Navalshore 2024

Retomada sim, mas sem atropelos

Aquecimento da demanda em estaleiros põe normas de segurança em segundo plano >> Não bastasse o alto risco envolvido na construção e reparo naval, o aquecimento da indústria e o aumento das contratações têm aprofundado problemas de segurança. Nem a criação da norma regulamentadora específica do setor — e os esforços para colocá-la em prática e aperfeiçoá-la — foram suficientes para reduzir de forma expressiva o número de acidentes de trabalho registrados.

“Os prazos exigem celeridade. Na correria, a falta de planejamento leva a negligenciar nas normas de segurança”, expõe o procurador Maurício Coentro Pais de Melo, coordenador da Coordenadoria Nacional do Trabalho Portuário e Aquaviário (Conatpa), ligado ao Ministério Público do Trabalho. Mas a percepção de que houve melhora é grande. “Os casos de produção a qualquer custo vêm sendo combatidos fortemente. Estaleiros com histórico de acidentes e adoecimento ocupacional sempre vão ficar atrás de quem combate fortemente esses percalços”, assegura Marcelo de Carvalho, vice-presidente de relações institucionais do Sindicato Nacional da Indústria de Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval).

Sindicalistas lembram que, ainda que tenha aumentado a notificação, há casos em que, por conta da terceirização do trabalho, os acidentes são registrados em categorias e até estados diferentes dos que abrangem os estaleiros. Para que os números fiquem mais claros e permitam acompanhar de fato a evolução do setor, o grupo que debate a Norma Regulamentadora 34 junto ao Ministério do Trabalho discute a criação de um cadastro paralelo para contabilizar casos.

Enquanto isso, por conta da ação conjunta entre o Ministério do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho (MPT), dois estaleiros no Rio de Janeiro estão interditados e pelo menos outros dois no estado assinaram Termos de Ajuste de Conduta (TACs) para melhorar o ambiente para milhares de trabalhadores. O Rio Nave, contratado pela Transpetro para fabricar cinco navios de carga para derivados de petróleo, teve um acidente que levou à morte um funcionário e foi fechado pela fiscalização. A empresa está na mira do MPT. Já o RioStar, de pequeno porte e voltado para a construção de embarcações de passeio, está prestes a ser fechado.

Em Angra dos Reis (RJ), o Brasfels foi visitado, em outubro, por uma comitiva composta por um juiz e representantes do MTE e MPT, como parte de um processo que analisa irregularidades  relacionadas ao ambiente de trabalho. De acordo com o MPT, foram flagrados desvios durante a visita. “O problema é de controle. Em muitos casos são estaleiros de grande porte e não estão mal intencionados, mas acontece um lapso”, ameniza Maurício Coentro, da Conatpa.

No fim do setembro, o Estaleiro Mauá, em Niterói (RJ), chegou a ser interditado, mas já foi liberado. Luiz Oliveira, coordenador da Comissão de Fábrica do Eisa, destaca a importância da atuação do Ministério do Trabalho e suas autuações. “A maior fiscalização faz pressão sobre as empresas porque obriga ao cumprimento das normas. Não passam mais cinco a dez anos sem visitar o estaleiro. Atualmente, a cada 12 ou 24 meses, eles aparecem. A empresa sabe que, se não cumprir, leva”, calcula. “Hoje onde tem estaleiro tem subseção do MTE para fiscalizar”, concorda Edson Rocha, do Sindicato dos Metalúrgicos de Niterói.

Trabalho em altura, a quente e em espaço confinado são os mais arriscados, em especial quando concomitantes, e configuram os principais focos de acidentes, ainda que regras para preveni-los estejam previstas na NR-34 e em outras, como a NR-33 e NR-35. “Se há acidentes é porque não estão cumprindo com as regras”, salienta Junia Bonfante, procuradora de Justiça do MPT no Rio que acompanha os casos de perto.

