A Transpetro, a subsidiária de logística da Petrobras, deu um salto de tamanho nos últimos anos, período em que esteve sob o comando do político e empresário cearense Sergio Machado. A empresa diversificou suas atividades e o valor dos ativos duplicou nos últimos três anos. Ligado ao PMDB, Machado ficou 11 anos e quatro meses na presidência da Transpetro. Licenciou-se, na semana passada, em meio aos desdobramentos da operação Lava-Jato, da Polícia Federal, que investiga desvios de recursos bilionários na Petrobras.
Nascido em Fortaleza, Machado conseguiu o "feito" de tornar-se o diretor mais longevo da estatal, sempre sujeita a indicações políticas. Ele superou os antigos "recordistas" em cargos equivalentes na controladora, a Petrobras: José Sergio Gabrielli, que presidiu a estatal por 6 anos e 7 meses, e Joel Mendes Rennó, que conduziu a Petrobras por 6 anos e 4 meses nos governos de Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso.
Em todos esses anos à frente da Transpetro, Machado precisou equilibrar-se entre pressões variadas, contando com o respaldo de nomes de peso, como o do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e consolidou-se como um dos principais executores da política de retomada da construção naval no país, lançada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Em 11 anos, Machado precisou equilibrar-se entre pressões e contou com o apoio do senador Renan Calheiros
Quem conhece Machado o compara ao "mandacaru", um cactus comum no Nordeste brasileiro que resiste a secas, mesmo das mais fortes. Capaz de enfrentar longas jornadas de trabalho, vaidoso e obcecado pela imagem pessoal e pela comunicação, Machado foi por mais de dez anos a "ponta-de-lança" do Programa de Renovação da Frota (Promef), iniciativa que prevê investimentos de R$ 11,2 bilhões na construção de 49 navios e 20 comboios hidroviários.
Na semana passada, Machado foi forçado a licenciar-se depois que a auditoria PwC se recusou a aprovar o balanço da Petrobras pelo fato de o nome do presidente da Transpetro ter aparecido nas denúncias da operação Lava-Jato. O ex-diretor de abastecimento da estatal, Paulo Roberto Costa, pivô do caso, disse à PF ter recebido R$ 500 mil de Machado.
"A acusação [de Costa] é francamente leviana e absurda, mas mesmo assim serviu para que a auditoria externa PwC apresentasse questionamento perante o Comitê de Auditoria do Conselho de Administração da Petrobras", disse Machado, em nota, no dia em que anunciou seu afastamento por 31 dias. No meio político, acredita-se, porém, que ele não voltará mais a ocupar a presidência da Transpetro.
Pessoas próximas a ele dizem que Machado tem bom trânsito em Brasília e avaliam que a sua longa permanência na Transpetro se deveu, em parte, à sua capacidade de articulação. Ele começou a carreira política no Ceará, onde a família era ligada ao setor têxtil (foi dona da jeans Vilejack). Como empresário, presidiu o Centro Industrial do Ceará (CIC) e, na política, foi secretário no primeiro governo de Tasso Jereissati. Foi eleito deputado federal e senador e, no Senado, foi líder do PSDB, entre 1995 e 2001. Em 2002, ingressou no PMDB, disputou e perdeu a eleição para governador do Ceará para Lúcio Alcântara. Assumiu a Transpetro em junho de 2003.
Os resultados da Transpetro também ajudaram a mantê-lo no cargo mesmo com a mudança de governo, em 2010, quando a presidente Dilma Rousseff foi eleita para o primeiro mandato. Na nota que divulgou ao afastar-se, Machado, que tem 67 anos, disse que ajudou a transformar a Transpetro. "Na presidência da Transpetro desde junho de 2003, estive à frente do processo que a transformou na maior empresa de transporte e logística de combustíveis do Brasil."
A análise dos balanços da subsidiária feita pelo Valor Data mostra que os resultados da subsidiária cresceram. Mas o crescimento se deu sobre uma base baixa uma vez que em 2000-2001 a empresa ainda era pequena. E tinha um caixa que equivalia a cerca de metade dos ativos ao invés de estar aplicado no negócio.
O tamanho da Transpetro no começo dos anos 2000 pode ser explicado uma vez que a empresa tinha sido recém criada, sendo cindida da própria Petrobras por força de lei. A Lei do Petróleo 9.478/97 determinou que a Petrobras constituísse uma subsidiária para operar e construir dutos, terminais marítimos e embarcações para transporte de petróleo, seus derivados e gás natural. Assim, a estatal separou seus ativos de logística e criou a Petrobras Transporte S.A. (Transpetro).
