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Estreia à vista

Construção de navios-sonda no Brasil está próxima de se tornar realidade, mas escassez de mão de obra qualificada ainda é gargalo

Nos estaleiros da Coreia do Sul e de Cingapura, eles já são tradicionais. No entanto, a sua construção no Brasil será algo inédito. E a estreia na produção de navios-sonda do país está próxima de se tornar realidade. Com a necessidade de 40 sondas para águas ultraprofundas, a Petrobras já adquiriu 12 no exterior. As 28 restantes serão construídas no país. Deste montante, sete embarcações serão produzidas no Estaleiro Atlântico Sul (EAS), enquanto que as outras 21 ainda estão em processo licitatório. Apesar das universidades capacitadas e estaleiros em condições de atender a esta demanda, a construção destes navios ainda esbarra na escassez de mão de obra qualificada e na falta de uma cadeia produtiva consolidada.


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Com casco similar ao de uma embarcação tradicional, o navio-sonda tem uma abertura em seu corpo estrutural central, sobre a qual é instalada a torre de perfuração. Já em seu entorno estão instalados os demais equipamentos, comumente chamado de planta de perfuração. Podem manter posição por sistemas de ancoragem, mas as unidades de última geração são dotadas de sistemas de posicionamento dinâmico. O gerente geral de Implementação de Empreendimentos de Unidades de Perfuração Marítima e Construção Naval da Petrobras, Reginaldo Sarcinelli Filho, explica que há muitos anos a engenharia mundial conseguiu solucionar problemas para tornar os navios-sonda embarcações comercialmente viáveis. Entre os principais empecilhos estavam acomodar, tanto no convés quanto nos demais compartimentos de armazenamento, todos os equipamentos necessários à perfuração e garantir a estabilidade do navio e sua capacidade de manter posição em relação ao poço a ser perfurado, mesmo sob condições de mar e vento adversas.

No Brasil, a oportunidade de construção desse tipo de embarcação surgiu com o pré-sal. A Petrobras prevê a construção no país de 28 unidades para atender ao seu programa de perfuração de longo prazo. Em uma primeira licitação, realizada em maio de 2010, o EAS venceu a concorrência para construir sete navios-sonda pelo preço de US$ 4,6 bilhões, equivalente a cerca de US$ 662 milhões por sonda. As outras 21 ainda estão sendo negociadas por uma comissão da estatal diretamente com as duas proponentes, a Ocean Rig e a Sete Brasil.

Além do EAS, outros estaleiros brasileiros existentes têm condições de construir os navios-sonda. O executivo da Petrobras diz que a Ocean Rig apresentou uma proposta junto com o Mauá. Já a Sete BR, adianta Sarcinelli, considera a construção de algumas unidades no estaleiro a ser criado pela Jurong, no Espírito Santo, e também no Enseada do Paraguaçu, na Bahia, no Brasfels, em Angra dos Reis, e no estaleiro Ecovix, de Rio Grande. “Tanto estes estaleiros existentes quanto os potenciais demonstraram condições de atender a este pedido”, afirma.

Um estaleiro convencional é suficiente para construir unidades de perfuração. Não há necessidade de que sejam feitas adaptações. De acordo com o diretor do Centro de Engenharia Naval e Oceânica do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), Carlos Padovezi, o parque deve ser de grande porte. “[O estaleiro] precisa ter equipamentos de movimentação de pesos, grandes pórticos, guindastes e com uma organização e gestão adequadas para construir as sondas com competitividade”, salienta ele, destacando, além dos estaleiros citados por Sarcinelli, o Eisa como um parque em potencial.

O professor e doutor em Engenharia Oceânica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Floriano Pires, destaca que a produção de um petroleiro ou graneleiro é concentrada na construção do casco, requerendo um estaleiro com uma eficiência industrial e rápido processamento de aço. Já um navio-sonda leva mais tempo para ser produzido e requer um perfil de estaleiro semelhante ao de plataformas.

— Não precisa ter estaleiros com capacidade de processamento de aço muito rápido, porque a competitividade se dá mais no produto do que na agilidade do processo, mas é uma engenharia complexa. É necessário que os estaleiros que entrem nesse processo tenham uma engenharia de nível elevado, porque não é o mesmo que fazer uma embarcação tradicional —, diz Pires. Ainda assim, o professor destaca que o país tem experiência na construção de plataformas e que os novos estaleiros que estão sendo anunciados têm condições de fazer os navios.

Pires ressalta ainda que a dispersão geográfica dos estaleiros brasileiros pode prejudicar a consolidação de uma indústria competitiva. Para ele, os polos de construção naval já implantados, como em Suape, em Rio Grande e no Rio de Janeiro, devem receber investimentos e infraestrutura a fim de atrair para essas regiões outros estaleiros, fornecedores e centros de formação de recursos humanos. “Vai dificultar o processo se o Brasil perder a oportunidade de concentrar os investimentos nestes clusters que já são uma realidade e em vez disso espalhar estaleiros isolados em áreas novas”, opina.

