Com novos projetos, construção naval precisa superar dificuldades e riscos de perda de encomendas >> A demanda para construção de plataformas e para embarcações de apoio marítimo continua alta e deve garantir encomendas nos estaleiros especializados. Por outro lado, o setor se preocupa com a falta de competitividade dos estaleiros dedicados a navios de grande porte. Nos últimos meses, alguns deles demitiram empregados e conviveram com paralisações. As incertezas em relação às entregas aumentam a pressão para que os projetos de novas unidades de construção naval se consolidem e evitem a perda de encomendas para estaleiros estrangeiros.
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Em meados de julho, a direção do estaleiro Eisa (RJ) informou que regularizaria os atrasos nos salários e o tíquete-alimentação de junho dos seus funcionários até o final daquele mês. Até o fechamento desta edição, os funcionários estavam de licença remunerada, aguardando uma resolução do acionista quanto ao retorno de suas atividades. Embora estivesse com suas operações paralisadas, o estaleiro tem uma carteira de encomendas robusta. A direção do Eisa ressaltou que está trabalhando junto a investidores para obter os recursos necessários e retomar suas operações.
— O atraso no pagamento da folha, que até agora somam nove dias, deve-se à dificuldade momentânea de fluxo caixa do estaleiro, por conta principalmente da inadimplência de alguns armadores responsáveis por parte das encomendas ao Eisa — informou o estaleiro por meio de nota, no dia 15 de julho.
A Transpetro possui contratos de compra e venda de navios vigentes com uma Sociedade de Propósito Específico (SPE) criada para a construção dos navios do Programa de Modernização e Expansão da Frota (Promef) no Rio de Janeiro, o Eisa Petro 1, assim como o Eisa, também de propriedade do Grupo Synergy. As obras, no estaleiro Mauá, seguem normalmente.
Também em julho, o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Charqueadas (RS), José Luiz de Carvalho, declarou que o primeiro módulo de compressão de gás em fase de acabamento no estaleiro da Iesa Óleo e Gás foi “condenado” pela Petrobras por não atender aos requisitos técnicos estabelecidos. Na ocasião, Carvalho disse que a crise financeira da empresa atrasa os pagamentos aos fornecedores e faltam matérias-primas, peças e ferramentas para os trabalhadores, que em março fizeram uma greve de quatro dias.
O estaleiro tem contrato com a Petrobras para produzir 24 módulos de compressão de gás para seis plataformas que vão operar no pré-sal da Bacia de Santos. A operação soma US$ 720 milhões e há a opção para a construção de mais oito módulos, o que elevaria a cifra para US$ 911 milhões. As primeiras seis unidades deveriam ser entregues neste mês.
Após reunião no dia 10 de julho, o diretor de engenharia da Petrobras, José Antônio Figueiredo, disse que a companhia está em negociação com a Iesa Óleo & Gás e outra empresa que poderá assumir o polo naval de Jacuí. A expectativa, segundo o secretário de desenvolvimento do Rio Grande do Sul, Mauro Knijnik, é que a operação seja assumida pela construtora Andrade Gutierrez.
O presidente da Câmara Setorial de Equipamentos Navais e de Offshore da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (CSEN/Abimaq), Marcelo Campos, alerta para o risco de estaleiros estrangeiros levarem encomendas brasileiras para seus países. Ele conta que esteve recentemente com uma equipe turca que demonstrou interesse em construir PSV para o Brasil. Campos considera que, atualmente, cerca de cinco estaleiros nacionais dão conta da demanda brasileira para apoio marítimo. No entanto, ele cita que o casco da P-67, um dos oito que seriam construídos no Brasil, veio praticamente pronto da China.
O professor do Departamento de Engenharia naval e Oceânica da Universidade de São Paulo (USP), Rui Carlos Botter, explica que os preços praticados no exterior impedem que os estaleiros brasileiros consigam competir pelas encomendas. O futuro dos estaleiros após a entrega das atuais obras contratadas é considerado incerto por especialistas, que alertam para o perigo de se trabalhar somente com a visão dos contratos com a Petrobras.
O professor observa que novos estaleiros podem não vingar por conta da demora do processo de licenciamento. “Pode haver estaleiros, dentre esses projetos, que não saiam do papel”, diz Botter. Ele acrescenta que o conceito de estaleiro no Brasil ainda está distante dos principais parques de construção naval do mundo.
Botter cita que os estaleiros sul-coreanos formam um cluster que concentra equipamentos, componentes e serviços. “O cluster industrial nesse setor é fantástico e muito longe do que existe no Brasil. Não dá para comparar o que são os estaleiros coreanos e o cluster ao redor deles. Eles fabricam mais de 50 navios por ano. Uma montadora que depende de organização industrial e desenvolvimento regional. Uma série de coisas que não é o exemplo brasileiro”, compara Botter.
Analistas criticam a descentralização dos estaleiros e defendem a consolidação dos polos já existentes: Rio de Janeiro, Santa Catarina, Pernambuco e Rio Grande. O professor de engenharia oceânica da Coppe/UFRJ, Floriano Pires, considera um erro as políticas que teriam colocado a indústria naval como mecanismo de desenvolvimento regional e que descentralizaram a localização dos estaleiros.
