O Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi chamado a resolver uma questão polêmica na área de arbitragem. A 2ª Seção deverá definir, pela primeira vez, se é de tribunal arbitral ou do Judiciário a responsabilidade para julgar a execução de um contrato com cláusula de arbitragem. Antes, porém, a Corte terá que decidir se é competente para tirar essa dúvida. Em 2010, o STJ entendeu que não poderia se intrometer e resolver conflitos de competência entre duas câmaras arbitrais.
O julgamento do caso foi interrompido duas vezes por pedidos de vista. Para o relator, ministro Massami Uyeda, a Constituição delegou ao STJ a resolução de conflitos de competência entre tribunais integrantes do Poder Judiciário, o que não incluiria as câmaras arbitrais. Ao retomar o julgamento no dia 12, a ministra Nancy Andrighi, além de entender que a Corte deve definir a questão, votou para delegar a competência da resolução do conflito ao tribunal arbitral e declarar nulas todas as decisões proferidas até agora pela Justiça. O processo está em análise pela ministra Isabel Gallotti.
A discussão envolve um fundo de investimentos estrangeiro que, em 2009, entrou com ação na 7ª Vara Civil do Rio de Janeiro para executar uma dívida contra a Rede Gusa Minerações. O fundo foi parceiro da empresa em um projeto de escoamento de minério de ferro pelo Porto de Santos. Mas com a queda do preço do minério, em razão da crise internacional de 2008, o negócio foi cancelado. Por entender que havia concedido um empréstimo, o fundo de investimentos cobra o pagamento de uma dívida de aproximadamente R$ 58 milhões, conforme o processo.
Além de abrir um processo no Tribunal Arbitral da Câmara da Fundação Getúlio Vargas, a mineradora entrou com um recurso judicial para embargar a execução. A Justiça, porém, negou os embargos e determinou a penhora de bens da companhia para pagamento do débito. Em sua defesa, a Rede Gusa alega que o fundo estrangeiro fez um investimento no negócio. Agora, pede no STJ que o tribunal arbitral da FGV defina se o contrato consistia em empréstimo ou investimento para dar prosseguimento à execução, se for o caso. Os advogados da mineradora preferiram não comentar a discussão e o advogado do fundo não retornou até o fechamento desta edição.
Segundo advogados, a definição do caso poderá ser um precedente para a disputa societária travada entre a Odebrecht e a Graal Participações, da família Gradin. O processo chegou no STJ no início do mês. No caso, as partes divergem sobre o cumprimento do acordo de acionistas, firmado em 2001, segundo o qual "as dúvidas ou divergências surgidas" deverão ser resolvidas por mediação ou arbitragem. O documento prevê também que é "facultado à parte obter decisão judicial para, se for o caso, suprir a vontade da parte que se recusar a cumprir qualquer das obrigações assumidas no acordo de acionistas". A Odebrecht defende que houve descumprimento dos minoritários e que, portanto, a Justiça é responsável por resolver o litígio.
A discussão sobre a competência do julgamento deste caso também divide opiniões entre advogados especializados em arbitragem. Para Marcos Fontes, diretor da Câmara de Arbitragem do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), o STJ não tem respaldo constitucional para escolher entre um tribunal comum e um arbitral, assim como não tem competência para definir entre câmaras de arbitragem. "Sua competência é restritiva", diz. "O que se tenta nesse caso é um atalho, mas me parece que o sistema jurídico não contempla essa alternativa."
Octávio Fragata, especialista em contencioso e arbitragem, afirma, porém, que a jurisprudência admite a execução "líquida e certa" mesmo de contratos com cláusula arbitral. Mas não quando há necessidade de conhecimento prévio do direito. "Com cláusula compromissória, a arbitragem é regra e o Judiciário é exceção. Por isso, devem ser interpretadas restritivamente". "A decisão do STJ será importante para esclarecer mais o assunto e servir como guia para decisões futuras."
Fonte: Valor / Bárbara Pombo
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