Assinado em 2006 por Eike Batista, contrato agora cria saia justa para Anglo American e empresa no Bahrein
O bilionário Eike Batista, empresário mais celebrado do momento, virou personagem de uma encrenca internacional, que envolve a mineradora britânica Anglo American, uma empresa do Oriente Médio e duas minas de ferro no Brasil. No centro da confusão, há um contrato assinado por Eike há quatro anos, repassado à Anglo na sequência e não honrado até hoje com a Gulf Industrial Investment Co. (GIIC), uma processadora de minério de ferro do Bahrein.
O caso começou em 2006, quando a MMX, mineradora de Eike, fechou um acordo para fornecer minério de ferro por 20 anos para a GIIC. Em seguida, ele vendeu por US$ 6,6 bilhões duas das minas da MMX para a Anglo, que acabou herdando o acordo com os árabes. O problema é que, até agora, as minas só produzem cerca de 20% do que se esperava. Com isso, a Anglo e a empresa do Bahrein estão sendo forçadas a procurar no mercado o minério de ferro que está faltando. "A Anglo ficou com um acordo que não consegue cumprir, os árabes ficaram sem minério e só o Eike se deu bem", diz um executivo próximo do episódio.
Pelo acordo, a GIIC deveria receber 13 milhões de toneladas de minério por ano. Metade viria de uma mina no Amapá, a outra metade de uma jazida em Minas Gerais. A mina do Norte, porém, só embarcou para o Bahrein 2 milhões de toneladas em 2009. Este ano, deve enviar 2,5 milhões de toneladas, segundo calcula a GIIC. E a outra planta só deve começar a funcionar em 2012, na melhor das hipóteses.
Para compensar a falta do minério do Amapá, a GIIC comprou este ano uma carga extra de minério da mina Casa de Pedra, pertencente à siderúrgica CSN. Mas não foi suficiente, a empresa árabe precisa de mais minério. No começo do ano, a Anglo tentou comprar o produto de mineradoras rivais, como a Vale. Mas não teve sucesso até agora. "Fomos capazes de sobreviver (fazendo outros acordos)", afirma Khalid Al-Qadeeri, vice-presidente do conselho de administração da GIIC. Segundo o executivo, a sua empresa já tinha outro acordo com a CSN, que acabou sendo ampliado com a ajuda da Anglo. "Apreciamos a ajuda deles."
Assinado entre Eike e a GIIC, o contrato de fornecimento de minério teve um papel importante na vida da MMX. Ele foi apresentado como um dos argumentos para convencer investidores a comprar ações da mineradora durante a oferta inicial de ações, realizada em 2006, na Bolsa de Valores de São Paulo. O prospecto da empresa de Eike dizia que a GIIC era uma cliente "de alta reputação e capacidade financeira" e representava "uma fonte confiável de receita" e uma possibilidade de crescimento no futuro. "(O nosso contrato) era o único jeito de a MMX levantar dinheiro. Eles tinham de ter um mercado", diz Al-Qadeeri.
Mercado aquecido. Procurar minério de ferro, neste momento, é uma tarefa difícil em razão da supervalorização das commodities. A oferta de minério com alto teor de ferro, como o que a GIIC precisa, é inferior à demanda. Quem tem o produto já está amarrado com outros clientes. Nesse cenário, executivos e analistas do setor acreditam que Anglo e GIIC poderiam estar pagando ágio pelo produto. Segundo o Estado apurou, a processadora do Bahrein já teria parado a produção algumas vezes por falta de matéria-prima.
Procurada cinco vezes no último mês, a Anglo só se manifestou na semana passada, por meio de um e-mail em que afirma: "A Anglo American não está comprando minério de ferro da CSN para cumprir o contrato com a GIIC. A empresa está entregando minério de ferro à GIIC nas condições de qualidade e preço estabelecidas no contrato." Sobre a quantidade entregue à empresa do Bahrein, que é o centro da confusão, nenhuma palavra.
