O presidente do Senado, Renan Calheiros, deve desencadear nesta semana os procedimentos necessários para a instalação e tramitação da CPI da Petrobras. O primeiro rito a ser cumprido é o da leitura do requerimento no plenário. Inicia-se, então, um longo processo de disputa política que pode, inclusive, ao fim e ao cabo, terminar sem CPI alguma. Não é o desejável.
O importante, neste momento, é que a CPI faça uma investigação rigorosa dos negócios duvidosos da empresa. Uma investigação isenta e transparente que leve à revitalização da estatal, que é o maior ativo brasileiro. É preciso preservar a Petrobras, sem, entretanto, condescender com práticas condenáveis ou compactuar com o malfeito em sua gestão.
Trata-se de empreitada difícil, sobretudo quando se considera a sobreposição do calendário eleitoral com o prazo de 180 dias para a conclusão dos trabalhos. Esse é o risco a ser evitado pelos senadores - e deputados, se as negociações em curso levarem à criação de uma comissão mista de inquérito, o que ainda não pode ser descartado.
Todo cuidado é pouco.
A proposta, assinada por 28 senadores, requer a criação de CPI com a finalidade de investigar pelo menos quatro irregularidades que teriam sido cometidas por dirigentes da Petrobras. A primeira delas é um fato determinado, como exige a Constituição para a criação de comissões parlamentares de inquérito: o processo de aquisição de uma refinaria em Pasadena, no Texas (EUA). Segundo os autores do requerimento, a Petrobras pagou US$ 1,18 bilhão, em duas etapas, "para comprar uma refinaria que custou US$ 42,5 milhões" aos antigos donos.
Discutir se o que a Petrobras pagou estava dentro ou fora das condições do mercado de refino de petróleo, em 2006, já é uma agenda extensa e técnica para consumir um bom tempo da CPI.
A definição de "fato determinado" começa a ficar um tanto mais frouxa a partir do segundo item, que fala de "indícios de pagamento de propina a funcionários da estatal" por uma companhia holandesa. O terceiro é ainda mais vago: "denúncias de que plataformas estariam sendo lançadas ao mar faltando uma série de componentes primordiais à segurança do equipamento e dos trabalhadores". O último item refere-se a "indícios de superfaturamento na construção de refinarias".
O uso do plural é deliberado e permite que a CPI mude de curso em pleno voo, ao sabor da correlação de forças políticas de ocasião. Na justificativa da CPI, seus autores afirmam, sem rodeios: "Dada a complexidade dos fatos, novos indícios poderão ser adicionados ao processo à medida que a comissão desenvolva os seus trabalhos".
A dispersão costuma ser inimiga das CPIs. Geralmente só interessa a quem aproveita abafar as investigações. Não é por acaso que os representantes do governo no Congresso falam em incluir, entre os objetivos da comissão, a apuração de denúncias de irregularidades que envolveriam governos da oposição, caso do metrô de São Paulo. Mas o que situação e oposição devem ter em mente é a integridade de um dos mais caros símbolos brasileiros, a Petrobras, cuja situação atual, resultado de uma política governamental equivocada, é de debilidade.
Uma investigação sem foco, dispersiva e eleitoreira pode ser definitivamente tóxica para a empresa. A jornalista Angela Bittencourt, em análise publicada na última quarta-feira no Valor PRO, o serviço de informações em tempo real do Valor, mostra uma das facetas da questão: a Petrobras possui 14 mil fornecedores diretos de suprimentos para sua cadeia de produção, com acesso ao mercado de capitais, viabilizado pela própria companhia, por meio de fundos estruturados que asseguram a antecipação de recebíveis contratuais a esses fornecedores. "Os fundos obtêm recursos a partir da emissão de cotas de participação, que são compradas por investidores", entre os quais, se encontram fundos de pensão, seguradoras, gestores de recursos e outros segmentos do mercado de capitais.
Em resumo: quando se fala em Petrobras, a referência não é unicamente ao petróleo. As repercussões chegam até o mercado financeiro. O desmonte da estatal não interessa a ninguém e seria ruinoso para a autoestima nacional. Mas é necessária a investigação com foco e transparência que leve à criação de mecanismos capazes de impedir que a empresa caia nas garras de gestores inidôneos.
Fonte: Valor Econômico
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