Com 82 mil profissionais na ativa e previsão de chegar a 100 mil nos próximos anos, o alerta da indústria naval estaria no nível máximo. Mas a expansão do mercado não precisa significar mais insegurança. A evolução do setor veio acompanhada de parâmetros de segurança. O tempo de exposição, o desenvolvimento de novas atividades e a falta de controle e prevenção influenciam o resultado da equação. A obrigatoriedade de treinamentos para as atividades mais arriscadas é uma das ações para minimizar o impacto da expansão do setor. Sempre que um trabalhador muda de emprego, precisa ser treinado no novo ambiente de trabalho. Caso tenha se capacitado há menos de um ano, é necessário ao menos uma reciclagem. O curso deve ser repetido se houver acidente grave ou fatal.

O número de acidentes de trabalho no setor de construção e de manutenção e reparo de embarcações e estruturas flutuantes resiste a cair, de acordo com os dados da Previdência Social. Levantamento feito pela Portos e Navios no Anuário Estatístico de Acidentes de Trabalho mostra que, na categoria Manutenção e Reparação de Embarcações, composta por atividades voltadas para embarcações e estrutura flutuantes, o período antes (2010) e depois da Norma Regulamentadora (2012) teve queda de 9% no número de acidentes registrados. Na comparação entre 2007, em meio à retomada da indústra naval brasileira, e 2012, último dado disponível, o número de acidentes de trabalho subiu 71,7%.

Já na categoria que engloba a construção de embarcações, cascos e fabricação de peças e acessórios para navios, os acidentes cresceram 109% entre 2007 e 2012. Mesmo tomando-se o intervalo entre 2010, antes da edição da NR-34, e 2012, houve alta de 17,5%, que representa uma pequena queda nominal em relação ao ano anterior (de 2.360, em 2011, para 2.264, no ano seguinte).

Neste caso, ao analisar o total de acidentes, verifica-se que 87,4% do total foram acidentes típicos, isto é, decorrentes da atividade profissional desempenhada pelo acidentado. Os acidentes de trajeto foram 7,7%, e as doenças ocupacionais registradas no anuário representaram 4,8% do total em 2012.

É grande a expectativa pelos números de 2013, que devem mostrar mais claramente o impacto da padronização dos requisitos de segurança nos estaleiros. Para o Sinaval, os acidentes de percurso e doenças ocupacionais não deveriam ser computados. “Existem casos de funcionários que se machucam jogando futebol e são lançados como acidentados”, justifica. Para Marcelo de Carvalho, a forma de apuração deve mudar porque não dá conta da realidade.  Carvalho atesta ainda que ocorrências que eram corriqueiras já não acontecem. “Mas nosso trabalho de combate não pode parar. Acidentes são reflexo da falta de acompanhamento”, reitera.

O estaleiro Rio Nave enfrenta dificuldades diversas e, desde setembro, está parado. A área onde se instalou a partir de 2000 pertence ao antigo estaleiro Caneco e está em disputa entre a massa falida e a Prefeitura do Rio de Janeiro, que quer desapropriá-lo no intuito de criar um distrito industrial naval. A empresa tem contrato de locação até este ano renovável por mais dez, até 2024. A insegurança sobre o terreno se estende a problemas trabalhistas. Em maio, a Justiça ratificou um acordo entre a empresa e o MPT. Entre os 27 itens, estavam exigências sobre segurança para o trabalho em altura, em espaços confinados, oferta e reposição de Equipamentos de Proteção Individual (EPI), atualização e implementação do Programa de Prevenção dos Riscos Ambientais, segurança das instalações elétricas, sobre treinamento para a força de trabalho para combate a incêndio e evacuação dos locais de trabalho. E ainda sobre instalações sanitárias, oferta de água potável e diversas determinações, levando em conta os direitos trabalhistas, como recolhimento de FGTS, adicionais de insalubridade e periculosidade, extensão da jornada de trabalho e períodos de descanso.

Em setembro, no entanto, um trabalhador faleceu em decorrência de explosão com gás confinado, de acordo com o Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro. O acidente ocasionou nova vistoria pelo Ministério do Trabalho e levou à interdição do estaleiro. Foram encontrados problemas que, segundo a Superintendência Regional do Trabalho no Rio de Janeiro, caracterizam grave e iminente risco aos trabalhadores próprios e prestadores de serviço. O descumprimento das normas, adverte a procuradora Bonfante, levará à execução do acordo que prevê multas de até R$ 50 mil.