 

Para um conjunto de seis ou sete unidades, por contrato, as sondas devem atender a uma meta de conteúdo local para o pacote de perfuração, para o de geração, propulsão e sistema de posicionamento dinâmico, e um global. Para este último quesito, as duas primeiras unidades devem atender a um índice global de 55%. O patamar sobe para 60% na terceira e na quarta, e da quinta em diante o conteúdo deve ser de 65%. A contratação de unidades em série visa a mitigar riscos de prazo na entrega das embarcações e à redução de custos. “Queremos explorar as potencialidades da escala através da utilização de projetos idênticos, da padronização de pacotes de equipamentos e de processos construtivos”, afirma Sarcinelli.

A maior parte dos equipamentos característicos de um navio-sonda não são fabricados no Brasil. De acordo com Sarcinelli, o país não dispõe ainda de tecnologia para produzir a planta de perfuração, por exemplo, porque nunca houve uma demanda que motivasse os empresários a produzirem tais equipamentos de forma competitiva. O executivo ressalta ainda que poucos são os países que o fazem. “Hoje se constrói muita plataforma de perfuração na Coreia, na China, em Cingapura e no Oriente Médio, mas a maior parte dos componentes de perfuração propriamente dito vem de outros lugares, como da Noruega e dos Estados Unidos, e vão para lá para serem montados.”

Pela via da licitação, a Petrobras tenta trazer os fornecedores de subcomponentes destes pacotes para compor a planta de perfuração no Brasil. Isso já estava previsto desde a primeira licitação, que culminou na contratação do primeiro lote de navios-sonda com o EAS. O estaleiro, conta Sarcinelli, é o EPCista, que detém o contrato de engenharia, suprimento e construção, e deve contratar o fornecedor do pacote de perfuração, que fará a instalação Brasil e o comissionamento. Nesta modalidade de licitação para o afretamento das 21 sondas, a Petrobras não tem participação direta na contratação dos estaleiros.

Em relação ao pacote de geração, propulsão e sistema de posicionamento dinâmico (PD), Sarcinelli diz que o país tem condições técnicas de produzir. “Não é um bicho de sete cabeças. Algumas das embarcações de apoio a plataformas offshore que dispõem de sistema de posicionamento dinâmico foram construídas no Brasil. Só não havíamos construído anteriormente unidades de perfuração e/ou unidades de grande porte com posicionamento dinâmico por falta de demanda que motivasse o empresário brasileiro a investir nessa atividade”, argumenta.

A opinião é compartilhada por Pires, da UFRJ. Para ele, a consolidação da cadeia produtiva virá ao longo do processo.“A engenharia brasileira está preparada para fazer isso, mas não se tem escala. As plataformas que já foram feitas aqui são de nível de complexidade similar às sondas, mas ninguém espera que se tenha grandes investimentos em setores produtores de equipamentos antes de se ter uma demanda consolidada”, afirma.

Existe um movimento para se nacionalizar a fabricação do sistema de PD, segundo Padovezi. O diretor do IPT também lembra que o sistema vem do exterior praticamente pronto, inviabilizando a inclusão de componentes que poderiam ser nacionais. Ele diz ainda que a escolha dos equipamentos tem uma ligação direta com o detalhamento do projeto. “O projetista tem suas preferências de equipamentos, e acaba indo em uma determinada direção, mas a maior parte dos sistemas vem da Europa.”

Toda a negociação é realizada entre estaleiros e fornecedores, mas a Petrobras buscou criar uma ambiência para estimular essa construção no Brasil. Sarcinelli destaca o trabalho que a companhia vem fazendo na área de financiamento junto ao BNDES, além de estipular prazos exequíveis para que os estaleiros viabilizem a conclusão das unidades  No pacote de sete embarcações, a primeira delas, explica ele, deve ser entregue em 48 meses, a segunda dez meses após, a terceira oito meses depois e as restantes também a cada oito meses. Em países onde já se tem uma curva de aprendizado específica para este tipo de embarcação e projetos amadurecidos, esse tempo é menor. Em estaleiros da Coreia do Sul, por exemplo, um navio-sonda leva entre 22 e 30 meses para ser entregue.

A Petrobras é atendida por unidades afretadas e os navios-sonda brasileiros, quando concluídos, também terão um contrato de afretamento com a estatal. Apenas duas destas unidades — que serão construídas no EAS — serão operadas pela Petrobras, segundo Sarcinelli. Uma vez que a indústria brasileira já sinalizou que aceita o desafio, assim como o mercado financiador e o governo, além dos fornecedores estrangeiros, agora só falta assinar os contratos, diz Sarcinelli. “Estamos com a faca e o queijo na mão, só falta fazer.”

Para Padovezi, o país tem conseguido atender à construção e fabricação de módulos e integração de sistemas de equipamentos para inserir em plataformas e navios. Sem dificuldades para produzir os cascos, o restante, diz ele, é dependente de um projeto de detalhamento adequado e de uma gestão eficiente de construção. “A possibilidade técnica de fazer no país existe, fica como desafio a forma de desenvolver o processo de produção.” Na avaliação de Pires, a construção das embarcações no país é algo factível, caso haja uma estratégia bem estabelecida em relação à dispersão geográfica dos estaleiros e o investimento na formação de recursos humanos. “É um grande desafio, não temos a medida da dificuldade do processo, mas não é algo inatingível. A indústria brasileira tem condições de fazer e atender essa demanda”.

