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Concorrência desleal

Governo estuda regime especial para tornar indústria nacional de petróleo, gás e naval competitiva no mercado global

“A indústria de bens de capital, em geral, enfrenta desafios que estão presentes para diversos setores industriais. Um deles é a elevada carga tributária, ônus tributário alto devido aos custos que as empresas têm para se manterem em dia com o Tesouro público.” O diagnóstico é do presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), Paulo Godoy. Em relação aos fornecedores de bens e serviços para a indústria naval e para os setores de petróleo e gás natural, continua o executivo, é preciso expandir a capacidade de produção e melhorar a tecnologia – seja por desenvolvimento interno ou por absorção de inovações.


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Essas necessidades também têm sido alvo de atenção do governo, que já estuda um regime especial para petróleo e gás. Denominado inicialmente Repeg, o regime envolve vários ministérios como o de Minas e Energia, dos Transportes, do Planejamento, da Fazenda, e está sendo coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic). Iniciados em agosto do ano passado, os estudos ainda não têm previsão de conclusão. “Estamos tendo várias reuniões, é uma ideia que está sendo muito bem trabalhada, mas que nenhum dos ministérios pode garantir quando vai sair. Tudo vai depender das análises e avaliações de toda esplanada”, diz o coordenador-geral das Indústria de Petróleo e Gás e Naval do Mdic, Carlos Eduardo Macedo.

O objetivo do regime é posicionar a indústria de petróleo, gás e naval no mercado global de forma competitiva e sustentável. “Não queremos dar subsídio, queremos de alguma forma igualar as condições das empresas brasileiras vis-à-vis o fornecedor internacional, para que elas tenham competitividade, produtividade e sustentabilidade. Se não buscarmos esses três itens, estaremos fora do mercado. Vamos ser apenas montadores de equipamentos importados”, afirma Macedo.

Com intenção de aumentar o índice de conteúdo local no país, o Repeg poderá auxiliar no aumento de produção dos itens que o país tem capacidade técnica e tecnológica para fornecer. Já nos setores que precisam se desenvolver tecnologicamente, o regime poderá trazer benefícios através de compra de tecnologia ou de parcerias, por exemplo. Segundo Macedo, existem áreas nas quais devem ser investidos recursos para pesquisa e desenvolvimento (P&D), como na de novos equipamentos subsea e tecnologias de perfuração próprias para o pré-sal. “Os tubos que temos hoje não conseguem suportar pressão, salinidade e outros detalhes técnicos, então novos materiais precisam ser desenvolvidos. Temos que ter instrumentos de investimento nessas áreas”, declara.

Sem entrar em detalhes, Macedo afirma que o regime também poderá ter algum viés tributário. “Estaremos também com esse instrumento, procurando dar isonomia tributária para que a concorrência [com fornecedores estrangeiros] seja no mesmo nível”, diz. O Repec poderia trazer alguma alteração nos encargos federais, como o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Programa de Integração Social (PIS), Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e Imposto de Importação (II).

É fato que a elevada carga tributária brasileira onera significativamente os fornecedores e diminui a sua competitividade frente aos concorrentes estrangeiros. Os tributos indiretos incidentes sobre os bens produzidos no país prejudicam ainda mais as empresas. “Tanto o IPI quanto o ICMS incidem na cadeia produtiva como um todo. Há necessidade de uma desoneração que abarque desde o fornecedor da matéria-prima até aquele que industrializa o bem final que está sendo fornecido ao estaleiro”, sugere o advogado Sênior na Law Offices Carl Kincaid, Luiz Régulo.

 

O mestre em Direito Tributário pela PUC de São Paulo e sócio do escritório Mello, Dabus & Rached Advogados, Roberto Rached, lista também o PIS e o Cofins como impostos que fazem com que os produtos importados tenham uma vantagem competitiva em termos tributários. “Esses impostos indiretos, que o contribuinte paga sobre o faturamento da sua empresa, causam um certo descompasso com a indústria internacional”, afirma.

A opinião também é compartilhada pelo advogado tributarista e sócio do escritório Doria, Jacobina, Rosado e Gondinho Advogados, Rodrigo Jacobina. Segundo ele, as contribuições de PIS e Cofins recaem de forma pesada sobre o contribuinte. “Esses tributos têm duas modalidades: uma é a cumulativa, que não permite que se deduza despesas, é extremamente onerosa para qualquer empresa. Esse é um primeiro problema. E mesmo na modalidade não cumulativa, onde se pode deduzir algumas despesas, a Receita Federal é extremamente restritiva, então a empresa acaba tendo uma base tributável alta por conta disso”, afirma.

Em qualquer relação que se faça, serão identificadas despesas que estão direta e indiretamente relacionadas com uma receita. A instituição, exemplifica Jacobina, não discute a dedução do salário dos empregados porque está diretamente ligado à obtenção da receita. No entanto, caso a companhia tenha custos com treinamento de pessoal para fins de desenvolvimento de uma nova tecnologia, a Receita interpreta à sua maneira a necessidade da atividade. “Como não tem lei, ficamos à mercê da interpretação administrativa”, observa.

A identificação do que realmente se tributa no país, do que realmente é lucro para fins de tributação, continua o advogado, é um dos principais entraves que diminui a competitividade brasileira frente a empresas de outros países. Para Jacobina, o Brasil precisa discutir conceitos em vez de alíquotas e incentivos. “O que o Fisco vê como lucro é um valor que ainda está impactado por despesas que deveriam ser deduzidas. O conceito de lucro nas leis tributárias brasileiras é um tanto quanto engordado.”

