Depois de 14 anos da abertura do setor de petróleo nacional, e com reservas descobertas mas ainda sem produção definitiva, em sua maioria, algumas empresas brasileiras estudam várias possibilidades de financiamento para trazer as descobertas até a superfície. Em fase mais madura de seus programas exploratórios e com reservas mapeadas, OGX, Petra e QGEP (Queiroz Galvão Exploração e Produção), apenas para mencionar algumas, gostariam de usar alguns instrumentos de financiamento que hoje não estão disponíveis no Brasil, e são comuns no exterior. Um deles, que consideram inovador e importante, é o empréstimo em que as reservas de óleo ou gás, ou ambos, são oferecidas como garantia bancária.
Conhecida no jargão do mercado como "Reserve Based Lending", essa é uma das opções de financiamento para a fase de produção, junto com outras como a emissão de dívida e empréstimo corporativo. Ao contrário de outros mecanismos, neste o banco assume o risco que é típico dessa indústria.
Atualmente, empréstimos em que reservas são oferecidas como garantia não podem ser utilizadas no Brasil com a rapidez que os bancos e as petroleiras independentes gostariam. Isso porque as companhias, que são concessionárias, não podem ceder um direito, função que é exclusiva da Agência Nacional do Petróleo (ANP) já que os hidrocarbonetos (óleo ou gás) que estão no subsolo são propriedade da União. Pela legislação brasileira, o concessionário só é dono do bem que ele produz, ou seja, do produto da extração. Financiar o investimento para trazer esses hidrocarbonetos para a superfície é o desafio enfrentado hoje pelas empresas no Brasil.
Regulamentação deve garantir a preservação do ativo, assim como facilitar que garantias sejam executadas
Magda Chambriard, diretora-geral da ANP, disse ao Valor que já é possível oferecer os "direitos emergentes" dos contratos de exploração e produção de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos em garantia de dívida contraída pela concessionária para que elas possam se capitalizar e exercer a atividade. Mas é proibida a transferência desses direitos para terceiros. Significa dizer que um banco teria dificuldade de executar as garantias de uma empresa que não tivesse condições de honrar o empréstimo.
"O que se permite é utilizar os créditos, os seus frutos, como garantia em financiamentos ou operações de crédito", informa a dirigente, ressaltando que a agência deve ser notificada do empenho desses direitos se forem dados como garantia de dívida.
Segundo Magda, já são frequentes operações de "penhor de óleo", a maioria com a Petrobras, em que a empresa oferece como garantia para o regulador o petróleo que vai produzir em um determinado poço a ser perfurado. Esse óleo (e não a reserva) pode ser dado como garantia caso seja necessário ressarcir a União por um eventual prejuízo ou descumprimento do Programa Exploratório Mínimo acertado com a agência.
O mais próximo de um empréstimo dessa natureza ocorrido no Brasil foi um financiamento para a OGX Maranhão em que as reservas foram dadas como garantia para um empréstimo ponte de R$ 600 milhões para a perfuração de poços para produção de gás natural nos campos Gavião Azul e Gavião Real, na bacia do Parnaíba. O prazo da operação é curto (dois anos), o que não é muito nessa indústria que é de longo prazo e maturação. A operação da OGX Maranhão foi realizada pelos bancos Itaú BBA, Santander e Morgan Stanley e precisou do aval da ANP.
A El Paso também obteve autorização para ceder reservas brasileiras como garantia no processo de compra alavancada (Leveraged Buyout) do controle da empresa por um consórcio liderado pelo Apollo e Riverstone, dois fundos de private equity.
Para operações maiores e com prazo mais longo, os bancos querem mais segurança de que poderão tomar posse dessas reservas em caso de "default" do cliente. Para esses casos, a legislação precisa avançar, afirma Giovani Ribeiro Loss, do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados. "Falta regulamentação específica sobre a oferta em garantia de direitos emergentes de concessões e contratos de partilha, incluindo procedimento de execução dessas garantias perante a ANP", explica o advogado.
Especialista em direito do petróleo com grande experiência em operações desse tipo no exterior e que trabalhou nas duas operações que aconteceram no Brasil, Loss explica que a regulamentação ideal deve garantir a preservação do ativo, assim como facilitar que as garantias sejam executadas de forma eficiente. "É importante ressaltar que isso esta alinhado com o interesse público, já que para a ANP é importante a devida exploração do ativo concedido no tempo razoável, utilizando-se as melhores práticas da indústria", ressalta Loss.
O presidente da QGEP, Lincoln Guardado, espera que o atual entrave seja solucionado pela ANP, já que a empresa pretende fazer uso desse mecanismo para financiar seu quinhão no gigantesco campo de Carcará, no pré-sal da bacia de Santos, no qual é sócia da Petrobras, Petrogal e Barra Energia. "Essa é uma estrutura de financiamento amplamente usada lá fora e que é eficiente para o desenvolvimento da produção, já que a fase de exploração é intensiva em equity e capital próprios", disse Guardado ao Valor (ver entrevista abaixo, ao lado).
O executivo de uma empresa que concordou em conversar com o Valor, com o compromisso de não ter seu nome revelado, afirmou que um dos benefícios desse tipo de operação é o custo do empréstimo, que diminui devido à existência de uma garantia mais aperfeiçoada. "É a mecânica de uma operação fiduciária, sendo que no caso de inadimplência basta executar a garantia", resume.
Um facilitador é que na alienação fiduciária o ativo não vai para a massa falida, ao contrário do penhor, que é a única alternativa quando o bem dado como garantia é uma concessão.
Outro executivo de uma petrolífera brasileira, também na condição de anonimato, também espera pela regulamentação. "Uma legislação que permita esse tipo de estrutura financeira com segurança dará um instrumento fundamental de alavancagem ao setor petrolífero". E acrescenta que isso permitirá uma expansão significativa de investimentos.
Fonte: Valor Econômico/Cláudia Schüffner | Do Rio
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