O apetite da China por minério de ferro poderá diminuir a partir do fim desta década, na visão de especialistas em matérias-primas ouvidos pelo Valor. A redução do crescimento na demanda chinesa por minério de ferro está associada à perspectiva de um maior uso de sucata e de fornos elétricos nas siderúrgicas chinesas. Hoje a China produz aço com base em minério de ferro. A commodity é o produto número um da pauta de exportações brasileira e a China o principal comprador. Qualquer movimento chinês nessa área precisa, portanto, ser bem considerado por exportadores como a Vale.
A mineradora brasileira, que coloca metade das vendas do produto no mercado chinês, mostra-se tranquila. A empresa acredita que a substituição parcial de minério de ferro por sucata é um fenômeno que vai levar mais tempo para ocorrer. "Vai demorar ainda dez ou quinze anos para acontecer", disse José Carlos Martins, diretor-executivo de Ferrosos e Estratégia da Vale. Especialistas de consultorias acreditam, porém, que o processo de substituição de minério por sucata na China poderá ser mais rápido do que o previsto pela Vale.
Paul Robinson, diretor de projetos multi-commodities da consultora CRU, disse que a redução de crescimento na demanda chinesa por minério de ferro poderá começar antes mesmo de 2020. "Temos visão positiva sobre a demanda de aço na China. Acreditamos na urbanização e na necessidade de mais infraestrutura e construções. Mas nos próximos cinco anos a China vai começar a reciclar aço usado em construções e projetos do começo dos anos 2000", disse Robinson. Ele vê a China começando a investir em fornos elétricos nas siderúrgicas e diminuindo a demanda por minério como resultado da produção de um maior volume de sucata. "Em cinco anos veremos parte da infraestrutura chinesa sendo reciclada", afirma.
Na visão de Robinson, será importante para o Brasil e outros exportadores levar em conta o crescimento da sucata à medida em que forem criando capacidade adicional de produção de minério de ferro. Ignorar esse dado, quando se amplia a capacidade de produção, representaria um risco para as mineradoras pois, com uma demanda menor, os preços poderiam cair.
Sigurd Mareels, líder global de indústria mineral da McKinsey & Co., previu que o movimento de reciclagem de aço na China será mais rápido do que o registrado em países da Europa ou mesmo nos Estados Unidos. "Há risco de que [na China] a onda de sucata chegue mais cedo." Ele afirmou que uma tonelada de sucata representa 1,5 tonelada a menos de minério de ferro. Mareels disse que nos próximos dez anos os efeitos da substituição de minério por sucata serão cada vez mais fortes.
Um analista do setor afirmou que para cada tonelada de aço a China utiliza 1,5 tonelada de minério de ferro. Nos Estados Unidos, essa relação é de cerca de 600 quilos de minério por tonelada de aço produzida. A explicação, para o volume menor, está no fato de que nos EUA existe maior produção de sucata e a reciclagem já faz parte da matriz produtiva da siderurgia.
Magnus Ericsson, presidente da Raw Materials Group (RMG), disse que há 20 anos o fornecimento global para as siderúrgicas era 60% de sucata e 40% de minério de ferro. "Hoje a relação se inverteu [40% é sucata e 60%, minério]." A mudança se explica pelo fato de grande parte da infraestrutura construída na China ainda não estar disponível para ser reciclada. "Mas a partir de 2020 veremos um aumento no fornecimento de sucata que vai substituir parte da oferta de minério de ferro", disse Ericsson. Ele avaliou, porém, que sempre haverá espaço para minério de ferro de qualidade no mercado.
Dados do Instituto Aço Brasil (IABr) mostram que até 2030 haverá forte expansão de capacidade e produção de aço em fornos elétricos em países em desenvolvimento. Marco Polo de Mello Lopes, presidente-executivo do IABr, disse que no caso da China existe tendência de uso de fornos elétricos até para substituir capacidade obsoleta nas siderúrgicas. "A China passa por revolução também sobre a ótica ambiental", disse Lopes. No Brasil, em 2012, 74% da produção de aço bruto correspondeu a usinas integradas, que operam à base de carvão e minério. As usinas semi-integradas, à base de sucata, representaram 18% da produção de aço enquanto os restantes 8% corresponderam a usinas integradas a carvão vegetal.
Martins, da Vale, disse que a substituição de minério de ferro por carvão vai demorar mais porque a China ainda tem muita urbanização para fazer. "O governo chinês fala em chegar a 2030 com um percentual entre 72% e 75% de urbanização." Hoje esse percentual é pouco maior do que 50%. "São mais de 400 milhões de pessoas para sair do campo para a cidade, construir infraestrutura, estradas, residências. Então vai se precisar de aço novo. A sucata só começa a aumentar quando a produção de aço se estabiliza", disse Martins. E completou: "Quando paralisa a urbanização e a demanda de aço se estabiliza, a geração de sucata começa a aumentar e a reciclagem, via fornos elétricos [nas siderúrgicas], aumenta."
Para o diretor da Vale, esse fenômeno só vai ocorrer na China quando a urbanização atingir um percentual na faixa de 70%, a partir de 2025. Ele afirmou que nos Estados Unidos e na Europa o uso da sucata aumentou depois da II Guerra e quando a urbanização atingiu níveis de 75% da população. Questionado se a demanda por minério de ferro na China poderá cair a médio prazo, Martins respondeu: "O que manda é o custo." Ele também afirmou que não vai se substituir toda a demanda de minério de ferro por sucata.
"A Vale vai continuar a trabalhar com baixo custo e alta qualidade do minério." O executivo afirmou ainda que, embora a China represente 70% da demanda mundial de minério de ferro, há países de industrialização tardia que vão consumir mais minério, caso de países do Sudeste Asiático e do Oriente Médio. "O trabalho da Vale é se manter bem posicionada na curva de custos da indústria [de mineração], no primeiro quartil", disse Martins. Esse é um ponto importante, assim como o crescimento do mercado, para suportar a produção, afirmou.
Segundo o executivo, as quedas de preços verificadas em 2008 e 2011 mostraram a importância de trabalhar olhando sempre para os custos. "Nessas horas é que se vê quem está nadando pelado, como diz [o investidor americano] Warren Buffett. A estratégia de custos é o nosso 'short' para não ser pego nadando pelado [quando a maré baixar] como muita gente tem sido [pega]."
Fonte: Valor Econômico/Francisco Góes | Do Rio
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