A exploração de petróleo na camada pré-sal deu largada a uma corrida bilionária por negócios no setor de infraestrutura petroleira, equipamentos diversos e serviços. Só a Petrobras prevê investir US$ 111,4 bilhões até 2020 na nova fronteira petrolífera nacional. Dados da Organização Nacional da Indústria do Petróleo (Onip) mostram que entre 2009 e 2013, a estatal e demais petroleiras vão destinar cerca de US$ 200 bilhões a toda a atividade - exploração, produção, refino, transporte -, sendo 81% da Petrobras. Só no pré-sal serão aplicados nos próximos cinco anos US$ 45 bilhões desse total.
"O pré-sal cria um conjunto de oportunidades sensacional em termos de escala de produção e pode nos colocar como um dos grandes players do setor no mercado internacional", destaca o diretor geral da Onip, Elói Fernandez. No entanto, ele alerta para o tamanho do desafio. A lista de gargalos inclui alta carga tributária, baixa escala de produção, necessidade de fontes de financiamento e desenvolvimento de tecnologia, além de formação de pessoal.
"Para ser sustentável, deve haver um conjunto de ações para estimular a atividade industrial como um todo, que inclua o desenvolvimento de tecnologia nas empresas, linhas de crédito, estímulo tributário, metas de competitividade e de inserção no mercado internacional, por exemplo", diz Fernandez. Ele avalia que já há no país um parque industrial "fenomenal". O que faltam são ações governamentais para integrar e aproveitar as sinergias desse parque, possibilitando mais escala para que o fornecedor brasileiro se torne um fornecedor global.
Que o pré-sal pode criar um novo padrão de escala e tecnologia para a indústria nacional não se discute. A questão é como. "O Brasil tem condições de ser um dos três polos mundiais de desenvolvimento da indústria do petróleo em dez anos", diz Pedro Cordeiro, sócio da consultoria americana Bain & Company, que fez um estudo para o BNDES sobre o pré-sal. "Mas precisa de uma política de desenvolvimento que contenha os elementos certos."
Dentre esses elementos, ele cita incentivos fiscais e financiamento aos fornecedores locais, subsídios à qualificação de pessoal, apoio à formação de parcerias com empresas estrangeiras com transferência de tecnologia, entre outros pontos. Ele acredita que algum nível de protecionismo da indústria local pode ser importante. "Esse é um ingrediente que tem que ser usado com cuidado. O país não deve fechar o mercado aos estrangeiros mas sim criar facilidades para produtores nacionais."
Cordeiro lembra o exemplo da Noruega e do Reino Unido, que há cerca de trinta anos tinham no Mar do Norte a grande fronteira exploratória. O Reino Unido já contava com grandes petroleiras. A Noruega não. E com os estímulos certos, a Noruega se tornou uma das maiores líderes mundiais do segmento de águas profundas, com uma grande base industrial fornecedora de bens e serviços. Segundo Cordeiro, o Brasil já tem algumas empresas, por exemplo no segmento de tubulações, peças específicas e motores elétricos, capazes de competir em nível mundial, mas o desafio, destaca, é criar um parque industrial de óleo e gás verdadeiramente competitivo globalmente.
Competir globalmente é praticamente um mantra repetido por todos os especialistas do setor de óleo e gás. "Temos uma oportunidade de crescimento única e por isso é importante planejar como país maduro e termos iniciativas coordenadas entre todas as estruturas envolvidas para atender ao pré-sal", salienta o presidente do Conselho de Infraestrutura da Confederação Nacional da Indústria (CNI), José de Freitas Mascarenhas. Ele defende uma articulação de atores envolvidos no pré-sal, como Petrobras, CNI, Onip, BNDES, Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP) para deliberações conjuntas e a definição de uma política industrial que contemple essas necessidades.
A indústria brasileira, diz, já provou ser capaz de atender às necessidades do setor petroleiro, tanto que o índice de nacionalização em plataformas é de cerca de 65% e a tendência é crescer. Por isso, as perspectivas são outras e o volume de encomendas e exigências tecnológicas colocará o país em outra dimensão produtiva em meio a inúmeras questões que afetam a competitividade nacional, como a alta carga tributária, falta de escala e de pessoal qualificado.
Na opinião do ex-diretor geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP), hoje diretor da DZ Negócios com Energia, David Zylbersztajn, o salto tecnológico que será atribuído ao pré-sal equivale ao que ocorreu quando foram descobertas as jazidas de óleo em águas ultraprofundas na Bacia de Campos, nos anos 80, e que para ele, "foram mais importantes". Agora, diz, o país tem desafios tecnológicos que vão desde a extração propriamente dita a grandes profundidades de imensos volumes como a logística de apoio, já que os campos estão a centenas de quilômetros da costa.
Ele vê uma indústria nacional forte, que desde a abertura do setor, com a primeira rodada de licitação da ANP, há cerca de dez anos, vem aumentando o seu grau de nacionalização.
Estima-se em 50 bilhões de barris o volume de reservas da camada pré-sal brasileira. O presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli, fez suas contas e chegou ao valor que a indústria nacional terá de investir para se desenvolver e atender à demanda dos projetos de exploração das novas áreas: cerca de US$ 400 bilhões. É uma montanha de dinheiro que se soma a grandes obstáculos. Zylbersztajn lembra alguns: capacidade de financiamento e a falta de mão de obra qualificada. "O governo poderia dar força às escolas técnicas para formação na área de petróleo, e às agências de fomento e pesquisa, novas linhas de crédito", sugere.
