do Sudeste. Os produtores temem que o gás do pré-sal perca competitividade para outras fontes, como o gás natural liquefeito (GNL) importado, em projetos termelétricos distantes da costa.
“Criar uma reserva de mercado através de uma MP só agrega maior incerteza sobre o aproveitamento do gás do pré-sal. E, acreditem, já temos uma coleção de incertezas. Muito provavelmente esses 6 GW [de capacidade térmica a contratar] vão conseguir deslocar projetos mais eficientes do ponto de vista da cadeia de gás e promover a canibalização de uma demanda que é bastante importante para a indústria de gás”, afirmou Cláudia Brun, ontem, em evento on-line promovido pelo site epbr.
O gerente de comercialização de gás da Repsol Sinopec, Andrés Sannazzaro, afirmou que o texto da MP está desalinhado com as “premissas de competência e competitividade” que deveriam imperar na contratação das térmicas.
Já o diretor de Novas Energias da Shell Brasil, Guilherme Perdigão, destacou que a construção de usinas para operar na base é importante para garantir a segurança do sistema elétrico brasileiro, mas que a restrição locacional da contratação das usinas fere a isonomia de competitividade do setor. “O projeto competitivo de térmica a gás está onde o gás chega [na costa]”, afirmou, no mesmo evento.
A proposta aprovada na Câmara encontra a resistência também dos consumidores. A Associação dos Grandes Consumidores de Energia e de Consumidores Livres (Abrace) alega que a contratação de termelétricas em quantidades e locais já definidos, sem suporte e estudo técnico, pode resultar no aumento de custo a todos os consumidores em R$ 20 bilhões por ano.
O temor é que essas usinas, sobretudo aquelas eventualmente instaladas longe das atuais redes de gasodutos, sejam negociadas a preços altos em relação aos concorrentes, como as renováveis, encarecendo a conta da energia.
Para a Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás) a proposta pode ajudar a baratear, e não encarecer, os custos de energia no país. O diretor de estratégia e mercado da entidade, Marcelo Mendonça, afirma que a contratação de térmicas a gás, para operação na base, ajudará a substituir o uso das usinas a óleo diesel e óleo combustível que hoje despacham em situações de emergência, a custos muito mais elevados que as térmicas a gás.
A Abegás foi a principal defensora da inclusão do tema na MP da capitalização da Eletrobras. Anteriormente, as distribuidoras tentaram, sem sucesso, emplacar a contratação de usinas a gás nas discussões da Lei do Gás, mas foram praticamente uma voz isolada entre os demais agentes do setor.
“A energia mais cara é a energia que não temos. Ao longo das últimas décadas, o Brasil tem apostado todas as fichas no fato de que as chuvas sempre acontecerão no tempo e locais certos. Acho que estamos atrelados a conceitos antigos, a um sistema que hoje não corresponde à realidade. A recuperação dos reservatórios já não acontece como no passado. Já sabemos que vamos precisar de térmicas [para complementar as renováveis]: falta definir se vamos contratar térmicas de custo mais alto, a diesel, ou novas térmicas a gás”, argumentou Mendonça, em referência ao atual momento crítico dos reservatórios das hidrelétricas, em entrevista ao Valor.
Mendonça também defende que, ao prever a entrega de uma nova capacidade de geração a gás a partir de 2026, a MP “dá um sinal econômico interessante aos investidores”, para que eles viabilizem, em cinco anos, a expansão da infraestrutura de gás necessária para aumentar a oferta nacional.
Fonte: Valor