Ele aponta para necessidade de ambiente industrial para agregar competitividade e desempenho, a exemplo dos clusters mundiais, regiões que concentram vários segmentos da indústria. “Algumas decisões de localização do passado recente foram tomadas sem a racionalidade econômica e estratégica merecidas. Isso sacrifica a indústria, colocando peso adicional que não é conveniente. Se a indústria não se torna competitiva, não vai desenvolver região nenhuma”, resume Pires, da Coppe/UFRJ.
Apesar disso, Pernambuco, Rio Grande e Santa Catarina são apontados como novos polos que estão se consolidando no país. Para Pires, é consenso do setor que a tendência é de consolidação desses polos, a despeito da pulverização regional. Ele acredita que novos estaleiros fora desses polos seria um tiro no pé. “Financiadores, governo e investidores privados precisam cada vez mais se preocupar com isso. Precisamos ter polos consolidados. Polo envolve requisitos de investimentos, atração de empresas que não vai poder fazer 10 unidades no Brasil, tem que consolidar os existentes”, analisa Pires.
Botter, da USP, acredita que o principal problema da construção naval brasileira seja a falta de organização industrial, e não apenas um problema de mão de obra. Ele diz que os estaleiros brasileiros precisam de produtividade, continuidade de produção e de investimento em tecnologia para reduzir os seus custos progressivamente. Botter defende política de longo prazo de construção naval. O professor acredita que alguns estaleiros vão se consolidar, enquanto outros projetos podem não maturar por conta da demora e das incertezas.
Ele acrescenta que os estaleiros mais atrasados com licença de implantação correm mais riscos de não emplacarem em caso de uma nova política de governo. Ele também é a favor de não descentralizar os estaleiros. “Será que precisamos fazer espalhamento de estaleiros no Brasil inteiro com esta magnitude ou deveríamos concentrar em determinados locais de forma a consolidar a indústria para o resto da vida?”, questiona Botter.
O Estaleiro Jurong Aracruz (EJA) mantém a previsão de concluir suas obras em 2015. Os armazéns para corte de chapas, oficinas de pintura e tubulações estão sendo finalizados. Já a produção de chapas para as acomodações do navio-sonda teve início em maio. A engenharia também está finalizando a construção do quebra-mar sul e do cais sul para recebimento, em setembro, do primeiro navio-sonda do pré-sal brasileiro, cujo casco está vindo de Cingapura para ser construído no estaleiro e entregue à empresa Sete Brasil em junho de 2015. O Arpoador terá capacidade de perfurar até 40 mil pés de profundidade e acomodar uma tripulação de 180 pessoas.
O contrato fechado com a Sete Brasil, no valor de US$ 6,3 bilhões, prevê a construção de sete navios-sonda de perfuração para serem afretados pela Petrobras e operados pelas empresas Odjefell e Seadrill no pré-sal. Para a diretora institucional do EJA, Luciana Sandri, os principais desafios do empreendimento são a burocracia brasileira, o atendimento às condicionantes ambientais e a qualificação de mão de obra local, que conta com polo de metalomecânica do Espírito Santo. Na fase de construção estão sendo gerados dois mil empregos diretos e indiretos. Na fase de operação serão gerados 5,4 mil empregos diretos até agosto de 2016.
Com investimentos da ordem de US$ 500 milhões, o EJA terá capacidade de processar quatro mil toneladas de aço por mês. O empreendimento está sendo construído em uma área de 82,5 hectares no município de Aracruz (ES). O estaleiro fará a integração de FPSO e fabricação de módulos de integração, além de serviços de reparos, modificação e melhorias em embarcações. Na estrutura, será possível efetuar a construção de sondas de perfuração, plataformas, semissubmersíveis, jack-ups e embarcações de suprimentos.
O estaleiro contará com um dique flutuante, um cais de atracagem de um quilômetro e oficinas de casco, para acessórios de tubulação e para aço. “O estaleiro terá estrutura para atender às demandas da Petrobras e também às exigências de clientes internacionais na fabricação de embarcações e estruturas básicas das plataformas de petróleo”, afirma Luciana, do EJA.
A Enseada Indústria Naval (BA) atingiu cerca de 70% das obras para construção de sua unidade Paraguaçu. Em março, o estaleiro finalizou a construção do primeiro cais, que tem capacidade para atracar embarcações com até 210 metros de comprimento e uma área total de 5,2 mil metros quadrados. A obra da oficina de corte e tratamento de chapas de aço está em fase final. Além disso, um guindaste Goliath está sendo montado e estará concluído em agosto. O megaguindaste iniciará a fase de testes e comissionamento em novembro.
O estaleiro tem a previsão de ser inaugurado em 2015, porém já iniciou operações de construção das sondas para exploração do pré-sal. A Enseada fechou contrato com a Sete Brasil para construção de seis sondas de perfuração do pré-sal para a Petrobras. As encomendas na Bahia representam um contrato de US$ 4,8 bilhões. Em plena atividade, o estaleiro poderá processar 36 mil toneladas de aço por ano, trabalhando em regime de turno único, o que permite margem de produção, para fabricação, até simultânea, de diferentes tipos de embarcações, como sondas e FPSOs.