Assim como Fernandez, da Onip, ele destaca que o Brasil não "está saindo do zero" em termos de capacidade de sua indústria. Zylbersztajn lembra que o país tem trunfos importantes, como a área de pesquisa. "Coppe, PUC, Petrobras têm pesquisa de ponta no mundo, mas nenhum país do mundo é ponta em tudo." Ele acha que será um erro se o ritmo de desenvolvimento do pré-sal for ditado pela capacidade da indústria nacional de atender à demanda. "A indústria do petróleo é global. Podemos ter financiamento público para ajudar na globalização das empresas nacionais, mas não podemos politizar ou ideologizar esse processo."
Esse é exatamente um dos campos em que a Petrobras concentra esforços. A estatal tem estimulado o mercado financeiro a lançar fundos de investimentos para apoiar fornecedores da cadeia petroleira. Entre eles estão os Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios (Fidcs) e Fundos de Investimentos em Participações (Fips). Os Fidcs são lastreados nos contratos entre a Petrobras e as empresas fornecedoras. Atualmente existem 14 fundos desse tipo, com capacidade financeira de cerca de R$ 15 bilhões, que foram lançados antes da descoberta de petróleo e gás no pré-sal. Agora, outros devem ser criados diante das necessidades de recursos para o desenvolvimento da produção na nova fronteira petrolífera. BNDES, Caixa Econômica Federal e Banco Modal têm fundos de participação para o setor.
Ciente da nova dimensão de demanda que o pré-sal vai exigir da indústria nacional, a Petrobras também desenvolve algumas novas estratégias, principalmente no que se refere às necessidades tecnológicas. Uma delas é a formação incentivada de associações entre fornecedores brasileiros e estrangeiros, visando a troca de conhecimento e a transferência de expertise internacional para a indústria local. Com isso, a estatal espera que as empresas nacionais obtenham maior economia de escala para atender ao grande volume de encomendas.
Na prática, essas parcerias e a troca de tecnologia acontecerão com o uso de instalações de empresas brasileiras por companhias estrangeiras ou mesmo em novas instalações - que podem nascer de iniciativa individual dos estrangeiros ou a partir de sociedades com fornecedores brasileiros. Um detalhe importante é que haja mobilização de equipes internacionais para trabalhar em contato direto com brasileiros, garantindo a transferência de conhecimento.
A estatal também está mudando sua política de contratações, passando a adquirir grandes famílias de equipamentos, no lugar de licitações divididas por projetos específicos. Desse modo, vai haver ganho de escala junto aos fornecedores e mais agilidade nos prazos de entrega, diante do cronograma complexo dos empreendimentos do pré-sal. Há mais. A Petrobras usará equipamentos padronizados e minimamente customizados, para dar mais rapidez à execução dos projetos, reduzir riscos e custos.
Além dessas medidas, a cadeia doméstica de produção para óleo e gás terá outros apoios. O Programa de Mobilização da Indústria de Petróleo (Prominp), que desde 2003 ajuda a revitalizar o segmento, capacitando fornecedores brasileiros e aumentando o conteúdo nacional nos projetos da Petrobras, vai ser ampliado em virtude do pré-sal. Passará a incluir um plano de desenvolvimento tecnológico, envolvendo universidades, centros de pesquisa, iniciativa privada, setores públicos e fornecedores.
De acordo com a Petrobras, a ideia é ter uma agenda de prioridades comuns, considerando desenvolvimento de recursos humanos, infraestrutura e de tecnologias inéditas para estimular a competitividade tecnológica e o desenvolvimento regional. Em cinco anos de Prominp - que articula governo federal, associações de classe, entidades financeiras, centros de formadores de mão-de-obra e outros da cadeia produtiva de óleo e gás - foram gerados cerca de 87 mil postos de trabalho diretos e 195 mil indiretos.
A expansão do Prominp é uma das frentes de trabalho que foram acertadas com a Petrobras, o governo e a indústria para que o país desenvolva uma base produtiva no setor de óleo e gás competitiva, capaz de atender não só à demanda do pré-sal como também de exportar, em um segundo momento.
De acordo com o gerente executivo do pré-sal da Petrobras, José Formigli, o pré-sal tem sido um mecanismo de incremento do conteúdo nacional em ritmo industrial. E isso é importante para a Petrobras, afirma, porque a disponibilidade de fornecedores no Brasil para atender demandas desse porte pode fazer a diferença. "Fizemos isso no passado e conseguimos resultados excelentes em termos de preços. Para isso, tivemos de dar crédito para que a indústria nacional atingisse esse nível de competitividade, caso contrário ela não teria conseguido."
Ele diz que no pré-sal, como a estatal precisará de um número grande de unidades mesmo depois de 2017, vale a pena criar uma infraestrutura no país capaz de atender a um mercado maior que o atual. "A conversão dos FPSOs (unidades flutuantes que produzem, estocam e escoam óleo) afretados e a construção de novos FPSOs no Brasil é um exemplo de fator indutor para tal implementação de infraestrutura, como o dique seco do Estaleiro Rio Grande. Estamos testando o mercado com as 28 sondas de perfuração, para ver se conseguimos criar mais infraestrutura por conta do crescimento de escala", ressalta Formigli.(Fonte: Jornal do Commercio/RJ/ Simone Goldberg, para o Valor, do Rio)
PUBLICIDADE