O grupo EBX, de Eike Batista, comunicou, também por e-mail, que "não comenta operações de terceiros". E a GIIC, apesar dos transtornos para abastecer sua empresa no Bahrein, não culpa nem Anglo, nem Eike. "O Eike é uma pessoa decente e honesta. Toda vez que ele tiver um bom negócio, ficarei feliz em fazer negócio com ele. Tudo o que ele toca vira ouro", diz Al-Qadeeri, da GIIC. "E os problemas nas minas estão fora do controle deles (Anglo). Temos um ótimo relacionamento com a empresa."
Os problemas a que Al-Qadeeri se refere são de várias ordens. No caso do projeto em Minas, o grande empecilho foi o licenciamento ambiental. A mina deveria ter começado a fornecer neste ano, mas só deve entregar no fim de 2012, segundo previsão da Anglo.
Minério pobre. Já a mina do Amapá enfrenta problemas estruturais. Depois de ser comprada pela Anglo, descobriu-se que o minério do lugar é pobre e não atende às especificações da GIIC. A constatação foi feita pela consultoria Metal Data, especializada em mineração. Ela foi contratada pela empresa árabe em maio do ano passado, para checar por que o minério do Amapá não estava sendo entregue na quantidade prometida. Oficialmente, a GIIC afirma ter contratado a Metal Data para avaliar a possível compra de uma participação na mina, mas desistiu.
A conclusão da consultoria, segundo o Estado apurou, foi que a mina do Amapá não tinha minério nem em quantidade nem na qualidade suficiente para a natureza do trabalho da GIIC. A empresa é uma pelotizadora, indústria que processa o minério para entregá-lo mais elaborado às siderúrgicas. Para operar nas condições ideais, a GIIC precisa de minério com teor de ferro acima de 60%. Na Amapá, o índice ficaria abaixo de 30%.
A Cliffs Natural Resources, mineradora americana que é sócia minoritária da Anglo na mina do Amapá, também já criticou a qualidade do ativo - e foi em público. Em conferência com analistas no ano passado, Joseph Carrabba, presidente da empresa, afirmou que, como o processo de extração do minério encontrado no Amapá era mais complexo do que o previsto inicialmente, a mina precisaria de "alguma injeção de capital" para aumentar sua eficiência ao nível desejado. A Anglo American, por sua vez, afirma em seu último relatório anual que conseguirá extrair apenas 5 milhões de toneladas da mina por ano, a não ser que faça grandes investimentos adicionais (a previsão inicial era de uma capacidade de 6,5 milhões).
Devido aos problemas encontrados, no ano passado a Anglo desvalorizou a mina do Amapá e passou a registrá-la por U$1,5 bilhão a menos em seu balanço. A experiência com a mina do Amapá é tão traumática que a Anglo a usou como lição para aperfeiçoar os controles internos de análise de riscos.
Para o analista de mineração David Khani, do banco de investimentos americano FRB Capital Markets, o risco desse tipo de situação, em que as mineradoras prometem e não conseguem entregar, deve aumentar daqui para a frente. "Às vezes é uma grande surpresa. Por isso, as empresas fazem pré-testes. Há cada vez menos reservas disponíveis de minério de boa qualidade no mundo", diz.
No mercado, o que ninguém consegue explicar é como a Anglo, com todo seu tamanho e experiência, aceitou colocar tanto dinheiro nos ativos problemáticos vendidos pela MMX. A suspeita é que a aquisição tenha sido feita sem critério, em um momento de euforia, com o minério supervalorizado e a Anglo ansiosa por crescer nessa área.
Agressivo. Empresário de estilo agressivo, Eike Batista tornou-se o homem mais rico do Brasil e o oitavo do mundo, segundo a revista Forbes. Nos últimos anos, ele criou várias empresas do nada, em mercados promissores como exploração de petróleo, logística e construção naval, entre outros. Para viabilizar seus projetos, ele foi buscar capital de terceiros, na bolsa. Há uma aposta bilionária nos ombros de Eike. Como seus projetos são sempre de maturação a longo prazo, ainda é difícil saber se suas promessas se tornarão realidade. Até agora, o contrato com a empresa do Bahrein é uma promessa não cumprida.
Fonte: - O Estado de S.Paulo/David Friedlander e Melina Costa
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