Sufocada por mais uma das muitas crise de descontinuidade que atingiram o setor desde a década de 1950, quando foi modernamente implantada, a indústria naval brasileira, que entre dezembro de 2014 e abril deste ano reduziu a força de trabalho de 82,5 mil para 29,5 mil empregados, segundo dados do Sindicato Nacional da Indústria de Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval), reclama da falta de uma "política de Estado" que lhe permita funcionar de forma perene.
O pleito foi apresentado durante o seminário "O Futuro da Indústria Naval", realizado pelo Valor na última segunda-feira, no Rio de Janeiro. "Se não tiver uma política de Estado, mas uma política de governo, como sempre aconteceu, a tendência sempre será de a cada governo mudar-se a política, mudar-se a lei. E nós estamos navegando, investindo e morrendo", disse o presidente do Sinaval, Ariovaldo Rocha, durante o painel que abriu o evento.
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De acordo com Rocha, dos 28 estaleiros associados ao Sinaval, 12 estão parados e o maior deles, o Estaleiro Atlântico Sul (EAS), em Pernambuco, corre o risco de parar suas atividades de construção de navios a partir de maio de 2019, quando está prevista a entrega à Transpetro (subsidiária da Petrobras), da última embarcação do tipo aframax de uma encomenda de cinco unidades.
Durante o seminário, o presidente do EAS, Harro Burmann, relatou que a empresa está negociando contratos de manutenção de plataformas da Petrobras, 17 em 2019, para não fechar as portas. Mas o executivo ressaltou que os serviços de manutenção e reparos guardam muito pouca correlação com a atividade de construção naval, começando pela necessidade pequena de mão de obra, e que a construção será efetivamente paralisada se não for contratada nenhuma nova encomenda até outubro deste ano, dadas as características do ciclo de construção de um navio.
A maior esperança do EAS para permanecer ativo na construção está na contratação imediata de navios porta-contêineres para a navegação de cabotagem que, segundo Burmann, já tem projetos de prateleira, permitindo abreviar as etapas iniciais desse ciclo. O presidente do EAS disse ainda que o estaleiro tem hoje 3.300 empregados e está buscando soluções que permitam, em vez de demitir em massa, colocar parte dessa mão de obra em regime de "lay off", espécie de licença sem salário, mas com alguns benefícios, como foi feito recentemente no setor automobilístico.
A expectativa de Burmann quanto à cabotagem está baseada no crescimento do setor, a uma média de 13,1% nos últimos cinco anos, segundo disse o presidente da Associação Brasileira dos Armadores de Cabotagem (Abac), Cleber Lucas, e no fato de já haver no Fundo de Marinha Mercante (FMM), pedidos para financiamentos de oito unidades. O sucesso dessas e de outras contratações ainda depende do aumento das garantias oferecidas ao FMM.
O presidente do EAS disse que a demanda da cabotagem pode vir a ser uma "ponte" para evitar a paralisação geral dos estaleiros de grande porte enquanto não surgem novas contratações em massa, cuja maior esperança está na demanda por navios de posicionamento dinâmico destinados a recolher petróleo nas plataformas de águas profundas do pré-sal. Segundo Hermann Ponte e Silva, diretor do EAS, a demanda nacional por esse tipo de navio representa 84% da global.
O vice-presidente executivo do Sinaval, Sérgio Bacci, entregou a jornalistas um documento que foi encaminhado aos candidatos à Presidência da República nas eleições de outubro. Intitulado "Agenda do Sinaval para as eleições de 2018", o trabalho apresenta dados históricos do setor, sua situação atual, políticas praticadas fora do Brasil e pleitos setoriais ao governo.
Muitos dos estaleiros de grande porte estão paralisados e/ou em processos de recuperação judicial. São os casos da Ecovix (dona do Estaleiro Rio Grande, no Rio Grande do Sul), e do Eisa, no Rio de Janeiro. O Estaleiro Enseada, na Bahia, encontra-se em recuperação extrajudicial.
Grande parte dos problemas do setor decorre da quebra da Sete Brasil, empresa criada para encomendar 28 sondas de perfuração de petróleo para a Petrobras e que também entrou em recuperação judicial. Agora, tenta viabilizar quatro dessas sondas.
O presidente do Sinaval afirmou que a sobrevivência do setor em outras regiões do mundo só é possível graças à continuidade de encomendas, a uma política de conteúdo local adequada e a uma reserva de parte do mercado de cargas marítimas para armadores nacionais. Ele disse que "hoje não tem nenhuma bandeira brasileira", embora haja empresas de CNPJ nacional na cabotagem (subsidiárias de grupos internacionais) e que foram investidos US$ 5 bilhões na construção de estaleiros para atender a uma demanda até 2023, basicamente da Petrobras, o que acabou não sendo o previsto.
Quanto à exigência de conteúdo local na construção, pomo da discórdia recente entre especialistas no Brasil, voltada basicamente para o setor de petróleo e gás, ela chegava a 77% conforme a etapa e o equipamento. No ano passado os números foram revistos para 40% nos equipamentos a serem usados em exploração e produção de campos que foram licitados até 2014 e para 25% nas novas licitações de áreas pela Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP).
Segundo Rocha, com esses números está descartada a chance de se fazer casco de plataforma de petróleo no país. O Sinaval considera que houve quebra de contrato e está buscando ajuda do Tribunal de Contas da União (TCU) para uma saída negociada, não descartando apelar para uma ação judicial. O diretor geral da ANP, Décio Oddone, disse que a política anterior paralisou o setor e o objetivo da mudança foi destravar essa paralisia.
O argumento é de que as plataformas e navios feitos no Brasil são muito caros. Rocha concorda que os preços são mais altos do que na China, mas afirma que o setor já compete com outros grandes centros, como Japão e Coreia do Sul. Segundo cálculo do EAS, um navio de posicionamento dinâmico, aliviador do armazenamento em plataforma, custa lá fora US$ 90 milhões e aqui sairia entre US$ 120 milhões e US$ 125 milhões. Burmann disse que só com a continuidade de obras os custos, que vêm baixando, continuarão a cair.
Fonte: Valor