A instalação do estaleiro do grupo EBR, por si só, já significaria uma mudança drástica em São José do Norte. No entanto, a perspectiva é de que se somem ao complexo outros empreendimentos vinculados a segmentos como a mineração, energia eólica e rede hoteleira.
O vice-prefeito de São José do Norte, Francisco Elifalete Xavier, ressalta que a região apresenta hoje condições para um efetivo desenvolvimento econômico. O dirigente enfatiza que o município possui uma vasta área para que outros investimentos sejam instalados na cidade. “São José do Norte vive o início de uma grande revolução socioeconômica”, comemora Xavier.
Na parte eólica, por exemplo, a empresa Epcor Energia realiza a medição de ventos e modela um projeto para a implantação de um parque de 80 MW a 100 MW. A usina, conseguindo comercializar a eletricidade a ser gerada, absorverá um aporte de R$ 350 milhões a R$ 400 milhões. O diretor da companhia, Nilo Quaresma Jr., adianta que a iniciativa disputará um leilão, para tentar vender a energia a ser produzida, ainda neste ano. No campo hoteleiro, o grupo Swan construirá, no entorno do estaleiro, o primeiro hotel de grande porte no município. O edifício terá algo próximo de dez andares. Atualmente, o prédio mais alto de São José do Norte possui apenas três pisos.
Apesar da importância desses empreendimentos, provavelmente o que gere mais expectativas na comunidade, depois do estaleiro, seja o antigo Projeto Bojuru (nome de uma localidade da cidade). O direito da iniciativa foi adquirido pela empresa Rio Grande Mineração. Serão explorados no município os minerais ilmenita e rutilo (substância titânio) e zircão (substancia zircônio). Esses materiais são aproveitados em diversos setores da economia, como nas indústrias de cerâmica, química, entre outras. O gerente administrativo do EBR, Carmelo Gonella, revela que há tratativas da mineradora com o EBR para a utilização das instalações do estaleiro como um porto para escoar os minérios explorados. O dirigente antecipa que se trata de uma ação viável.
O vice-prefeito de São José do Norte admite que esse cenário de crescimento implicará várias demandas em campos como os da educação, saúde, infraestrutura, saneamento, entre outras. Quanto à educação, Xavier diz que está sendo feita a expansão da rede de Ensino Fundamental e Médio. Além disso, deverá ser instalada no município uma escola técnica através do programa Brasil Profissionalizado, do governo federal. No segmento da saúde, o apoio vem por parte do governo estadual para construir um novo hospital. O município também espera o retorno da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) quanto a uma solicitação de R$ 20 milhões para serem aplicados em saneamento básico.
Contudo, em meio a todas essas ações, Xavier e o prefeito de São José do Norte, Zeny dos Santos Oliveira, enfrentam um processo de cassação sob a acusação de gastos ilícitos de recursos para fins eleitorais. A batalha jurídica chegou a deixá-los por três dias fora do governo no mês de dezembro. Hoje, apesar de ambos estarem administrando a cidade, a questão ainda é avaliada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Xavier admite que a situação atrapalha a gestão do município, porém reforça que a intenção é continuar trabalhando e cumprir o mandato.
Projeto prevê desenvolvimento e preservação da história
São José do Norte pode ser considerada como uma preciosidade histórica do Rio Grande do Sul por, entre outros eventos, ter testemunhado batalhas da Revolução Farroupilha e ter recebido dois imperadores. Entretanto, apesar dessa riqueza cultural, são escassos os recursos aplicados nos antigos prédios da cidade. A expectativa é de que a construção naval, com o EBR, não sirva apenas para gerar emprego na região, mas também para recuperar o patrimônio do município.
A licença de instalação do estaleiro prevê medidas compensatórias pelo impacto que a construção acarreta. Entre essas demandas, estão a realização de projetos para restauração e preservação de cinco prédios considerados Patrimônio Histórico estadual, porém, com o investimento na execução de apenas um deles. Os prédios abrangidos são a antiga Intendência, o Solar dos Imperadores, a Igreja Matriz, o cinema Miramar e o farol Atalaia. O secretário estadual da Cultura, Luiz Antonio de Assis Brasil, conforme a assessoria de imprensa da pasta, manifestou preferência pela realização do projeto do Solar.
O presidente do Instituto Histórico e Geográfico de São José do Norte, Fernando Costamilan, comenta que o Solar dos Imperadores foi construído no século XIX. Ali, pernoitou Dom Pedro I, em 1826, para vistoriar as tropas durante a Guerra da Cisplatina. Foi em São José do Norte que o regente recebeu a notícia da morte da imperatriz Maria Leopoldina. Ao término da Revolução Farroupilha, em 1845, foi a vez de Dom Pedro II ficar hospedado na residência.
A escolha sobre qual projeto será executado ainda será debatida, com a participação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (Iphae) e, talvez, em audiências públicas. Em janeiro, Assis Brasil e a diretora do Iphae, Miriam Satori Rodrigues, foram a São José do Norte para acompanhar a situação das edificações. “Visitaram a cidade, mas não dialogaram com a comunidade”, critica Costamilan. O dirigente sustenta que o Iphae precisaria dar mais atenção às necessidades do município. Procurada pela reportagem do
Jornal do Comércio, a assessoria de imprensa da Cultura informou que o secretário prefere não se manifestar sobre o assunto.
O Instituto Histórico e Geográfico de São José do Norte realizou um diagnóstico de demandas culturais da região. O documento aponta a vulnerabilidade do patrimônio arquitetônico. Além disso, propõe apoio à implantação de museus e espaços de memória (envolvendo cultura afro-brasileira, açoriana do Litoral etc) em lugares estratégicos.
O geógrafo e coordenador do projeto Ponto de Cultura Freguesias Litorâneas, Daniel Godoy, foi o autor do relatório. O pesquisador afirma que não se surpreendeu com a confirmação de um grande empreendimento, como o estaleiro, na cidade e a perspectivas de mudanças. “O desenvolvimento industrial ia chegar, mais cedo ou mais tarde, pois a região está planejada há mais de cem anos.” Godoy crê que hoje há maturidade para gerir a situação e possibilitar o crescimento da economia, sem a perda da identidade cultural, se forem tomadas as medidas adequadas para preservá-la.
Fonte: Jornal do Commercio (POA)/Jefferson Klein
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