O crescimento ininterrupto do Produto Interno Bruto (PIB) do agronegócio nos últimos anos e a boa perspectiva adiante estão sob risco por causa de gargalos logísticos no escoamento da safra e das deficiências no transporte, que não acompanham a revolução tecnológica que acontece porteira adentro, segundo a Confederação Nacional da Agricultura (CNA).
Elisangela Pereira Lopes, assessora técnica da comissão nacional de logística e infraestrutura da CNA, avalia que as próximas safras enfrentarão dois graves problemas. Um refere-se à capacidade dos portos, que, segundo ela, está próxima do nível de saturação. O outro, mais sério, será a interrupção da hidrovia Tietê-Paraná, prevista para julho por causa de crise hídrica.
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Segundo Elisangela, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) já ameaçou interromper o transporte por aquela hidrovia por causa da falta de água, que será revertida para a geração de energia. Ela lembra que em 2013 a paralisação do transporte de 6,5 milhões de toneladas pela Tietê-Paraná provocou prejuízos superiores a R$ 1 bilhão. Hoje, são 12 milhões de toneladas que transitam por ela. “Estamos muito preocupados com a decisão do ONS”, diz a assessora da CNA. Segundo ela, com o nível baixo de água seriam necessárias obras urgentes de dragagem para melhorar trechos do canal, mas o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) só conta com R$ 50 milhões por ano para isso, sendo que as obras exigem pelo menos R$ 300 milhões a cada ano.
A Cargill também elenca a necessidade de melhores condições de navegação em outros rios, como o Madeira, que necessita de dragagem, e o Tapajós e o Amazonas, que precisam de calados mais profundos, melhor sinalização e composições maiores para a escalabilidade, velocidade e custos menores que elevariam a competitividade da produção.
“Ainda mais importante é a profundidade autorizada para navios na saída norte do Amazonas em direção ao Atlântico. Hoje, o rio conta com profundidade de somente 11,7 metros, mas pode ser substancialmente melhorada. Arriscaria dizer que o Brasil perde entre 50 cm e 80 cm de carga/calado devido às incertezas de navegação naquela região”, diz Ricardo Nascimbeni, diretor de supply chain da Cargill no Brasil.
Ele destaca ainda a importância da Ferrogrão (projeto do governo federal) como fator de sustentabilidade e consolidação do Arco Norte (rota de escoamento com destino aos portos da região Norte-Nordeste). “Embora seja difícil estimar um valor, somente a Ferrogrão deve tirar mais de R$ 1 bilhão do custo Brasil por ano, sem contar as vantagens ao meio ambiente, substituindo caminhões por um modal mais eficiente em emissões por tonelada de grãos transportados”, afirma o executivo.
Em relação às rodovias, por onde transitam 85% da produção de soja e milho, a CNA elenca também sérios problemas, principalmente na BR-163 (entre Mato Grosso e Pará), cujas obras de pavimentação não foram concluídas até agora. Cita ainda a falta de pavimentação e terceira via em trechos de subida na BR-242, na região conhecida como Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), e na BR-364, que também exige obras de contorno urbano.
Marcello Costa, secretário nacional de transportes terrestres do Ministério da Infraestrutura, reconhece que o Brasil tem mesmo um “gap” logístico que acaba diminuindo a competitividade do produto nacional. Ele explica que o país tem uma matriz de transporte desequilibrada e incompatível com suas características continentais, por onde 61% da produção industrial e agrícola ainda é transportada por rodovias e apenas 17% por ferrovias.
Costa reconhece que não há recursos públicos suficientes para atender demandas urgentes, tanto em rodovias como em ferrovias. “Este ano, convivemos com um orçamento de R$ 6 bilhões, o menor dos últimos 21 anos. O ministério já teve R$ 20 bilhões por ano, mas não há perspectiva para ter um aumento, e isso tem reflexos. Não tem mágica. Mas mesmo com essas dificuldades temos entregado obras, principalmente as que estavam paradas há dezenas de anos.”
Os gargalos, no entanto, não se resumem ao transporte. Pequenos e médios produtores de grãos apontam a falta de estrutura própria de armazenagem (recepção, secador e silo) para poder gerir sua produção. O alto custo do material necessário para construção (pelo menos R$ 1,5 milhão), além de recursos para equipamentos, é um problema para o produtor rural que se arrasta a décadas, de acordo com Edeon Vaz Ferreira, diretor executivo do Movimento Pró-logística do Mato Grosso, ligado à Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), que representa quase 7,5 mil produtores.
Fonte: Valor