O Tribunal de Contas da União (TCU) identificou uma série de problemas no processo de revisão do contrato de cessão onerosa, pelo qual o governo repassou à Petrobras o direito de explorar 5 bilhões de barris de petróleo e gás localizados em seis campos do pré-sal. Um relatório técnico apontou riscos de atrasos, litígios e prejuízos para todas as partes envolvidas. O documento deve ser debatido no plenário do TCU no dia 24.
Segundo apurou o Valor, as duas certificadoras internacionais contratadas para calcular os novos valores do contrato se comprometeram a entregar seus números em abril. Com base nesses laudos, o governo, representado pela Agência Nacional do Petróleo (ANP), e a Petrobras iniciarão as negociações do novo contrato. Na primeira versão, assinada em 2010, os 5 bilhões de barris foram orçados em pouco mais de US$ 42,5 bilhões.
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Para se chegar a esse montante, cada barril de óleo equivalente foi estimado à época em US$ 8,51. Agora, as certificadoras usarão estudos técnicos feitos pela Petrobras nos últimos cinco anos para chegar aos valores definitivos. Segundo o TCU, é aí que mora o problema.
A principal crítica é a falta de premissas econômicas robustas para o cálculo do novo valor do barril. De acordo com técnicos que acompanham o processo, os critérios estabelecidos são insuficientes para a elaboração de laudos confiáveis. Diante disso, é grande o risco de as duas certificadoras chegarem a valores muito discrepantes, o que dificultaria a negociação entre o governo e a Petrobras.
"Caso o valor final da revisão não seja respaldado por uma avaliação técnica robusta, que demonstre consistência com o resultado escolhido, a falta de transparência, a desconfiança e as incertezas decorrentes dos moldes contratuais avençados podem comprometer a segurança jurídica do contrato, com prováveis litígios judiciais futuros", diz o documento do TCU.
Se não houver acordo entre Petrobras e ANP, o caso será submetido a um processo de arbitragem pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), formado por ministérios e órgãos de assessoramento do governo. Essa possibilidade é vista com ceticismo pelo TCU, que avalia que o conselho não tem a expertise necessária para arbitrar o tema.
O contrato de cessão onerosa determina que se o novo valor foi superior ao inicialmente estimado, a Petrobras terá que reembolsar a União. O pagamento pode ser feito em dinheiro ou em títulos da dívida pública federal. Outra possibilidade é a estatal abrir mão de uma parte dos 5 bilhões de barris a que tem direito.
Com dois laudos muito discrepantes, alertam técnicos do TCU, a Petrobras poderia ser, novamente, sacrificada em prol do caixa do governo. "A revisão desse contrato será uma nova prova de independência da empresa", definiu uma fonte envolvida no processo.
Pelo que foi estabelecido no contrato de cessão onerosa, o novo preço do barril será igual "à média das cotações de fechamento no mês anterior à data de referência para a revisão do petróleo WTI divulgado pela Bolsa de Nova York". Além disso, está prevista a aplicação de um diferencial em relação às cotações médias do petróleo Brent, negociado em Londres.
O formato não é confuso só para técnicos do TCU. Consultores também relataram dificuldades para chegar ao valor final do barril. No início de 2015, a Petrobras reconheceu que as premissas econômicas mencionadas no contrato "não determinam de forma expressa qual será o marco temporal para fixar o valor a ser utilizado pelos certificadores no fluxo de caixa".
Segundo a empresa, ficou definido que a data de referência deveria ser a da declaração de comercialidade de cada um dos seis blocos incluídos no contrato: Franco, Sul de Tupi, Nordeste de Tupi, Florim, Sul de Guará e Entorno de Iara. Todos receberam a declaração, ou seja, serão, de fato, explorados.
As estimativas atuais apontam que, no total, esses blocos podem abrigar até 20 bilhões de barris equivalentes. Em 2014, o governo decidiu que todo o volume excedente - o que ultrapassar os 5 bilhões de barris da cessão onerosa - será contratado diretamente com a Petrobras. Nesse caso, porém, o modelo adotado será o de partilha - a empresa divide com a União o volume de óleo correspondente ao lucro da operação.
O TCU também viu problemas nessa decisão. No fim de 2014, o plenário acatou medida cautelar do ministro José Jorge (aposentado) que impede o governo de fazer a contratação direta. O Ministério de Minas e Energia recorreu, mas o pedido foi rejeitado pela Secretaria de Recursos do TCU. A matéria está parada no gabinete do ministro Raimundo Carreiro desde setembro do ano passado.
O sentimento no tribunal é de que o assunto só será retomado após a revisão do contrato da cessão onerosa, porque os volumes excedentes podem variar significativamente, caso a Petrobras seja obrigada a reembolsar a União e decida fazê-lo por meio de barris de petróleo e gás.
Fonte: Valor Econômico/Por Murillo Camarotto | De Brasília