Microempresas e empresas de pequeno porte, exemplifica Jacobina, geralmente emitem documentos fiscais simplificados, que não permitem a dedução de despesas de PIS e Cofins. Por vezes, é mais vantajoso a um fornecedor pagar um pouco mais caro no insumo de uma grande empresa, porque vai poder deduzir da sua base tributável, do que comprar de um pequeno fornecedor.

Os Estados Unidos, avalia Jacobina, são um exemplo de uma tributação racional. Embora as alíquotas finais não sejam baixas, todas as despesas, desde que comprovadas, são possíveis de serem deduzidas. Um fornecedor de uma jurisdição com uma tributação mais racional que a brasileira na identificação de despesas terá uma planilha de custos mais enxuta que a do fornecedor brasileiro, melhorando assim seu preço.

O regime aduaneiro especial de drawback, que suspende ou elimina tributos incidentes sobre insumos importados para utilização em produto exportado, também é citado como um entrave aos fornecedores brasileiros. “As mercadorias já vêm para o Brasil com todo um incentivo fiscal, prejudicando a nossa indústria no Brasil”, opina. Esse regime concede isenção ou suspensão do II, do  IPI, do ICMS, do AFRMM, além da dispensa do recolhimento de taxas que não correspondam à efetiva contraprestação de serviços, nos termos da legislação em vigor.

Pesquisas que comparam os impostos brasileiros e de outros países apontam que o Brasil tem uma carga tributária equivalente a cerca de 35% do Produto Interno Bruto do país. No entanto, Régulo lembra que existem algumas nações que estão à frente do Brasil no ranking tributário como, por exemplo, Dinamarca e Suécia, que tratam bem suas empresas. “Nestes casos, na maioria das vezes, os serviços prestados pelo Estado são de qualidade e não oneram as indústrias com programas que visam a suprir as necessidades básicas de seus trabalhadores.”

Embora seja uma obrigatoriedade prevista na Constituição, o Brasil não oferece serviços de saúde de qualidade, por exemplo. Daí as empresas arcarem com custos indevidos. “O serviço público em geral não funciona, e aí as empresas oferecem, por exemplo, plano de saúde. É um ônus que ela arca para assumir responsabilidades que seriam do Estado”, reclama.

A tributação norte-americana e a dos países da União Europeia, se comparada com a brasileira, é bem menos pulverizada. Nestas nações são duas as estruturas de impostos: os que incidem sobre a renda e sobre a circulação de mercadorias. Outro ponto importante na questão tributária avaliada pelos advogados está relacionado ao INSS. Segundo Rached, a contribuição previdenciária acrescida dos encargos trabalhistas é muito elevada no Brasil, principalmente em comparação aos países asiáticos. “Com certeza lá fora é mais barato que os 20% atuais do país”, afirma Rached. Luiz Raphael Meyer, associado do escritório Mello, Dabus & Rached Advogados, complementa. “Em países, por exemplo, como a China, não há uma tributação sobre a folha de pagamento”, diz.

Recentemente, o governo anunciou novas medidas tributárias para estimular o crescimento da indústria. Um dos destaques foi a redução de gastos com a folha de pagamentos. Empresas de diversos setores, inclusive o naval, terão os 20% de contribuição patronal do INSS reduzidos a 1%. “É um avanço extremamente positivo”, afirma Rached.

Junto ao Repeg, o governo vem discutindo e reavaliando o Regime Aduaneiro Especial de Exportação e Importação de bens destinados à exploração e à produção de petróleo e gás natural (Repetro). O estudo sobre o regime também foi iniciado no ano passado, pouco antes do Repeg. Segundo Macedo, do Mdic, pelo seu tempo em vigor e a evolução da indústria nacional, o regime necessita de revisões, embora possa não sofrer alterações. “É um regime que está há 15 anos no mercado e as condições de hoje não são as mesmas, então ele tem que ser necessariamente reavaliado, mas não necessariamente tenha que ser mudado. Estamos ouvindo todos os setores e isso demanda tempo”, disse.

O Repetro suspende a exigência de II, IPI, PIS e Cofins, além do AFRMM. Esses tributos permanecem com sua exigibilidade suspensa pelo período de utilização no regime, tendo sua extinção prevista no caso de reexportação dos equipamentos admitidos no regime. Para Jacobina, o regime é uma ferramenta importante para o desenvolvimento da indústria nacional do petróleo e que necessita de uma constante avaliação do governo e dos setores da indústria para contribuir para a sua evolução.

— O regime tem que acompanhar a evolução da indústria. Hoje tem determinados produtos que não são mais admitidos dentro do Repetro, porque a indústria nacional já produz produtos dessa natureza com padrão internacional. Então não tem porque beneficiar o produto importado. Se comparar os itens que podiam ser importados através do Repetro e o que permite hoje, existe uma sensível diferença, que deriva da evolução da indústria nacional”, avalia.

Régulo destaca que a maior beneficiária do Repetro é a Petrobras que, com ele, através de seus contratados, fica desonerada do pagamento proporcional dos impostos que incidem nas admissões temporárias de bens oriundos do exterior. “Com isso, a estatal obtém melhores preços na contratação dos diversos equipamentos e bens que necessita para dar continuidade a seu programa de exploração do pré-sal”, conclui.






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