Mais recentemente, a empresa deu um salto de tamanho, com o ativo total passando de R$ 4,2 bilhões em 2010 para R$ 8,2 bilhões em 2013. Já o imobilizado subiu de menos de R$ 2 bilhões em 2009 para R$ 5,6 bilhões no ano passado. E a empresa foi atrás de empréstimos: a dívida bruta é de R$ 2,2 bilhões, uma fração dos mais de R$ 307 bilhões da dívida bruta da Petrobras.
O peso da Transpetro no lucro operacional (Ebit) da Petrobras subiu de 1,4% em 2009 para 3,9% no ano passado. Já o peso da subsidiária no lucro líquido da estatal chegou aos mesmos 3,9%, apesar de a Transpetro ainda ser apenas 2,2% da receita da Petrobras. Em 2013, a Transpetro teve lucro líquido de R$ 924 milhões.
Como empresa de logística, a Transpetro vende serviços de transporte para a Petrobras. Fontes que conhecem a empresa dizem que um negócio lucrativo é a operação de dutos e de terminais marítimos, que pouco aparecem. A "vitrine" nos anos de gestão de Machado foi mesmo o Promef, o programa de construção de navios. No fim do ano passado, a Transpetro operava 53 navios, sendo 33 próprios e 18 afretados (alugados) pela subsidiária da empresa na Holanda, a FIC BV. Havia ainda outros dois navios de propriedade da FIC BV também operando para a Transpetro em 31 de dezembro de 2013. Os contratos dos 18 navios afretados foram assinados entre 2002 e 2012, com taxas que variam de US$ 16 mil a US$ 35,5 mil por dia, e possuem prazos de vigência de 10 a 15 anos, segundo o balanço do ano passado da companhia.
A Transpetro informou que desde 2011, quando o primeiro petroleiro foi entregue, sete novos navios encomendados pela Transpetro a estaleiros nacionais entraram em operação. "Atualmente, o Promef tem 16 navios em diferentes fases de construção, seis deles no estágio de acabamento. Um comboio hidroviário foi entregue, de um total de 20 que serão utilizados para o transporte de etanol pela hidrovia Tietê-Paraná, e 3 estão em construção", disse a Transpetro em nota.
A construção dos comboios tornou-se alvo de uma ação de improbidade administrativa ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF) por supostas fraudes em licitação do Promef Hidrovia. A ação incluiu o presidente da Transpetro, o prefeito de Araçatuba, Cido Sério (PT), nove empresas e mais 16 pessoas. O procurador da República Paulo de Tarso Garcia Astolphi, autor da ação, disse que o MPF recorreu da decisão da Justiça que mandou a causa para o Rio de Janeiro, e o processo aguarda a decisão do recurso.
Já a construção de navios, em contratos bem mais vultuosos do que as barcaças, enfrentou muitos problemas para deslanchar, mas tenta se consolidar. O primeiro navio, o João Cândido, construído no Estaleiro Atlântico Sul (EAS), atrasou prazos e precisou ter grande parte da solda refeita.
No setor, comenta-se que Machado teria atuado nesses anos como "operador" do PMDB e que os navios do Promef custaram mais caro do que no mercado internacional, em parte porque era preciso pagar a instalação de novos estaleiros no país. Em nota, a Transpetro rebateu a informação.
"A Transpetro tem plena certeza da lisura de todos os processos licitatórios que conduziu. Tanto a condução dos processos licitatórios quanto a correta aplicação dos recursos na construção dos navios do Promef é atestada anualmente, desde o início do Programa, pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Em seus relatórios de fiscalização, o Tribunal não encontrou até hoje qualquer indício de irregularidades."
Segundo a Transpetro, em março deste ano o Senado aprovou pedido para que o TCU investigasse especificamente o valor gasto pela Transpetro na construção do navio João Cândido. "Após concluir a investigação, o TCU informou oficialmente ao Congresso Nacional, no último dia 15 de outubro, não ter encontrado nenhum indício de superfaturamento ou irregularidades na aplicação dos valores gastos no Promef", afirmou a Transpetro em nota.
A empresa também afirmou que a comparação "genérica" de valores e custos da indústria naval brasileira com a de outros países que são líderes do setor há várias décadas não é adequada. "Isso porque esses países têm indústrias navais maduras e consolidadas, o que barateia custos de produção. Os custos dos navios do Promef levam em conta a política de conteúdo local estipulada pelo governo e são compatíveis com a realidade do mercado brasileiro - e, como já dito, tendo sido todos auditados e fiscalizados pelos órgãos de controle."
Fonte: Valor Econômico/Francisco Góes, Cláudia Schüffner e Fernando Torres | Do Rio e de São Paulo
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