Encontro integra o projeto “Construção Naval Tradicional do Rio Grande, RS, no Século 20”, realizado pelo CCMar
Quem observa Rio Grande, através de uma reflexão comparativa que contraste o contexto do Município na época da construção dos molhes e a realidade atual, impulsionada pelo crescimento econômico acelerado, em virtude do Polo Naval, pode perceber o movimento ascendente que a Noiva do Mar vem percorrendo.
O extremo Sul do Estado sempre teve a pesca como atividade significativa, até mesmo pela condição regional propícia para esse tipo de trabalho. Talvez por influência da colonização portuguesa, e suas grandes navegações, as embarcações daqui sempre desenharam um cenário plástico na Lagoa dos Patos, contribuindo, sobretudo, para a economia do Município e gerando renda para muitas famílias.
Ainda no século 20, os carpinteiros navais eram os responsáveis pela construção dos barcos, trabalhando de forma artesanal, em galpões, aplicando força, esforço e dedicação às estruturas que possibilitariam a navegabilidade. De lá pra cá, de acordo com a história e depoimentos desses profissionais, esse setor foi perdendo mercado. Com o objetivo de reunir alguns dos principais carpinteiros navais da Região Sul do RS, o Centro de Convívio dos Meninos do Mar (CCMar), da Furg, promoveu, no sábado, 9, uma reunião técnica para compartilhar conhecimentos e discutir a construção naval tradicional do Rio Grande, no Estaleiro-Escola do CCMar. "Esse encontro faz parte de um projeto de resgate dessa cultura, que tem por objetivo compartilhar o acúmulo de conhecimento das tecnologias patrimoniais desenvolvidas nos últimos 100 anos. Essa confraternização vem para valorizar a referência histórica da região e estabelecer um diálogo amigável, possibilitando o entendimento da situação em que se encontra a construção naval", disse o oceanólogo Lauro Barcellos, diretor do CCMar.
E nada melhor do que os próprios agentes participativos para contar a história, como o senhor Otto Luiz, morador de Pelotas, carpinteiro há mais de 35 anos. "Naquela época, por volta de 1974, era comum que os jovens fossem estudar no Senai, para aprender alguma atividade que rendesse emprego. Eu procurava o curso de eletricista, mas só tinha vagas para carpintaria. Aceitei o desafio e não me arrependo. Tenho que confessar que foi difícil, pois algumas vezes era preciso usar mais o corpo do que a mente, mas o pensamento sempre foi crescer, e isso me fez nunca desistir", comentou. Otto reconhece que, hoje, o pescador enfrenta necessidades, considerando que a pesca já não é tão fácil e farta como antigamente, mas dá condições de sobrevivência ao trabalhador.
Matheus Santos, 72, natural da ilha dos Marinheiros, carpinteiro há 60 anos, seguiu os passos do pai. "No início, quando comecei, não tinha energia elétrica na ilha. Nós vínhamos de bote comprar a madeira, transportávamos de volta, colocávamos em um caíque, para depois levar manualmente a carga até os galpões. Fazíamos o que chamamos de embarcações costeiras e, não tinha hora, final de semana ou feriado. Trabalhávamos para viver", disse Santos. Para ele, a construção naval artesanal não tem muita perspectiva de futuro, com exceção dos trabalhos de reparo. "A pesca está indo por um rumo triste, em que a natureza vai repondo o que o homem vai destruindo. O ciclo é sempre esse", completou.
O encontro integra o projeto “Construção Naval Tradicional do Rio Grande, RS, no Século 20”, realizado pelo CCMar e patrocinado pela Jan de Nul do Brasil. Cerca de dez jovens, entre 14 e 17 anos, em situação de vulnerabilidade social, participam da construção de um bote de madeira original, do início do século 20. A reunião contou com a participação do engenheiro Ivo Dworschak, vice-presidente do estaleiro Engevix/Ecovix. "Trabalhamos com investimentos gigantescos, em obras que demandam um nível de automação fantástico. Especialmente nesse tipo de projeto, que aproxima o jovem da construção naval, é fundamental o engajamento desses meninos para que eles possam descobrir, por exemplo, como é legal trabalhar em um estaleiro.
A juventude de hoje, acostumada à utilização de softwares com tecnologias de ponta, que passa grandes períodos em lan houses, acomodada no ar-condicionado, precisa perceber que nós trabalhamos com programas tão ou mais avançados do que os jovens estão acostumados", disse o engenheiro. Sobre o encontro com os carpinteiros, Dworshak observou o salto gigantesco que a região vem enfrentando, considerando a cidade como berço da construção artesanal. "Estamos implementando tecnologia de ponta, que farão, em curto prazo, a maior parte dos processos de solda robotizados. Isso não implica em diminuição de mão-de- obra, pelo contrário. Queremos qualificar nossos profissionais para otimizar nossos cronogramas", completou. Segundo Ivo, o estaleiro conta, atualmente, com cerca de 300 funcionários, devendo aumentar esse número, até o final de 2012, para 5000.
Botes do Rio Grande
Mesmo com perspectivas não tão otimistas para carpintaria naval artesanal, o documentário "Botes do Rio Grande" está sendo desenvolvido com o objetivo de manter viva a história peculiar do extremo Sul do Brasil. Durante a reunião, foram feitas gravações audiovisuais que serão inseridas na produção, que mostra o processo de construção da embarcação, desenvolvido pelos jovens participantes do projeto, que leva o nome de Ópera, e simboliza a obra em conjunto.
"É um resgate da construção naval tradicional, para mostrar que essa história não morreu", disse Pablo Bech, coordenador da equipe audiovisual. O material, que começou a ser produzido em 28 de abril, tem estreia prevista para 8 de agosto, e será apresentado no canal Futura. Além disso, serão feitas 500 cópias para distribuição à ONGs e instituições entre outros parceiros.
Fonte: Jornal Agora (RS)/Anelize Kosinski
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