A Arábia Saudita pretende desenvolver atividades internacionais de produção e exploração de fontes de energia pela primeira vez em sua história, aumentando a aposta na área de petróleo e gás mesmo enquanto busca depender menos dos hidrocarbonetos.
Khalid al Falih, ministro da Energia e presidente do conselho de administração da petrolífera estatal Saudi Aramco, disse ao "Financial Times" que a expansão no exterior vai ser uma parte crucial do futuro da empresa. "Não vamos mais olhar só para dentro e ter foco em apenas monetizar os recursos do reino", disse Falih. "No futuro, o mundo vai ser uma área de atuação da Saudi Aramco."
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Embora a Saudi Aramco seja a maior produtora de petróleo do mundo, nunca se aventurou de forma expressiva no exterior para extrair recursos, sempre dependendo das reservas domésticas. Perguntado se a empresa pretende se tornar um nome internacional, como a Royal Dutch Shell ou a Exxon Mobil, e extrair petróleo e gás no exterior, Falih foi direto na resposta: "Correto".
Apesar das reformas ambiciosas incentivadas pelo príncipe-herdeiro Mohammed bin Salman, para fazer o país largar o que ele chamou de seu "perigoso vício em petróleo", Falih preparou planos para que a Arábia Saudita invista mais no setor que tem sustentado sua economia tradicional.
A iniciativa coloca em evidência como a Arábia Saudita deverá continuar dependente em relação a sua grande força, a área de petróleo e gás, para elevar receitas, uma vez que encontra dificuldades para diversificar-se em novos setores, como os de tecnologia, turismo, assistência médica e mineração.
Falih disse que o setor de petróleo e gás, que domina sua economia há décadas, em última medida ainda vai representar pelo menos 40% a 50% da receita do país, mesmo se as ambiciosas reformas se concretizarem.
Embora o país tenha investido no exterior em refinarias e no setor petroquímico, as declarações de Falih são o sinal mais claro até agora das ambições sauditas de desenvolver projetos de extração de petróleo e gás no exterior, uma investida que poderia levá-la a concorrer contra rivais internacionais.
O ministro indicou que inicialmente os esforços terão foco na criação de operações "internacionais de gás". Muitos grandes nomes da energia mundial investem cada vez mais na área de gás, uma vez que o crescimento da demanda pela fonte vem sendo maior do que no caso do petróleo.
Embora seja a maior produtora do mundo, petroleira nunca se aventurou de forma expressiva fora do país
A Arábia Saudita tem estudado investimentos no setor de gás natural liquefeito (GNL) na Rússia e negocia comprar instalações de exportação nos Estados Unidos. Falih, porém, também mencionou a Austrália como possível destino dos investimentos.
"Podemos ficar cabeça a cabeça com qualquer um e superá-los", disse Falih, comparando favoravelmente a capacidade de produção e exploração da Saudi Aramco em relação aos rivais internacionais.
Mais recentemente, a Saudi Aramco chamou a atenção da comunidade financeira internacional quando o príncipe Mohammed revelou planos para abrir o capital da petrolífera estatal por meio do lançamento de ações no mercado.
Fontes a par dos planos disseram que a iniciativa foi adiada indefinidamente. Falih, contudo, foi categórico quanto aos planos de expansão, dizendo que a iniciativa reflete a necessidade de satisfazer possíveis investidores externos.
"Seu eu tiver investidores de Nova York ou Londres ou Tóquio que estão investindo na Saudi Aramco, eles vão querer que a Saudi Aramco esteja competindo com as melhores petrolíferas internacionais do mundo", disse.
Houve vários obstáculos para abertura de capital, que teria sido a maior oferta pública inicial de ações do mundo, como a percepção de que a operação não avaliaria a empresa em US$ 2 trilhões como o príncipe Mohammed desejava, além de preocupações com questões de regulamentação e com a exposição jurídica que a Saudi Aramco passaria a ter.
O poderoso fundo soberano do país deveria ser o principal destino dos US$ 100 bilhões que o país pretendia levantar com a oferta inicial. Sem a operação, a Saudi Aramco foi instruída a comprar a participação de 70% que o fundo tinha na empresa petroquímica saudita Sabic. A Saudi Aramco vai emitir um bônus para pagar parte da transação com a Sabic, de US$ 70 bilhões, e vai dar início em breve a uma série de reuniões para investidores em cidades pelo mundo com o objetivo de promover o lançamento dos papéis, segundo informou Falih.
Produção será reduzida para 9,8 milhões de barris por dia em março, contra 11 milhões de barris em novembro
A venda da participação permite ao fundo soberano saudita de investimentos públicos (PIF, na sigla em inglês) levantar dinheiro com rapidez em um momento no qual as transferências que recebe Ministério das Finanças vem encolhendo. A economia saudita vem cambaleando desde a onda de queda dos preços do petróleo em 2014, que trouxe vários anos de medidas de austeridade no país.
Enquanto o reino lidava com a desaceleração, a morte do jornalista Jamal Khashoggi em 2018 desencadeou sua maior crise diplomática com o Ocidente desde os atentados de 11 de setembro de 2001 contra os EUA.
"Obviamente há uma espécie de nuvem que foi criada por esse incidente trágico e infeliz", disse Falih. "[Mas] ninguém está se afastando [...] Refuto essa crença de que as pessoas estejam evitando investir na Arábia Saudita."
Apesar dos comentários, há sinais de que autoridades sauditas estão preocupadas com a capacidade do país para atrair capital e conhecimento estrangeiros para impulsionar as reformas.
O país depara-se com outros problemas de mais curto prazo, como sua relação com os EUA, os aliado mais antigo e importante dos sauditas. O presidente americano Donald Trump apoiou a Arábia Saudita durante o caso Khashoggi, mas há muito tempo nutre animosidade em relação à Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), liderada pelos sauditas.
Projetos de lei que tornariam possível para o governo dos EUA processar países da Opep por manipular os preços do petróleo estão em discussão no Congresso americano e acredita-se que as chances de aprovação sejam as maiores até agora.
Falih disse acreditar que os EUA vão "fazer a coisa certa" e alertou que uma lei desse tipo poderia ser "prejudicial" para a economia mundial. O mundo sofreria "irreparavelmente" se a Arábia Saudita perdesse a capacidade de elevar ou reduzir rapidamente a produção para equilibrar o mercado.
Arábia Saudita e Reino Unido têm encabeçado os planos dos principais produtores mundiais para restringir a oferta e elevar os preços, depois da queda na cotação de 40% no fim de 2018. O petróleo hoje é negociado em torno a US$ 60 o barril. O orçamento da Arábia Saudita baseia-se em uma cotação mais próxima a US$ 80 (ontem o barril do tipo Brent para entrega em abril fechou cotado a US$ 62,42, alta no dia de 1,48%).
Falih disse que o pais vai reduzir a produção para cerca de 9,8 milhões de barris por dia em março, em comparação aos mais de 11 milhões de barris diários produzidos em novembro. As exportações cairiam de 8,2 milhões para 6,9 milhões de barris diários, na comparação entre os mesmos períodos.
Fonte: Valor