O RioStar, que constrói lanchas até 120 pés, foi interditado pelo MTE e é alvo de ação civil pública proposta pelo MPT.

O estaleiro Mauá foi fechado temporariamente porque uma visita dos fiscais do trabalho identificou descumprimentos de normas. Andaimes usados na construção de navios não contavam com sapatas que evitam que eles tombem. Ainda havia problemas com instalações elétricas e os cabos de segurança que não estavam fixados de forma correta. Aos problemas ligados ao trabalho em altura se somaram desvios no uso de guindastes. O Mauá, oficialmente Eisa Petro Um, trabalha em encomendas da Transpetro: fabrica embarcações de carga para derivados de petróleo. A empresa assinou um TAC em abril de 2013 por conta de problemas com terceirização da atividade-fim, no pagamento de direitos trabalhistas e também no meio ambiente do trabalho. O documento cita 53 itens, entre eles falta de controle de risco ambiental, de sinalização, problemas em caldeiras. “A situação por lá estava melhorando, até que o estaleiro teve complicações financeiras e veio também a interdição. Mas já retomaram o trabalho e o acordo”, comunica a procuradora do trabalho.

Os termos de ajuste de conduta (TAC), segundo a procuradora Junia Bonfante, são um recurso para contornar a lentidão do Poder Judiciário. “Tento acordos para evitar que as ações caiam na vala comum do Judiciário. A Justiça já está lotada de ações individuais que andam naquele ritmo próprio e não há resposta na velocidade que precisamos”, afirma, ao citar uma ação protocolada seis anos atrás, ainda sem sentença.

Em auditoria realizada em maio de 2013 no Polo Naval de Rio Grande, no Rio Grande do Sul, o MPT firmou também um TAC com a Ecovix sobre o meio ambiente de trabalho. A mesma vistoria deu origem a uma ação civil pública proposta pelo MPT por dano moral coletivo contra a Quip, consórcio formado por Queiroz Galvão, Iesa Óleo e Gás e UTC Engenharia, que trabalhava na construção de plataformas para a Petrobras no mesmo local e teria recusado a negociação de um acordo. “Estaleiros como o Quip são criados para atender a uma demanda. Ele já acabou”, avalia Maurício Coentro, da Conatpa. Para ele, certos consórcios reunidos apenas por encomenda têm dificuldade para fazer um planejamento de segurança eficiente.

O estaleiro da Engevix, contratado para construir cascos de plataformas para a Petrobras, comprometeu-se a corrigir problemas como deficiência na sinalização de segurança e falta de fixação de andaimes.  O Ecovix é um dos casos de estaleiros que conjugam no mesmo espaço obras de construção naval e construção civil. Para Edson Rocha, coordenador da bancada dos trabalhadores na CNTT da NR-34 pela Confederação Nacional dos Metalúrgicos e presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Niterói, essa fórmula eleva muito os riscos para o trabalho.

Os estaleiros que estão sendo construídos e já trabalham para atender a encomendas, exigem uma preparação específica, no olhar de Marcelo Carvalho. “Um exemplo é o Estaleiro Atlântico Sul, em Pernambuco, que foi construído juntamente com a produção. Para atender às normatizações, nesse momento os engenheiros, técnicos de segurança e médicos do trabalho trabalharam em equipe com a construção civil, conjugando a NR-18 com a NR-34”, sustenta. Maurício, do MPT, acredita que o aumento do risco deve ser contrabalançado com maior gestão e qualificação com atenção às normas diferentes. Para Edson Rocha, porém, até a representação sindical fica confusa. “Se há acidente de trabalho, como a Previdência Social vai registrar?” Ele aponta ainda casos de maquiagem, em que empresas terceirizadas de outro setor e que atuam nos estaleiros fazem o registro, prejudicando a estatística. Ele ressalta que o trabalho com movimentação de carga, produtos químicos perigosos e altura não combina com caminhões levantando poeira e barulho de obra.

