O ano de 2013 entrará para a história do mercado de ações brasileiro como o ano do maior pedido de recuperação judicial de uma empresa nacional, a OGX. Também pode ser considerado como um ano de teste de fogo para a lei 11.101/2005, que passou a regular este mecanismo de proteção judicial. Mas não é só isto, o emblemático caso da petroleira, que agora tem menos de cinco meses para se recuperar, dá ao país a oportunidade de mostrar ao mercado que amadureceu na responsabilização dos maus administradores.
Em 2010, o empresário Eike Batista anunciava que dentro de alguns anos sua OGX seria responsável pela produção de 2% do petróleo no mundo. Eike se referia, na época, às grandes descobertas de petróleo que a empresa anunciava, como a que tornou pública por Fato Relevante ao mercado em 14 de outubro de 2009. Segundo o documento, a petroleira do grupo EBX, utilizando novas técnicas, como a exploração em 3D das reservas, estimava que o campo de Vesúvio produziria entre 500 milhões e 1,5 bilhão de barris de óleo recuperável, aquele que pode ser obtido com lucro.
Com a divulgação de Fato Relevante, boa parte das vezes acompanhado de declarações otimistas, as ações da petroleira, responsável pelo maior IPO da história na BMF&Bovespa, subiam, até atingirem o pico histórico de R$ 23,27 em 15 de outubro de 2010, curiosamente depois de mais um Fato Relevante, anunciando outra vez a presença de hidrocarbonetos em um de seus poços.
Quem não informou os investidores sobre as mudanças em seu portfólio descumpriu o código de conduta
O que restou como "nebuloso" na política de relação com os investidores praticada pela empresa foi a falta de celeridade e de disposição com que informava ao mercado sobre seus reveses. Se a companhia anunciou, com otimismo, a descoberta de Vesúvio, foi bastante omissa ao revelar que o bloco não era viável economicamente. Apenas em março de 2013 a OGX, já experimentando dificuldades no mercado, anunciou um plano de reprocessamento sísmico no bloco. Em 03 e 04 de novembro de 2013 a mídia afirmou, baseada em declarações de ex-técnicos da petroleira, que a empresa já sabia que o óleo de Vesúvio não era economicamente viável no final de 2010. Ou seja, mais de dois anos antes de informar aos seus investidores.
Vesúvio não foi um caso único: em 13 de maio de 2010, a OGX anunciou ao mercado ter encontrado de 1,4 a 2,6 bilhões de barris de óleo recuperável na área que deu origem aos campos de Tubarão Areia, Tubarão Gato e Tubarão Tigre. Esta mesma área foi devolvida à ANP, depois que foi divulgado que a empresa notificara o mercado de que não havia tecnologia capaz de explorá-la economicamente, em 1º de julho de 2013. Pior, na primeira semana de junho de 2013, um mês antes do Fato Relevante que informou esta devolução ao mercado, o acionista-controlador da empresa vendeu mais de US$ 60 milhões em ações da OGX, que despencaram com a devolução.
De fato, presume-se que a OGX tinha informações relevantes e que não deu transparência ao mercado, o que seria considerado grave pelas leis que regulam o mercado de capitais.
As melhores políticas empresariais cumprem hoje com o disclosure de informações e preveem mecanismos de compliance, o dever de informar qualquer irregularidade no cumprimento das normas. É assim tanto para bancos quanto para petroleiras. O mercado quer e precisa de um jogo limpo entre empresas e investidores, com informações claras.
Talvez inspirada nisso, a OGX, assim que entrou no Novo Mercado da BM&FBovespa, lançou um Código de Conduta e um Código de Política de divulgação e uso de informações para o Mercado. O primeiro prevê que "o relacionamento com acionistas deve se basear em uma comunicação franca, precisa, equânime, transparente e tempestiva de informações que permitam o acompanhamento e o entendimento das atividades e do desempenho das companhias do Grupo EBX". O segundo diz que "o objetivo da divulgação de Informação Relevante, por meio de Ato ou Fato Relevante, é assegurar aos investidores a disponibilidade, em tempo hábil e de forma clara e equânime, das informações necessárias para as suas decisões de investimento, assegurando a melhor simetria possível na disseminação das informações, evitando-se, desta forma, o uso indevido de informações privilegiadas no mercado de valores mobiliários pelas pessoas que a elas tenham acesso, em proveito próprio ou de terceiros, em detrimento dos investidores em geral, do mercado e da própria Companhia", o que nada mais é do que uma cópia do artigo 157, parágrafo 4, da Lei das Sociedades Anônimas.
É de causar estranheza, portanto, que a própria OGX tenha deixado de lado tanto um quanto o outro. Está claro ao leitor da política de divulgação e uso de informação ao mercado que um Fato Relevante é, por exemplo, "j) mudança na composição do patrimônio da Companhia" ou a "v) modificação de projeções divulgadas pela Companhia". Se a OGX sabia há tanto tempo que suas reservas, principal ativo de uma empresa que tem óleo e gás até no nome, mudaram substancialmente de valor há quase um ano, porque não divulgou um Fato Relevante que informasse adequadamente seus investidores?
Cabe às autoridades investigar, mas aparentemente a OGX foi omissa em pelo menos dois casos que afetaram de maneira substancial seu patrimônio e o de seus investidores e informou a estes seus reveses com quase um ano de atraso (bem diferente dos poucos dias que separavam os Fatos Relevantes que tratavam de descobertas das perfurações dos poços tidos como promissores). Investidores que acreditaram na empresa e nas declarações de seus administradores tiveram perdas substanciais. De qualquer forma, quem deixou de informar em tempo hábil os investidores da empresa a respeito das mudanças substanciais em seu portfólio descumpriu a última recomendação do código de conduta da companhia: "Essa minha atitude me permitirá dormir com tranquilidade?".
Fonte:Valor Econômico/Juliana Oliveira Domingues é professora doutora de Direito Econômico da FDRP/USP/Gustavo Mascarenhas Lacerda Pedrina é graduando pela FDRP/USP
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