O diretor de relações institucionais e de sustentabilidade do Enseada, Humberto Rangel, afirma que, apesar de estar voltado para atender ao setor de óleo e gás, o estaleiro está tecnicamente habilitado para a construção de qualquer tipo de embarcação, sobretudo navios especializados. Ele também enxerga oportunidades de reparos navais. Rangel destaca ainda o investimento da ordem de US$ 85 milhões para a transferência de tecnologia, por meio de sua acionista Kawasaki.
Os investimentos do estaleiro são da ordem de R$ 2,7 bilhões. “Temos como encomenda seis navios-sonda e trabalharemos nisso até 2020. Estamos em busca de novas atividades também em outros segmentos. Hoje estamos focados no pré-sal, mas a ocupação permanente do estaleiro é nosso grande desafio para os próximos anos”, projeta Rangel.
A segunda unidade do estaleiro Wilson, Sons em Guarujá (SP), o Guarujá 2 completou um ano de operação no primeiro semestre de 2014 projetando, em breve, dobrar a capacidade de produção. O diretor comercial da Wilson, Sons Estaleiros, Matheus Vilela, avalia que o período serviu para aperfeiçoar os processos de fabricação e ampliar a capacidade de atendimento ao mercado, com a construção do dique seco de 140 metros de comprimento por 26 metros de largura. Ele destaca que o estaleiro se tornou opção para encomendas de barcos de médio e grande porte no segmento offshore.
A empresa entende que a habilitação para construção de PLSV, AHTS e ROVSV abre oportunidades para o grupo nesse mercado. “Antes, o tipo de embarcação e o mercado que podíamos buscar era um. Com esse novo estaleiro, a fronteira se amplia muito do ponto de vista de especificação técnica das embarcações”, ressalta Vilela.
A expectativa da Wilson, Sons em relação às novas construções está superando as expectativas. Segundo Vilela, a estratégia da empresa com a nova unidade prevê oferecer um produto confiável a preços competitivos e entregas no prazo. “Escutamos muito o mercado questionar a capacidade de construção no Brasil. A Wilson, Sons está preparada para superar e quebrar esse paradigma”, afirma Vilela.
A empresa aposta na adoção de melhores práticas para ampliar a capacidade de produção. Uma medida é a busca de capacidade adicional à estrutura do estaleiro, por meio de fornecedores com possibilidade de construir parte da embarcação. Do ponto de vista de recursos humanos, a Wilson, Sons mudou a estrutura de gestão do estaleiro. Um exemplo é o fim do cargo de gerente de estrutura e a escalação de uma gerência responsável por ver todo escopo da oficina e entregar um produto final para próxima etapa. Além disso, foram adotadas iniciativas para acelerar os processos de solda. “Temos procurado padronizar projetos. Hoje oferecemos ao mercado PSVS com maior capacidade que conseguem atender a diferentes licitações da Petrobras e de qualquer empresa internacional. Ganhamos celeridade no delineamento desses projetos até a fase de construção e, quando iniciarmos a construção, nossa equipe já estará familiarizada”, explica Vilela.
A Wilson, Sons já entregou 18 PSV. No início, a empresa focava na construção de embarcações do próprio grupo. Atualmente, a empresa tem condições de construir para empresas com dificuldade de construir no Brasil. O estaleiro espera entregar ainda em 2014 um ROVSV (Remotely Operated Vehicle Support Vessel) para a Fugro, além de rebocadores e duas embarcações da Oceanpact, ambas em construção.
Vilela diz que a construção do ROVSV da Fugro é um desafio que agregará para entrega de outras embarcações modernas. Ele destaca que a Wilson Sons entregará embarcação com capacidade para 60 pessoas, com guindaste (offshore crane) que vai a três mil metros de profundidade e, tecnicamente, tão complicada ou ligeiramente mais complicada do que um AHTS 18.000. “Se não tivéssemos construindo o ROVSV, eu acredito que o caminho seria um pouco maior para percorrer”, analisa.
A Wilson, Sons espera a construção naval será beneficiada a médio e longo prazo porque as companhias de petróleo estão buscando soluções mais estruturadas no Brasil para atender às exigências de conteúdo local. “Nosso maior desafio é encorajar cada vez mais os clientes a acreditar que investir em embarcações brasileiras é um bom negócio. Vemos algumas empresas, a maioria com estaleiro próprio, fazendo isso e se diferenciando”, observa Vilela.
Vilela diz que o estaleiro está focado em melhorar a produtividade para alcançar padrões internacionais de construção. “Acreditamos que um cliente encorajado pode encontrar no nosso projeto pacote de soluções que lhe dê todo conforto para investir no país. Estamos prontos para quebrar paradigmas da indústria: entregando embarcações no tempo, com qualidade, respeitando contratos e embarcações pensadas e desenhadas para o cliente final”, ressalta.