 

A falta de profissionais capacitados tem sido um gargalo para todo o setor naval. Sarcinelli, da Petrobras, destaca que o fato de ser uma unidade de perfuração não demanda um profissional mais especializado para a operação. “O que falta, no entanto, é pessoal qualificado na quantidade que precisamos. Para acompanhar esses projetos, não tem nada que seja de domínio desconhecido, mas não se formam profissionais nessa quantidade de uma hora para outra”, diz. Este obstáculo, acrescenta o executivo, vem sendo enfrentado também na construção de navios para o Promef.

Na avaliação de Pires, da UFRJ, o número de engenheiros que o Brasil forma atualmente é muito menor que a média de países similares. Além disso, ele ressalta que está havendo um processo rápido de expansão ou de reindustrialização após vários anos em que a engenharia deixou de ser uma profissão atraente para os universitários, uma vez que a indústria naval no país estava paralisada.

— As escolas de engenharia naval tradicionais continuaram trabalhando durante todo o período de crise, mas a demanda dos estudantes se voltou para o setor offshore, que era o que estava em expansão naquela época. Então o Brasil acumulou um déficit significativo na área de tecnologia de processos de engenharia e construção naval —, diz o professor.

Também era comum na época da falta de investimentos na indústria naval que os recém-formados migrassem para outras áreas, lembra Padovezi. “Havia uma grande percentagem de alunos que iam para outras áreas, principalmente a financeira. Hoje percebemos que uma grande parcela dos formados está seguindo para o campo naval. Está havendo uma atração natural por conta desta conjuntura atual da indústria naval, que está atraindo mais gente”.

Sarcinelli acrescenta que o Brasil tem universidades capacitadas para formar profissionais. Além disso, continua ele, a Petrobras mantém cursos internos visando à preparação de seus engenheiros e gestores. Atualmente, a estatal está construindo duas plataformas autoelevatórias no canteiro de São Roque do Paraguaçu. Mesmo com esta escassez de mão de obra, diz ele, a Petrobras e a empresa contratada estão conseguindo capacitar profissionais para a realização do projeto.

— Diante do desafio de se construir em um canteiro de poucos recursos para a construção naval, foram desenvolvidos procedimentos de construção específicos para suprir a indisponibilidade de dique, e as soluções foram desenvolvidas aqui, usando conhecimento de engenharia naval da própria universidade do Rio de Janeiro. E estamos conseguindo equacionar.

As unidades de perfuração em questão foram construídas no canteiro, transferidas posteriormente para uma balsa para depois serem lançadas ao mar. A expectativa é que a primeira unidade seja entregue neste mês de fevereiro e a outra após quatro meses.

Investir em formação de bons centros de pesquisa e manutenção dos existentes é uma das saídas citadas por Pires, da UFRJ, para minimizar o déficit. Ele declara que, apesar de todo o Brasil ter uma engenharia de boa qualidade, ela ainda precisa ser expandida. Independente da solução adotada, o professor diz que este processo tem que ser iniciado rapidamente. “É preciso começar agora através de programa de treinamento, Senai, Prominp, cursos de especialização para engenheiros e treinamento nas empresas para focarem mais em qualificação e formação de seus próprios quadros”, fala.

Padovezi também enfatiza a defasagem entre a necessidade e a oferta de mão de obra no mercado. Este fato tem contribuído para o aumento dos salários e uma maior atração para a área. Para ele, a questão de recursos humanos é a mais demorada para se equacionar. “Com recursos e financiamento, um estaleiro pode ser montado rapidamente. Em paralelo, é preciso formar e instruir pessoal e isso é bem mais demorado.”

Para se incorporar conhecimento tecnológico, continua Padovezi, a importação de mão de obra visando a transferência de tecnologia também é uma forma de acelerar o processo.“Ter um parceiro tecnológico de fora que ofereça possibilidade de trazer processos de produção e conhecimento para instruir essa mão de obra que está aos poucos ficando à disposição do setor é um caminho certo e é o que está sendo praticado atualmente.” Pires, da UFRJ, acrescenta que o Brasil precisa explorar com visão estratégica as parcerias internacionais e que se tenha uma perspectiva de médio e longo prazo. “Não podemos deixar que isso seja apenas uma forma de resolver o problema agora e sim um instrumento para acelerar o processo de qualificação da nossa engenharia”, argumenta.

Entre os objetivos da Petrobras com as parcerias internacionais dos estaleiros e fornecedores está a absorção de tecnologia focada no sistema de posicionamento dinâmico. “Queremos adquirir conhecimento na fabricação de componentes dessa indústria e, com essas metas de conteúdo que estabelecemos, temos condições de absorver”, conclui.






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