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Ouro negro

Referindo-se à divisão da Europa em duas partes logo após o final da Segunda Guerra Mundial, Winston Churchill afirmou que "uma cortina de ferro" havia cortado o continente dando origem à guerra fria. A crescente tensão entre os blocos fez com que cada lado buscasse tecnologias bélicas que melhores condições oferecessem para prevalecer sobre o oponente. Essa corrida impulsionou a ciência e a tecnologia e dali surgiriam grandes inovações que acabariam sendo empregadas para uso civil, como o jato comercial e a internet.

Mas a guerra fria deu lugar a outra corrida, a espacial. Em 1957, a União Soviética lançava o Sputnik, primeiro satélite artificial do mundo. Os Estados Unidos reagiriam colocando o primeiro homem na lua. Anos depois, a corrida se estendeu às estações orbitais e às missões de exploração dos planetas que nos rodeiam.

Petróleo do pré-sal poderá fazer emergir toda uma economia do conhecimento e da inovação no país

A busca pelo desenvolvimento da tecnologia espacial levou os Estados Unidos a criarem fantásticas instituições de pesquisa e indústrias tecnológicas e a liderarem os rankings de registros de patentes. Orientados por muito senso de oportunidade, os americanos redirecionaram suas inovações para o mercado civil e passaram a receber bilhões de dólares pela remuneração das suas patentes e pela venda de produtos e serviços que mudariam para sempre a nossa maneira de viver. De fato, se originam da corrida espacial tecnologias como a transmissão via satélite de televisão e telefonia, GPS, telemedicina, lente de contato, forno de micro-ondas, velcro, fralda descartável, termômetro digital, código de barras, equipamentos sem fio e a frigideira antiaderente.

O Brasil também pode estar prestes a viver a sua corrida espacial. Isto porque está surgindo uma oportunidade que, guardadas as devidas proporções e diferenças de motivação, poderá fazer emergir toda uma economia do conhecimento e da inovação. Trata-se do petróleo do pré-sal. As reservas de óleo na camada pré-sal têm diversas restrições que impossibilitam a sua extração com as tecnologias disponíveis. A jazida está localizada em uma imensa área de 200 quilômetros de largura por 800 quilômetros de extensão, estendendo-se do Espírito Santo até Santa Catarina. As reservas estão a milhares de metros abaixo do nível do mar, sendo necessário ultrapassar uma lâmina d'água de mais de dois quilômetros, uma camada de mais de um quilômetro de sedimentos e outra superior a dois quilômetros de sal.

Além disso, a distância entre a costa e os futuros poços de perfuração é de 300 quilômetros em média, o que aumenta sobremaneira a complexidade logística de transporte de pessoas, equipamentos e óleo. Outras grandes barreiras são a segurança em condições extremas de operação e a tecnologia para se evitarem e mitigarem impactos ambientais.

Seria o pré-sal para o Brasil o que a corrida espacial foi para os Estados Unidos? Não resta dúvida que, do ponto de vista científico e econômico, a exploração do pré-sal é a nossa maior oportunidade de investimentos, avanço tecnológico, adensamento e dinamização de cadeias produtivas. Como ainda não se dominam as tecnologias, abre-se um gigantesco leque de oportunidades de investimentos em conhecimento e avanço industrial. Há grande valor social e justificativa econômica para o fomento dessas atividades, pois tratam-se de atividades novas - atividades de descoberta.

Por isso, o governo deve incentivar e participar com o setor privado nos riscos envolvidos. Essa fronteira de desenvolvimento tem grande potencial de retornos crescentes estáticos e dinâmicos, externalidades, ganhos de produtividade, geração de alto valor agregado e desenvolvimento de capacidades e competências.

Certamente que a produção do óleo e gás proporcionará significativa mudança do patamar do PIB e aumento das receitas públicas. Mas o verdadeiro ouro negro que poderá emergir do pré-sal não é o petróleo, mas as soluções para os desafios científicos e tecnológicos, logísticos e de equipamentos, materiais e serviços requeridos pela cadeia produtiva do setor. Se desenvolvidos pelas universidades e centros de pesquisa no Brasil e absorvidos pela indústria, esses conhecimentos e competências poderão ter efeitos profundos em vários outros setores industriais, com impactos econômicos e sociais sem precedentes.

É preciso que o pré-sal seja visto pela ótica da política econômica estratégica devido aos seus efeitos e implicações para o bem-estar e para a inserção internacional do país. Serão necessários, para tanto, grandes esforços de inteligência, políticas de fomento, geração e transferência de tecnologias e de capacitação das universidades, centros de pesquisa e indústria para que tenham participação ativa no pré-sal e políticas que fomentem o transbordamento dos avanços tecnológicos, industriais e de serviços para outros setores.

Também será preciso mobilização política para integrar o governo, indústria, universidade, legisladores e sociedade civil em torno dessa agenda e adequação do ritmo e formato para permitir e encorajar a participação nacional no desenvolvimento do pré-sal, mas sempre dentro de um marco de competição.

Por fim, para que possamos vencer os desafios tecnológicos, também será preciso vencer os desafios do desenvolvimento institucional e de coordenação e implementação das políticas envolvidas. O maior legado que a nossa geração poderá deixar para as seguintes é a promoção do Brasil à economia do conhecimento e da inovação. Com o pré-sal, essa conquista dependerá, primordialmente, de nós mesmos.

Jorge Arbache é assessor econômico da presidência do BNDES e professor de economia da Universidade de Brasília.

Fernando Arbache é professor de logística e inteligência competitiva da FGV e da HSM Educação. Este artigo não representa, necessariamente, as visões das instituições às quais os autores estão ligados.

Fonte: Valor Econômico/Jorge Arbache e Fernando Arbache






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