Embora ainda haja problemas, a impressão geral é de que houve avanços. Antes da NR-34, o principal problema era a aplicação de regras da construção civil na fiscalização dos estaleiros. Com a regulamentação, aumentou o esforço para cumprir o que é negociado nas câmaras da Comissão Nacional Tripartite Temática da NR-34, que trabalha na atualização contínua da regra.  “Aumentar a produtividade e equilibrá-la com preços, prazos e qualidade é um desafio do setor. A saúde e segurança dos trabalhadores têm ligação direta com o aumento da produtividade”, argumenta Marcelo de Carvalho, vice-presidente de Relações Institucionais do Sinaval. Edson Rocha referenda a posição. “Na concorrência, prevalece o que melhor constrói na medida em que os preços se aproximam. O Brasil tende a competir na produtividade, melhorando tecnologia e segurança do trabalho”, analisa ele. Consultadas pela Portos e Navios, as empresas dão testemunho do reforço na cultura de segurança.

A preocupação, concordam todos, é implantar a cultura de segurança com apoio de ferramentas de segurança que gerenciam riscos críticos e monitoram a aplicação das normas. Localizado em Angra dos Reis, o estaleiro Brasfels está sob gestão da Keppel Offshore e Marine desde 2000. Tendo atuado na construção de FPSO, sondas, PSVs e outros, o estaleiro está incrementando sua capacidade com foco no aumento da produtividade para assumir projetos mais complexos. Em 2013, investiu R$ 24 milhões em treinamento, equipamentos e consultorias de segurança. “Estamos empenhados em construir uma forte cultura de segurança e alcançar excelentes performances de SMS”, declara o presidente da Keppels, em nota para a Portos e Navios. O informe diz que funcionários de todos os níveis passam por diferentes treinamentos para cuidar de si e do ambiente de forma pró-ativa.

A Brasfels garante que todos os funcionários operacionais sejam capacitados para a NR-33 (Espaço Confinado) e NR-35 (Trabalho em Altura). Treinamentos de reciclagem são feitos de acordo com os requisitos regulamentares. A empresa destaca ainda o treinamento das lideranças para serem monitores de segurança e a sensibilização para o tema por meio de campanhas, filmes e eventos. Como resultado, a empresa celebrou, em 2014, alguns marcos. Nota do Brasfels indica que em setembro o projeto P-66 alcançou dois milhões de horas-homem sem registro de acidentes com afastamento — sem indicar quantos dias isso representa. Também contou que o FPSO Cidade de Mangaratiba, projeto para a Petrobras, foi concluído sem acidentes com afastamento.

O Estaleiro Jurong Aracruz tem o desafio de iniciar a indústria naval no Espírito Santo. “Os riscos são diferentes das atividades industriais mais comuns no estado. O principal fator no ambiente offshore é a falta de familiaridade com as atividades específicas de construção naval”, conta Lani Tardin, gerente de Segurança, Meio Ambiente e Saúde (SMS) do Estaleiro Jurong Aracruz. Para compensar, além dos treinamentos obrigatórios nas NRs, oferecidos por empresas certificadas e que custam cerca de R$ 20 mil para cada 100 trabalhadores mensalmente, os colaboradores são acompanhados nas primeiras atividades pelo técnico de segurança do trabalho.

Para isso, o Jurong Aracruz mantém contingente acima do exigido pela legislação de técnicos de segurança do trabalho, o que reforça o controle da exposição ao risco. Integrante da CNTT da NR-34, o Jurong Aracruz participa da criação e revisão da regulamentação da segurança do trabalho em estaleiros. Visando às certificações NBR ISO 9001, NBR ISO 14001 e OSHAS 18001, promove capacitação em sistemas de gestão integrada. Pertencente ao Grupo Sembcorp Marine, há 50 anos no mercado internacional, a empresa se empenha para ter a segurança como um valor. “Quando o funcionário se sente parte do contexto, trabalha melhor e mais atento à sua segurança e a dos outros, criando um ambiente mais seguro. Não há qualquer atividade ou serviço mais importante que a integridade do colaborador”, diz a gerente de SMS.

