O projeto de minério de ferro da Vale em Guiné, na África - nas minas Simandou (blocos 1 e 2 da jazida) e Zogota -, que envolve investimentos de mais de US$ 10 bilhões, incluindo aquisição de direitos de exploração do grupo BSG Resources, é hoje o maior desafio da gestão de Murilo Ferreira, presidente da companhia desde maio de 2011. As minas africanas têm produção prevista de mais de 50 milhões de toneladas por ano. O empreendimento foi iniciado na gestão de Roger Agnelli, antecessor de Ferreira no cargo.
A megajazida de Simandou, em plena selva da Guiné, tornou-se uma dor de cabeça para a Vale e está há quase três meses em compasso de espera de uma definição legal do governo do presidente Alpha Condé sobre o marco legal do novo código de mineração do país. Hoje, a situação da companhia é de contestação jurídica, reivindicando direitos adquiridos antes das novas condições de exploração mineral. A Vale comprou 51% de metade de Simandou, além de Zogota, por US$ 2,5 bilhões da BSG.
Desde julho a direção da Vale decidiu reduzir a velocidade das atividades operacionais nas duas minas que integram o projeto, após mais um adiamento das eleições para o parlamento. Após dois anos de sua eleição direta, Condé ainda governa sem poder legislativo. Isso tem gerado um ambiente de grande insegurança política e jurídica aos investidores, disseram fontes próximas da mineradora.
Um ponto é o novo código de mineração, que outorga ao governo participação de 15% no negócio e a opção de adquirir mais 20% em futuro. Outro, é a questão da logística do projeto (ferrovia e porto), já desenhada pela Vale para escoar o minério pela Libéria. A empresa tem ainda o problema de seu sócio, o israelense Beny Steinmetz, figura polêmica, que não é bem visto pelo governo de Condé.
A Vale encomendou internamente, a um grupo de técnicos, um estudo aprofundado sobre Simandou. Quer ter uma análise profunda de todos os temas que envolvem o projeto para tomar uma decisão sobre as minas africanas, cobiçadas por australianos e chineses. Com isso, a direção executiva vai discutir o assunto com o conselho de administração da Vale até o fim do ano na definição do novo plano estratégico.
A Vale espera um desfecho para as discussões do novo código e vai tentar preservar os direitos adquiridos à época da compra dos ativos, em 2010. Sobre a logística, há a ameaça de o governo de ficar com 51% de participação, como foi acertado com australiana Rio Tinto, que tem a concessão para explorar os blocos blocos 3 e 4 de Simandou (outra metade da jazida).
Com a Rio Tinto, o governo da Guiné determinou que a logística de seu projeto seja toda erguida dentro do território da Guiné. No caso da Vale, ainda não houve nenhuma discussão com a administração de Condé, apesar de a empresa ter encaminhado o projeto há mais de um ano às autoridades.
Um problema espinhoso para Ferreira é o sócio no projeto, pois o governo da Guiné não quer Steinmetz no negócio, disse ao Valor uma fonte. O caso foi apontado na semana passada em reportagem da revista "Exame" que mostra o pesadelo da empresa na África e as negociações do governo da Guiné com o BTG Pactual, sócio de Roger Agnelli na B&A Mineração, para assessorar Condé.
Ao comprar 51% do projeto em abril de 2010 - pouco mais de um ano antes de deixar a presidência da vale -, Agnelli, adiantou US$ 500 milhões à BSG. Em abril de 2013 pagaria o restante.
A Vale se queixa de que o governo da Guiné até agora não se manifestou legalmente sobre o problema do sócio. O temos é de que Condé faça um decreto de expropriação dos 49% de Steinmetz na Vale Beny Group (VBG).
A direção da companhia, apurou o Valor, não está disposta a pôr dinheiro no negócio enquanto os problemas que travam o projeto não forem resolvidos.
Até agora, tem investido em Zogota, uma mina menor que deve produzir entre 5 milhões e 10 milhões de toneladas de minério de ferro por ano. Já Simandou Norte tem produção estimada em 50 milhões de toneladas. Até o segundo trimestre, a Vale tinha aplicado mais de US$ 150 milhões na sua aventura africana. Com a decisão de reduzir as obras, a meta de aplicar mais de US$ 300 milhões no projeto, este ano, deve encolher.
Problemas de ordem social no país complicaram ainda mais a situação da empresa. Em 30 de julho, o escritório da Vale, em Zogota, foi invadido e alguns dias depois vilarejos próximos da mina foram atacados pelo Exército, levando à morte de seis pessoas. Por questões de segurança, a VBG retirou os empregados para preservar a integridade física da equipe. O Ministério de Minas da Guiné, em carta à empresa, declarou que o investimento da Vale em Simandou continua importante para o país.
Procurado para emitir uma posição sobre suas negociações com o governo da Guiné, o BTG não quis se pronunciar. O Valor apurou que o banco foi procurado, em março, por dois ministros do país para discutir um plano de assessoria ao governo envolvendo sua participação no projeto logístico do empreendimento da Rio Tinto em Simandou, do qual é dono se 51%. Toda a obra, envolvendo ferrovia e porto, é estimada em quase US$ 10 bilhões e mais da metade disso cabe ao governo por ser o acionista majoritário.
O BTG fez uma proposta de assessoria, na qual estipula percentual de 2,5% e disposição de receber ativos como pagamento, adotando uma regra bastante comum no setor. Todavia, segundo informação, ainda não houve um negociação do contrato de serviço. E que deverá atuar por conta e risco, uma vez que o governo da Guiné não tem dinheiro para adiantar as custas e nem garantias de que pagará depois. Por isso, a proposta de receber ativos.
A estimativa é de gasto de US$ 4 milhões a US$ 5 milhões. E que, se tiver sucesso - para montagem da engenharia financeira, buscando recursos de investidores e financiamentos - consiga ganho de até US$ 30 milhões com a operação. A proposta foi enviada em julho pelo banco e que ela envolve apenas o projeto da Rio Tinto. Não teria nada a ver com o da Vale, mesmo porque ele não existe. Está em discussão de seu rumo com o governo.
O projeto logístico da Rio Tinto tem obrigação de frete de carga de 95 milhões de toneladas/ano de minério no auge da mina.
Fonte: Valor Econômico / Vera Saavedra Durão e Ivo Ribeiro
PUBLICIDADE