O ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes Freitas, já bateu o martelo e promete não voltar atrás: a estatal de ferrovias Valec vai mesmo fechar as portas. Sua diretoria será destituída e um liquidante será nomeado para tocar o processo de extinção da empresa. Cerca de 800 empregados terão seus vínculos trabalhistas rescindidos. Ações judiciais migrarão para o escopo da Advocacia-Geral da União (AGU), contratos ainda vigentes com empreiteiras e prestadores de serviços passarão para o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e a participação acionária de 41% no capital da Ferrovia Transnordestina será transferida ao Tesouro Nacional.
Com a liquidação da Valec, o ministro prevê uma economia anual em torno de R$ 500 milhões, que é o gasto de custeio da empresa. Ele descarta a abertura de um plano de demissões voluntárias para seus empregados, que devem resistir. "Não há sequer como realocá-los em outro lugar, por causa da incompatibilidade de regimes jurídicos", disse Freitas ao Valor. Questionado sobre números que têm sido difundidos por funcionários da Valec para justificar sua continuidade, rebate: "Tinham que ter demonstrado isso ao longo da existência da empresa. Agora não adianta".
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O pontapé inicial para a extinção da estatal será dado na próxima reunião do conselho de ministros do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), na primeira quinzena de março, sob comando do próprio presidente Jair Bolsonaro. Além da entrada da Valec no Plano Nacional de Desestatização (PND), primeiro passo legal para que ela desapareça, o Ministério da Infraestrutura vai pedir aval para novas concessões de rodovias federais e de portos.
Freitas pretende obter sinal verde do PPI ao leilão de quatro terminais portuários em Itaqui (MA) e ao início de estudos para a relicitação do terminal do grupo Libra em Santos, um dos maiores do país na movimentação de contêineres, que foi objeto de arbitragem com resultado favorável à Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp). O contrato da Libra em Santos expira em 2020.
Na área de rodovias, o ministro levará ao conselho do PPI um redesenho das relicitações de contratos que vencem em 2021 - as ligações Rio-São Paulo (hoje Nova Dutra), Rio-Teresópolis (CRT) e Rio-Juiz de Fora (Concer).
O governo do ex-presidente Michel Temer decidiu não renovar essas concessões. A Empresa de Planejamento e Logística (EPL) foi acionada, junto com um braço do Banco Mundial, para tocar os estudos da relicitação. Eles estão praticamente concluídos e agora cabe aprovar a continuidade do processo: audiências públicas, envio da documentação técnica ao Tribunal de Contas da União (TCU) e preparativos dos leilões.
No novo contrato, a rodovia Presidente Dutra será agregada à Rio-Santos, conforme foi pedido pelo governador de São Paulo, João Doria (PSDB). O Arco Metropolitano do Rio, uma das grandes obras públicas do famigerado Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), será privatizado e ficará no mesmo pacote da BR-116 hoje nas mãos da CRT.
Esse contrato ganharia ainda parte de outro trecho da BR-116, que vai de Governador Valadares a Além Paraíba, na divisa de Minas Gerais com o Rio. É um trecho que já foi objeto de estudos para concessão em outras ocasiões e nunca conseguiu ser viabilizado.
O principal anúncio do PPI, no entanto, deve ficar por conta do início do processo de extinção da Valec. Pretende-se nomear um liquidante forte, para "não sabonetear" com o processo, e começar rapidamente a elaboração do inventário da estatal. O desenvolvimento de estudos de engenharia, como um possível prolongamento da Ferrovia Norte-Sul, poderá ser feito pelo Dnit. Antecipando-se à crítica de que a autarquia não dispõe de quadros tão especializados como os da Valec, Freitas observa: "Fica mais barato contratar uma boa consultoria externa para subsidiar essas ações do que manter a empresa".
O ministro também quer dar por encerrados os processos de extinção da Companhia Docas do Maranhão (Codomar) e da Rede Ferroviária Federal (RFFSA), que se prolongam há vários governos. A liquidação final da RFFSA deve ocorrer no primeiro semestre e liberar para venda imóveis com alto valor de mercado, como um edifício da antiga empresa na Avenida Presidente Vargas, no Rio de Janeiro. "Vou passar os imóveis para o Salim [Mattar] vender", diz Freitas, referindo-se ao secretário especial de Desestatização e Desinvestimento. "E ele vai ficar feliz da vida."
Para agilizar o processo da Valec, o governo se valerá do decreto presidencial 9.589, que foi editado em novembro do ano passado e promete mais rapidez nos trâmites. Uma das principais mudanças definidas do decreto é que a responsabilidade pela liquidação de estatais passa do ministério setorial para a secretaria de Mattar, no Ministério da Economia, em tese menos suscetível aos interesses da máquina pública para frear os procedimentos.
O decreto prevê também que o liquidante da companhia pode ganhar remuneração fixa (70%) e outra variável (30%), que seria desembolsada apenas em caso do cumprimento de etapas e prazos para a liquidação, funcionando como um incentivo aos trabalhos. Quando uma companhia está em extinção, além do liquidante, somente o conselho fiscal continua existindo para monitorar seus trabalhos. As ações judiciais e extrajudiciais migram do âmbito do liquidante para a AGU. Dessa forma, a perspectiva é que a existência de passivos na Justiça deixe de ser um impeditivo para a dissolução da estatal.
Fonte: Valor