Em meio à implementação das medidas acordadas no Termo de Ajuste de Conduta no ano passado, o Ecovix, em Rio Grande (RS), atua na qualificação de mão de obra para estabelecer um ambiente mais seguro. Roberto Tomiyoshi, superintendente de SMS do estaleiro, indica que, além do cumprimento das normas obrigatórias, a definição do perfil dos profissionais desde a seleção, analisando o aspecto comportamental, é o ponto de partida para estabelecer a cultura de segurança. Conscientização permanente, atividades de reconhecimento e motivação, treinamento e acompanhamento na execução correta das atividades e um sistema de consequência para os desvios de comportamento complementam a estratégia.

Tomiyoshi ressalta que a entrada de um número grande de novos trabalhadores acarreta certo desequilíbrio nos processos produtivos por conta da mudança brusca. Em consequência, há perda de produtividade e impacto na segurança. “A situação em que a demanda pela mão de obra especializada é maior que a oferta requer das empresas investimento na formação destes recursos e, consequentemente, um tempo de aprendizado e experiência, causando neste período um ônus adicional para a gestão de produção, recursos humanos e profissionais de Segurança”, acredita.

O estaleiro Detroit do Brasil, em Itajaí (SC), aposta na premiação da força de trabalho para estimular a cultura de segurança, além de oferecer os treinamentos obrigatórios. Ministrados por seus próprios funcionários qualificados, os cursos obedecem a um calendário anual. São mais de 40 mil horas anuais investidas na capacitação. Também há técnicos de segurança preparados para dar treinamentos de segurança para empregados até sua habilitação e/ou reciclagem para as atividades reguladas. Os líderes têm papel de destaque. “Eles serão multiplicadores da cultura da empresa e são responsáveis por gerar resultado efetivo no dia a dia do estaleiro”, esclarece Fabrício Martins, gerente de SMS do Detroit.

Com 25 mil horas de treinamento em Segurança do Trabalho até setembro de 2014, a Wilson, Sons Estaleiros, instalada em Niterói (RJ) e no Guarujá (SP), investe na prata da casa para disseminar conhecimento e a cultura do comportamento seguro, levada até para a vida particular dos trabalhadores. A estratégia parece bem-sucedida. Luiz Fernando Cardoso, gerente de SMS, relata que a empresa reduziu a taxa de frequência de acidentes entre 2012 e 2013, que ficou em 63,1%, mesmo que o número de trabalhadores tenha crescido.

Ao adotar procedimentos padronizados, o Estaleiro Enseada, em Maragogipe (BA), procura usar sempre uma metodologia que independa do profissional e que preserve os cuidados de segurança. Atualmente, a empresa trabalha na implementação do Sistema de Gestão Integrada e nas adequações para futura certificação nas normas ISO 14001 e OHSAS 18001, de acordo com o gerente de Qualidade, Segurança, Meio Ambiente e Saúde, Cristiano Napoleone.

“Nenhuma norma é ‘estanque’”, lembra Marcelo de Carvalho, coordenador da bancada patronal e da equipe técnica da Comissão Nacional Tripartite Temática na NR-34, composta por empresas, trabalhadores e representantes do governo. Ele destaca que a atualização de outras normas influencia a NR-34. Além das revisões, o grupo trabalhou na criação de novo anexo sobre soluções alternativas, que inclui os avanços tecnológicos dos parceiros internacionais. O anexo, anuncia ele, prevê que “novidades” que venham de fora do país e atendam ao aumento da produtividade com segurança sejam regulamentadas.

Ao longo das reuniões de 2014, nos principais polos navais do país, foram debatidas ainda a revisão do anexo XII da NR-12, que trata de segurança no trabalho em máquinas e equipamentos, no que se refere a trabalhos com cestos suspensos — discussão que se estende desde o ano anterior — e uma mudança na definição e procedimento de trabalho nos Espaços Confinados. Também esteve em pauta um ajuste no item sobre montagem e desmontagem de andaimes. Edson Rocha, da bancada dos trabalhadores, assinala que as brigas homéricas ficaram para trás e o empresariado está mais consciente.

