O Supremo Tribunal Federal (STF) barrou a tentativa isolada do Estado do Rio de Janeiro de exigir ICMS sobre a extração de petróleo. Os ministros derrubaram duas leis estaduais, uma editada em 2003 que sequer surtiu efeitos, e outra publicada em 2015, que previa a exigência de 18% do imposto estadual sobre o preço do barril do petróleo.
A decisão, tomada na sexta-feira, no Plenário Virtual, passa a valer a partir da publicação da ata de julgamento, o que deve ocorrer ainda em março. Isso significa que o Estado fluminense não precisa devolver o imposto arrecadado desde março de 2016, quando a Lei nº 7.183/2015 passou a valer. O ministro Dias Toffoli, relator da ADI 5481, porém, resguardou os contribuintes que já entraram com ação judicial contra a cobrança.
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De acordo com advogados, todas as empresas que exploram petróleo no Rio de Janeiro impugnaram a exigência no Judiciário. Liminares foram concedidas e o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) foi favorável aos contribuintes. “A vitória é total porque nenhuma empresa recolheu os valores”, diz Donovan Mazza Lessa, sócio do escritório Maneira Advogados.
Apenas para a Shell, BG Group, Petrogal e Chevron a discussão teria um impacto de R$ 600 milhões, de acordo com a Associação Brasileira de Empresas de Exploração e Produção de Petróleo e Gás (ABEP), que ajuizou a ADI 5481. De acordo com informações prestadas no processo, se fossem incluídas as operações da Petrobras — responsável por 90% da produção de petróleo no Rio — a cifra passaria do bilhão de reais.
O ministro Dias Toffoli, relator da ação, justificou a proposta de modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade das leis pela situação crítica nas finanças do Estado do Rio de Janeiro. Uma das justificativas para a edição das normas foi “acudir à preservação da economia e das finanças fluminenses”, de acordo com a Assembleia Legislativa do Rio.
“Ponderando os interesses em conflito e prestigiando a segurança jurídica bem como o interesse social, julgo que a ausência de modulação dos efeitos da decisão resultará em mais efeitos negativos nas já combalidas economia e finanças do Estado do Rio de Janeiro, os quais devem, a meu ver, ser evitados”, afirma Toffoli em seu voto. A modulação foi garantida por maioria de votos.
Muito embora o STF tenha legitimidade para avaliar aspectos econômicos e de interesse público para ajustar os efeitos de suas decisões, advogados avaliam negativamente modulações como a feita no caso. “O Supremo acaba premiando legislações inconstitucionais, além de desconsiderar a isonomia porque a crise atinge os Estados e os contribuintes”, afirma o advogado Tiago Conde, sócio do Sacha Calmon Misabel Derzi Consultores e Advogados, escritório que também atuou no caso.
Ao analisar o litígio, o ministro Dias Toffoli reiterou que o ICMS só pode ser exigido quando há transferência de titularidade e efetiva circulação da mercadoria, o que não ocorre entre a extração do petróleo da subsolo e o envio do óleo para as plataformas. Além disso, citou o artigo 26 da Lei do Petróleo (nº 9.478/1997) para ressaltar que quando a União concede as jazidas para exploração por particulares existe uma aquisição originária do petróleo, e não uma espécie de compra e venda.
“Como o primeiro senhor do petróleo extraído é o próprio concessionário ou contratado, nos termos das Leis nº 9.478/97 e 12.351/10, o óleo (petróleo extraído) não muda de titular ao ser incorporado ao patrimônio desse. Se não há transferência de titularidade do petróleo extraído, não há que se falar em circulação de mercadoria, outro pressuposto necessário para a incidência válida do imposto", afirma.
Mesmo que se admitisse a existência de uma negociação na transferência da propriedade do petróleo da União para os particulares, o contribuinte na operação seria a União. Dessa forma, Toffoli defendeu que o ICMS não poderia ser exigido da mesma forma, por causa da regra da imunidade tributária recíproca. A Constituição veda, no artigo 150, inciso IV, que a União e os entes federados exijam tributos uns dos outros.
Tributaristas ainda levantam um argumento formal, de que a Lei Kandir (Lei Complementar nº 87/1996) não prevê a extração de petróleo como fato gerador do ICMS. Logo, uma lei estadual não poderia inovar nesse sentido. “Há sinalização do STF nesse sentido e esse argumento vale para qualquer discussão sobre ICMS”, afirma Leonardo Martins, sócio do Machado Meyer Advogados.
Segundo advogados, a decisão do STF encerra uma disputa de quase vinte anos e que representa a tentativa do Rio de Janeiro de manter a tributação do ICMS no Estado produtor de petróleo, e não nos Estados consumidores, como determina a legislação atual.
Em nota, a Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro informou que considera o tema prioritário e segue mobilizada e com atuação firme perante o Supremo.
Fonte: Valor