Complexas e controversas, as regras atuais de distribuição provocam conflitos federativos há vários anos; e o Paraná está em desvantagem nessa disputa
O Paraná produziu, em dezembro de 2008, 13.089 barris de petróleo e 144 mil metros cúbicos de gás natural. Foram os últimos volumes retirados do mar territorial paranaense, no pequeno campo de Coral, cuja exploração durou pouco menos de seis anos. A derradeira produção proporcionou a distribuição de R$ 63.266,92 em royalties, divididos entre o governo estadual e as prefeituras de 36 municípios do litoral e da Grande Curitiba conforme os critérios de rateio estabelecidos pela Agência Nacional do Petróleo (ANP). Critérios esses que, junto com a polêmica divisão do mar territorial feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), já motivavam uma série de disputas judiciais entre estados e municípios muito antes da contenda em torno da “emenda Ibsen”. Seja qual for a repartição definida no Congresso, a tendência é que esse tipo de conflito se multiplique nos próximos anos, especialmente em razão das cifras bilionárias que, espera-se, vão jorrar das reservas do pré-sal.
“Não há legislação à prova de interpretações jurídicas e liminares. Sempre haverá formas de questionar, e muitas vezes os pleitos são bastante razoáveis e justos. Com mais recursos em jogo, mais interesse terão os municípios e estados, e deve crescer a batalha judicial”, diz José Vicente de Mendonça, professor de Direito do Petróleo da Fundação Getulio Vargas (FGV).
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Fim dos repasses
Cidades do litoral cortam gastos
A última (e minúscula) fração de royalties petrolíferos destinada aos municípios de Matinhos e Guaratuba – os maiores beneficiados no Paraná – foi depositada em fevereiro de 2009, dois meses após o fim da produção no campo de Coral. Desta forma, os atuais prefeitos, que haviam tomado posse no mês anterior, já começaram a gestão sem contar com esses recursos. Não se pode dizer que as duas cidades eram “dependentes” de royalties, como uma série de municípios fluminenses e capixabas onde o peso dessas receitas no orçamento passa de 50%; ainda assim, os recursos fazem falta, dizem secretários municipais.
Em 2008, Matinhos havia recebido R$ 2,1 milhões em royalties, cerca de 5% das receitas municipais naquele ano. Parece pouco, mas esse valor corresponde a mais de 40% da rubrica de investimentos do município em 2010, de R$ 5,2 milhões. “[O valor dos royalties] seria suficiente para fazer todo o trabalho de melhoras paisagísticas na orla”, conta Elisângela Ribeiro, secretária de Finanças. “O jeito é torcer para que algo do pré-sal venha para nós”, acrescenta, em tom de brincadeira.
Em Guaratuba, a compensação equivalia a quase 4% das receitas da prefeitura. O dinheiro que deixou de entrar, de R$ 1,7 milhão por ano, permitiria duplicar os investimentos na recuperação de ruas e prédios públicos, conta o secretário de Infraestrutura, Carlos de Carvalho. “Nosso orçamento para essas obras é de R$ 1,8 milhão. Ou seja, com royalties daria para fazer quase o dobro.”
Perspectivas
Em 2008, a Petrobras apresentou planos de produzir, a partir de 2011 ou 2012, um total de 40 mil barris de petróleo por dia nos campos de Cavalo Marinho, pertencente a Santa Catarina, e Caravela, do Paraná. Volumes superiores aos produzidos em Coral e que, se as regras de rateio não mudarem, podem voltar a irrigar os cofres públicos do litoral paranaense.
Mas os catarinenses quase não dão atenção a essas possibilidades. No estado vizinho, as expectativas estão voltadas ao campo que a Petrobras começa a prospectar até junho. É o SCS-13, que fica 70 quilômetros ao sul de Coral – mas na camada pré-sal. A estatal vinha testando ali a camada pós-sal, mas, nas palavras de seu diretor de Exploração e Produção, Guilherme Estrella, descobriu “uma oportunidade exploratória grande” naquela região.
Mesmo no Sul do país, que sempre produziu volumes irrisórios de petróleo, sobram controvérsias em relação às compensações. Uma das mais antigas começou em 1990, quando Santa Catarina entrou na Justiça reivindicando a posse dos campos descobertos pela Petrobras naquele ano (Coral, Caravela, Estrela do Mar e Cavalo Marinho). Embora todos fiquem “de frente” para o litoral catarinense, apenas o de Cavalo Marinho faz parte do mar territorial do estado – os demais estão em “águas paranaenses”. Vinte anos depois, a pendenga judicial permanece indefinida. E nunca passaram de projetos de lei as inúmeras sugestões de reclassificação do mar territorial apresentadas por paranaenses e catarinenses.
Embarque e desembarque
Mesmo tendo recebido os royalties dos campos de Caravela e Coral, o Paraná não é exatamente um privilegiado nessa questão. No pico da produção, em 2005, Coral produzia perto de 8 mil barris de petróleo por dia, que ao longo do ano garantiram ao estado o repasse de R$ 17,4 milhões. Naquele mesmo ano, cidades catarinenses “não produtoras” receberam juntas R$ 28,5 milhões, em razão de abrigarem ou serem afetadas por instalações de embarque e desembarque de óleo. Pela mesma razão, municípios gaúchos levaram R$ 28,7 milhões.
Parece justo que cidades com esse tipo de instalação recebam royalties. O risco de acidentes ambientais, justificativa comum para o pagamento da compensação, é maior nesses lugares do que, por exemplo, no município de Matinhos – que, a 200 quilômetros de Coral, era o maior “produtor” do Paraná. A definição do que são os tais pontos de embarque e desembarque de óleo, no entanto, é controversa.
O petróleo bruto que chega ao terminal da Transpetro em São Francisco do Sul (SC), por exemplo, segue por oleoduto direto para a Refinaria Presidente Getúlio Vargas (Repar), em Araucária, na região metropolitana de Curitiba, onde é transformado em derivados. Mas, enquanto São Francisco teve direito a R$ 1,6 milhão em março, por movimentar o equivalente a 139 mil barris de petróleo por dia, Araucária não recebe compensação – ainda que receba esse mesmo óleo e, com ele, fabrique cerca de 10% dos derivados vendidos no país. Ironicamente, o maior desastre ambiental da história do Paraná ocorreu na Repar, no trecho final do oleoduto que vem de São Francisco. O vazamento de julho de 2000 espalhou 4 milhões de litros de petróleo por 40 quilômetros no Rio Iguaçu.
Na Grande Porto Alegre, o município de Canoas, que também abriga uma refinaria da Petrobras, não se conformou com os critérios da ANP. Ganhou na Justiça o direito à compensação e, em 2009, recebeu R$ 5,7 milhões. “Não é preciso ser expert em petroquímica para intuir que, havendo refinaria de petróleo, há pelo simples fato embarque e desembarque de petróleo”, afirmou, num dos despachos, o desembargador federal Valdemar Capeletti, do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região.
Fonte: Gazeta do Povo (PR)/Fernando Jasper
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