Após debatidas e levadas a consenso na CNTT, a aprovação final das revisões precisa para ser validada na primeira reunião da CTPP (Comissão Tripartite Paritária Permanente), também do MTE, que é responsável pela publicação das normas. O encontro está previsto para fevereiro de 2015.

Uma das revisões da NR foi nos testes de estanqueidade e trabalhos a quente, como soldagem, goivagem, esmerilhamento, cortes e outras que possam gerar aquecimento ou chama. Em vez de trabalhadores qualificados com cursos específicos em instituições reconhecidas do sistema de ensino, desde março de 2013, é preciso apenas ter curso básico sobre o tema, oferecido sob supervisão de profissional habilitado – que é qualificado e tem registro no conselho de classe. A mudança deveu-se à dificuldade de oferecer qualificação no volume necessário.

Outra alteração recente foi nas regras para carpintaria naval. “As dificuldades começam nos materiais. No caso de estaleiros pequenos, a madeira é muito empregada”, recorda Mario Azimovas, da Atem Engenharia. Ele defende a criação de uma ferramenta de controle e gerenciamento de riscos como na NR-18 (Programa de Condições e Meio Ambiente do Trabalho – PCMAT), voltada para estaleiros. A ideia é garantir, com ações preventivas, a integridade física e a saúde do trabalhador ao estabelecer um sistema de gestão em Segurança do Trabalho.

Desde o lançamento da norma, as empresas vêm sendo auditadas e autuadas pelo MTE para garantir seu cumprimento. Com reuniões trimestrais, a Comissão se reuniu pela última vez em Navegantes (SC), de 13 a 16 de outubro. No calendário para o próximo ano estão previstas reuniões em março no Rio de Janeiro; em junho em São Paulo; em setembro será enviada missão de acompanhamento do Mercosul aos estaleiros do Uruguai; e em novembro a reunião será realizada na Bahia.

A forma de cuidar da segurança é uma das mudanças que vêm com as grandes encomendas. “Imagine um estaleiro que antes só construía certo tipo de embarcação. De repente, ele ganha uma licitação de várias embarcações diferentes do habitual. Muda tudo: a metodologia de trabalho, a montagem e utilização de equipamentos, a forma de acesso dos trabalhadores às áreas de trabalho”, pondera Carvalho, do Sinaval. “Ninguém é obrigado a trabalhar em um ambiente que pode te matar”, diz Mario Azimovas, da Atem Engenharia, que promove treinamentos.

A NR-34 preconiza que os trabalhadores devem ser informados sobre os riscos da atividade e as medidas de controle a serem adotadas. Também é obrigatório o treinamento admissional – que independe da rotatividade de trabalhadores. O compromisso com a preparação dos profissionais deveria se refletir em forte investimento na capacitação. No entanto, não é este o sentimento das empresas que oferecem o curso.

— Parte das empresas, infelizmente, não investe como deveria em cumprir as Normas. Ao contratar cursos, estão mais preocupados em escolher o mais barato e esquecem da qualidade do treinamento. Algumas contratam empresas sem registro no CREA e instrutores sem supervisão do Profissional Habilitado. Aí os resultados são catastróficos — alerta Francisco Carlos de Castro, diretor da AC Segurança Empresarial. “Um estaleiro seguro é aquele que combate o acidente na sala de treinamento, não aquele que só se preocupa depois do acidente”, reforça Carvalho.

Desenvolvida a partir de outras normas e adaptada ao universo dos estaleiros, a NR-34 contempla os diferentes riscos relacionados ao trabalho de metalurgia na fabricação e reparo de embarcações. Em vigor desde 2011, a demanda pela capacitação exigida por ela cresce lentamente. A expectativa é de expansão em 2015, em sintonia com a indústria. Segundo Castro, da AC Segurança Empresarial, a cada 300 cursos sobre Trabalho em Altura solicitados, somente três para a norma nova aplicada a estaleiros são pedidos atualmente. Mario Azimovas, da Atem, confirma que a procura ainda é tímida em relação a outros treinamentos.

