Tragédia no Golfo põe em dúvida capacidade técnica e segurança ambiental de perfurar poços em ambientes nunca explorados
A explosão da plataforma petrolífera da BP em 20 de abril, que causou um vazamento estimado de 650 milhões de litros de óleo no Golfo do México, na maior tragédia ambiental da história dos Estados Unidos, acendeu um sinal amarelo na indústria. O questionamento ocorre no momento em que o Brasil inicia uma empreitada inédita e arriscada: a extração de petróleo do pré-sal, a mais de 300 quilômetros da costa e 7 mil metros abaixo da superfície, incluindo uma instável faixa de sal de 2 mil metros de espessura.
A ONG Aliança Global de Fontes Renováveis já incluiu o campo de Tupi, na Bacia de Santos, entre os dez locais de exploração marítima mais perigosos do mundo. Um dos motivos de apreensão é o fato de a camada de sal ser menos densa e dissolver na água, o que aumenta o risco de o poço ruir durante a perfuração. Foi o que ocorreu em julho na Bacia de Santos no poço Libra, abandonado a um prejuízo estimado em R$ 30 milhões.
"O Brasil deve se fazer algumas perguntas difíceis. Sem uma análise cuidadosa de custo-benefício, a exploração das reservas de petróleo marítimas pode virar "ouro de tolo"", alerta a vice-presidente para Ciência e Pesquisa da entidade World Resources Institute, Janet Ranganathan. "Muitas vezes essas avaliações ignoram completamente impactos na costa e nos ecossistemas marinhos."
Janet acredita que isso ocorreu no caso do Golfo. Cita estudo recém-divulgado pela ONG Earth Economics, que estima que as comunidades ecológicas do Delta do Mississippi geram anualmente mais de US$ 32 mil por hectare em serviços ambientais (como a produção de peixes e crustáceos). "Boa parte disto agora está em risco. A pesca foi suspensa. Centenas de praias e postos de trabalho foram fechados." Uma vez feito o estrago, a natureza demora a consertá-lo. Segundo a ambientalista, o Exxon Valdez Oil Spill Trustee Council, órgão criado para monitorar o derramamento de 41 milhões de litros de óleo de um navio petroleiro na costa do Alasca há 20 anos, os ecossistemas afetados ainda não se recuperaram da contaminação.
"Impacto monstruoso". "Um desastre semelhante ao do Golfo teria impacto monstruoso para a Petrobrás e o País", diz Edmar de Almeida, do Grupo de Energia do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). No pré-sal, o risco de acidentes é maior que o normal. A profundidade é bem superior à do Golfo (a BP extraía petróleo a 1.500 metros), o óleo está em alta temperatura e pressão e sua composição favorece a corrosão dos equipamentos. "O que funciona para parar um vazamento a 100 metros de profundidade pode não funcionar a 1.000 metros. E assim por diante", diz Segen Estefen, diretor de Tecnologia e Inovação do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) da UFRJ.
Além disso, por ser a primeira vez que uma companhia extrai óleo nessa camada, a operação exigirá o uso de equipamentos novos, ainda não testados em operação, para perfuração e revestimento dos poços. "Quando se usa uma tecnologia que ainda não está consolidada, a chance de acontecer uma quebra ou defeito é sempre maior", diz Carlos Boeckh, diretor da Hidroclean Proteção Ambiental.
"Quanto mais difíceis e complexas as condições, maior a margem para erros e acidentes", afirma Almeida. Segundo ele, a Petrobrás está acostumada a gerenciar riscos desde que começou a explorar em águas profundas, há quase 40 anos, mas isso tem custo alto, pois exige medidas de segurança mais rigorosas. O gasto também será maior com a preparação do plano de emergência para o caso de um acidente: a distância do pré-sal da costa dificulta e encarece o acesso. "Isto cria uma dificuldade logística. As embarcações não têm autonomia para chegar e agir rapidamente", diz Boeckh.
A tragédia do Golfo teve ainda impacto nos custos com seguro. Relatório da agência de avaliação de risco Moody"s afirma que o preço do seguro das plataformas cresceu de 15% a 25%. No caso das águas profundas, onde se concentra quase toda a produção da Petrobrás, o aumento foi maior, de 50%. "Acreditamos que esse evento terá impacto significativo (nos preços)", disse James Eck, vice-presidente sênior da Moody"s, num comunicado em que previu novos reajustes.
Na opinião de Estefen, uma das questões prioritárias do pré-sal são os equipamentos de prevenção. Em caso de emergência, um dispositivo deve fazer a vedação do tubo para evitar vazamento de óleo. No acidente nos EUA, houve falha de equipamento. "A Coppe já fez estudos mostrando que é possível melhorar a confiabilidade desse dispositivo. Os procedimentos de segurança podem e devem ser reforçados. E o custo não é alto."
No mês passado, respondendo a críticas de operários, o presidente da Petrobrás, José Sergio Gabrielli, reconheceu que algumas plataformas da empresa estavam "feias" e com "problemas de conservação", como corrosão. Mas disse que isso não colocava em risco os trabalhadores nem as operações.
Estefen avalia que é preciso reforçar o quadro técnico da Agência Nacional do Petróleo (ANP), órgão regulador que pode cobrar segurança das empresas na exploração. "Ela não pode se guiar só pela indústria. Precisa valorizar o conhecimento científico."
A ANP admitiu que "nenhum país do mundo em nenhuma época, passada ou futura, poderá garantir que não haverá um acidente semelhante ou mesmo pior do que o ocorrido com a plataforma da BP". Porém, ressalta que os acidentes são muito raros e, na maioria dos casos, provocados por falhas humanas. "Os equipamentos de segurança estão cada vez mais sofisticados, mas a garantia de que não haverá acidentes não pode ser dada. O mesmo acontece na indústria aeronáutica. Algum fabricante de avião pode garantir que um avião seu jamais cairá?". A ANP afirma ainda que aguarda o fim das investigações sobre a tragédia nos EUA para "avaliar o atual regime de segurança operacional e fazer as mudanças que achar necessárias".
A Petrobrás, por sua vez, diz ter um "robusto sistema de segurança em plataformas". "As capacidades de resposta dos planos de emergência da Petrobrás foram dimensionadas considerando as hipóteses acidentais de pior caso, abrangendo todos os cenários onde ela opera e não somente os do pré-sal." / COLABOROU FELIPE GRANDIN, DO JT
Fonte: O Estado de S.Paulo/Afra Balazina/ COLABOROU FELIPE GRANDIN, DO JT
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