Depois de tentar emplacar o programa BR do Mar, que abre o mercado de cabotagem para estrangeiros, o Ministério da Infraestrutura prepara um programa para estimular a navegação por hidrovias.
Ainda sem um nome definitivo mas apelidado de "BR dos Rios", o projeto deve ficar pronto no início de 2021 para atrair investimentos e ampliar o peso das hidrovias no transporte de cargas.
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Dados da Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) mostram que a navegação interior movimenta 5% das cargas no país. A ideia é que o BR dos Rios possa catapultar esse fluxo para ao menos 8% até 2035.
Para isso, diversos estudos estão em curso e a ideia, segundo Dino Batista, diretor do Departamento de Navegação e Hidrovias do ministério, é elaborar um pacote com medidas legais e administrativas capaz de atrair a iniciativa privada.
O programa poderá buscar investidores para a viabilização de novas hidrovias e a ampliação daquelas já em operação, como Tocantins-Araguaia, Tapajós e São Francisco.
Segundo a Antaq, o país tem cerca de 27,4 mil km de rios navegáveis e outros 15,4 mil km de trechos que, com algum investimento, poderiam se tornar navegáveis. Isso integraria as redes fluviais a portos, rodovias e ferrovias.
"A ideia é estimular cada vez mais esse tipo de transporte e integrá-lo aos demais criando corredores logísticos para baratear os custos de frete", disse Batista.
A hidrovia do Tapajós, que há quatro anos era inexpressiva no transporte de cargas, atingiu neste ano a marca de 11 milhões de toneladas por causa de sua interligação com o último trecho da BR-163, que ficou pronto.
A conclusão da obra permitiu que boa parte da safra do Centro-Oeste siga até Miritituba (PA).
Transposição do São Francisco deve ter leilão cancelado
"Se a Ferrogrão [novo projeto de ferrovia] decolar, e torcemos para que avance, essa hidrovia poderá responder por 42 milhões de toneladas transportadas", afirmou Batista.
A hidrovia do Tapajós tem cerca de 840 km de extensão até a junção dos rios Teles Pires e Juruena, na divisa entre Pará, Amazonas e Mato Grosso. Sua foz, em Santarém (PA), está a 950 km de Belém e a 750 km de Manaus.
O ministério avança em duas frentes para tentar potencializar as hidrovias.
Em uma delas, o Banco Mundial e uma consultoria especializada estão em vias de concluir os estudos para detectar os principais gargalos do modal de transporte. Para isso, foram verificadas leis, atos administrativos e analisados os aspectos econômicos de cada hidrovia.
"Não se trata de um estudo para formatar um plano de exploração econômica, mas um raio-x do que pode ser feito em cada hidrovia", disse Batista.
Em outra frente, técnicos do ministério conduzem estudos de viabilidade econômica tanto na hidrovia do Madeira quanto na do Tapajós.
"Essa avaliação pode levar a um modelo de estruturação para licitação [concessão]. Mas pode apontar também para outros modelos de atração de investimentos, como uma PPP [parceria público-privada] ou busca de sócio."
O ministro Tarcísio de Freitas (Infraestrutura) pretende dar preferência para as hidrovias do São Francisco (que ainda tem 2.700 km de vias que podem se tornar navegáveis), Tocantins-Araguaia (outros 1.300 km a serem explorados) e Mercosul (com mais 2.900 km na bacia do Paraná).
Essas hidrovias foram escolhidas porque o ministro quer priorizar o arco Norte, integrando os centros de produção agrícola a essas vias fluviais rumo aos portos da região.
Para isso, foram escolhidas obras rodoviárias e ferroviárias que possam gerar algum tipo de conexão imediata com as hidrovias. A BR-163 foi uma delas.
Um dos aspectos legais que o BR dos Rios deverá atacar, dando mais segurança jurídica aos investidores, será a relação de uso das águas.
Um dos problemas da hidrovia Tietê-Paraná, por exemplo, é a disputa sobre quem tem preferência nos períodos de seca ao uso da água: hidrelétricas, redes de abastecimento de água ou o transporte fluvial.
Para quem opera barcaças esse é um problema porque, na seca, o rio perde volume (fica menos profundo), o que, diversas vezes, impede o tráfego.
"Não há negócio que se sustente dessa forma. Precisa haver algum acordo sobre isso", disse Batista.
Segundo ele, o ministério começou a primeira rodada de conversas em torno do projeto com associações setoriais envolvidas.
No início do ano, as reuniões serão com as empresas. "Aí teremos uma visão mais específica daquilo que teremos de fazer. É a hora em que separamos os problemas imaginários dos entraves reais. Em grupo, elas ficam temerosas em detalhar suas fragilidades para as concorrentes."
Segundo ele, esse foi o mesmo caminho feito por sua equipe na elaboração do BR do Mar.
"Mas só o caminho é igual, os projetos são completamente diferentes. No BR do Mar o foco estava no afretamento. No BR dos Rios a atenção está em como vamos atrair investimentos para expandir o uso das hidrovias. Pode ser via concessão, PPP, cada caso provavelmente será um caso."
A exemplo do BR do Mar, o BR dos Rios também deverá enfrentar forte resistência dos caminhoneiros, que verão seus fretes reduzidos. Em muitos casos, é mais rápido e econômico despachar cargas pelos rios.
O governo definiu como meta a redução da dependência das rodovias, que hoje respondem por 65% do movimento de cargas até 2035.
Fonte: Folha SP