Como não há órgão de certificação, os cursos de Segurança e Saúde do Trabalho são classificados como “livres” e, supostamente, fiscalizados pelo Ministério da Educação. Nesse cenário, o registro no CREA é uma das ferramentas para aferir a qualidade da capacitação. Os cursos devem ser supervisionados por Profissional Habilitado, o que significa, no caso da NR-34, um engenheiro de Segurança do Trabalho.

Os principais riscos a que o trabalhador fica exposto em um estaleiro são explosões, exposição a poeiras, vapores e/ou gases, trabalho em altura, queda de objetos, choque elétrico, trabalhos com solda e corte, movimentação mecânica de cargas, ruído elevado, pintura e comportamento inseguro. Em espaços confinados nos estaleiros, o perigo se multiplica. Há riscos ergonômicos, de ordem respiratória, para mãos e antebraços, térmica, face e olhos, quedas, entre outros, lista Danilo Oliveira, gerente de Marketing na América Latina para a divisão de proteção corporal da Ansell, player global de soluções em proteção presente no Brasil desde 1996. Os principais Equipamentos de Proteção Individual a serem adotados são respiradores para fumos e névoas, luvas que protejam de abrasão, corte, rasgo, perfurações e temperatura, vestimentas adequadas às temperaturas às quais estão expostos, óculos de proteção e/ou protetores faciais, cinturões e talabartes para prevenir quedas, entre outras soluções individuais e/ou coletivas. Viviani Ribas, coordenadora pedagógica da Shelter Cursos, lembra ainda que existem riscos ligados à condição climática e movimentação de carga. “Mesmo quem não está envolvido na atividade, deve estar em alerta”, ressalta ela.

O empregador responde civil e criminalmente por qualquer sinistro, acidente ou incidente, seja por ações e omissões. Por desconhecimento ou erro de interpretação, no entanto, as empresas correm grandes riscos. Castro, da AC Segurança Empresarial, afirma que há empresas que nomeiam os próprios trabalhadores que estão executando o serviço como Equipe de Resgate, ou casos em que uma única equipe com três resgatistas atende a toda empresa. “Ou constituem a equipe de resgate com um único resgatista. Isso é mais comum do que se imagina”, denuncia. Ele adverte ainda que encontra muitos casos de brigadistas que não passam pela formação integral de 52 horas exigida pelas normas.

Já os treinamentos são aplicados no próprio local de trabalho. Embora seja oferecido no mercado, o ensino a distância — pelo computador — não é compatível com a exigência de capacitação segundo o MTE. “Os cursos devem ser ministrados de acordo com o cenário, os equipamentos e complexidade da unidade. É fundamental que reúna aspectos teóricos e práticos”, orienta Castro, que aponta que pode-se recorrer às salas de aula.

Jonathan Ribeiro, diretor de Negócios e Gestão Estratégica da consultoria Tecnoseg, que oferece a capacitação exigida pela NR-34, conta que os investimentos variam desde um treinamento básico que custa, em média, R$ 3 mil até programas mais completos de Gestão de Segurança que podem chegar a R$ 200 mil. Ele ensina que o desdobramento da norma por meio do desenvolvimento e implementação de um Programa de Gerenciamento de Riscos é o principal ponto a ser observado na prevenção de acidentes. Ele envolve desde um mapeamento, implantação de procedimentos, capacitação de todos os colaboradores (incluindo liderança), auditorias e Programa de Segurança Comportamental. 

Capacitação, entretanto, é apenas parte do trabalho que precisa ser desenvolvido. Nas auditorias do MTE e MPT, ainda são registrados problemas com procedimento de trabalho, ausência ou inadequação dos EPIs e falta de Controle Médico (PCMSO). “Tem que haver gestão de segurança mais eficiente e introduzir no trabalhador a cultura da segurança. Quando ele gera risco para si mesmo, gera para a coletividade dos trabalhadores”, aconselha Coentro, do MPT. “A simples sugestão de mudanças de métodos de trabalho, por si só, é um obstáculo. Gera necessidade de investimentos e algumas quebras de paradigmas. Não adianta nada ministrar um treinamento muito bom se as condições de trabalho são precárias, ou não existe controle com relação aos exames médicos dos trabalhadores”, sentencia Mario Azimovas, da Atem Engenharia.

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