Mercado livre

Armadores buscam recuperar nível do frete. Empresas compartilham navios gigantes para minimizar custos operacionais - A operação de navios com capacidade acima de 15 mil TEUs em linhas de longo curso está permitindo alternativas para armadores se adaptarem ao cenário econômico mundial pós-crise e à queda no valor dos fretes. Consultores ouvidos pela Portos e Navios observam a regulação do mercado sendo realizada pelas empresas de navegação, que estão transportando suas cargas e de outros armadores em um único navio para reduzir despesas. A prática, segundo acreditam alguns desses especialistas, força a elevação do custo do frete e prejudica a competitividade.

Otávio Amado, executivo de contas da Gatelog Logistics, que possui estrutura no Brasil e rede de agentes internacionais, destaca a flexibilidade do preço dos fretes. À medida que a demanda aumenta, os armadores disponibilizam mais navios nas rotas deles ou colocam navios maiores. Se o volume diminui, os armadores reformulam os serviços e a disponibilidade de navios é menor. Ele lembra que durante a crise desencadeada em 2008 o volume transportado caiu muito e os armadores suspenderam ou seguraram projetos de navios de grande porte que estavam em andamento.

Entre 2011 e 2012, já com demanda se recuperando, navios maiores entraram no mercado e os armadores passaram a dividir menos o espaço nos navios. “Até pouco tempo atrás, a MSC não dividia espaço com ninguém — só entrava carga dela no navio. Hoje, em determinados serviços, a empresa já divide espaço com outros armadores. De acordo com a demanda do mercado, vão colocar ou retirar navios, aumentar ou diminuir o espaço”, resume Amado.

Há alguns anos, ele observa, entre julho e agosto intensificar o movimento dos armadores que trazem cargas da Ásia para o Brasil, compartilhando espaço em navios de terceiros ou próprios. Cinco armadores, por exemplo, podem se juntar e oferecer um serviço semanal, utilizando um único navio. “O espaço diminuiu bastante e já é possível verificar uma pressão por aumento de preço. O armador otimiza o espaço e força o preço a subir porque passa a ter oferta de espaço muito menor no mercado”, afirma Amado.

Uma fonte do setor que preferiu não se identificar observa empresas dispostas a pagar um pouco mais para conseguir embarcar ou obter espaço para sua mercadoria no navio. Ela questiona a mesma base de preço aplicada por diferentes armadores em determinadas épocas do ano. “Oficialmente eles não poderiam ou deveriam fazer isso. A demanda por espaço começa a aumentar. Se aceitar a sobretaxa X, embarca. Se não aceitar, não faz a operação”, diz a fonte.

Nesse raciocínio, se dois armadores anunciam o custo de US$ 300 por contêiner, outro armador cobra, por exemplo, US$ 350/contêiner e outro US$ 280/contêiner, mantendo um patamar próximo. “O que é estranho é que existem sobretaxas cobradas no mercado, cujos valores se não são exatamente os mesmos, eles são muito parecidos”, contesta a fonte.

No passado, essa manobra ocorria livremente. Segundo essa fonte, essa é uma prática comum do mercado atualmente nas linhas Ásia-América do Sul. Ela lembra que existiam conferências marítimas onde os armadores se reuniam para definir quais seriam as políticas do mercado: se iriam entrar ou sair navios; se o preço ia aumentar ou não; e qual a taxa seria aplicada. “Isso foi proibido com o tempo. Legalmente eles não podem fazer”, resume.

Michel Donner, consultor sênior da Drewry Shipping Consultants, avalia que os valores dos fretes no mundo ainda estão pressionados para baixo, em parte, refletindo a crise econômica internacional. Antes de 2009, o crescimento do comércio global era de dois dígitos, depois desacelerou. O excesso da capacidade da frota mercante em geral, sobretudo na área de contêineres, também exerce importante influência nos fretes.

Para adequar a capacidade de oferta ao crescimento no patamar de antes da crise, Donner vê a necessidade de encomendas de novos e maiores navios. Por exemplo, para manter um serviço de linha regular do tipo conteinerizada entre Ásia e norte da Europa, são necessários nove a 10 navios semelhantes. De acordo com o consultor, o tempo para desenhar, encomendar, financiar e construir 10 novos navios varia de três a cinco anos.

— Não se pode, então, atirar pedras em cima dos armadores e culpá-los pelo excesso de capacidade, pelo menos no início da crise. Quem em 2005 poderia antever a crise de 2009? E a volatilidade da recuperação da economia mundial? — avalia Donner. Ele acrescenta que a encomenda de novos navios esfriou, desacelerou, mas não parou.

Diante da volatilidade do valor dos fretes, os armadores buscaram economia de escalas através do aumento do tamanho dos navios. Hoje, existem navios com capacidade de 18 mil TEUs. Esses meganavios foram lançados pela Maersk e outros armadores acompanharam: MSC, CMA-CGM e, recentemente, UASC e China Shipping (CSCL).

Com os navios cada vez maiores, já se fala de futuros navios de 20 mil a 22 mil TEUs de capacidade. Ao mesmo tempo, os armadores estão incorporando aos navios novas tecnologias relacionadas à motorização e consumo de combustível, com intuito de reduzir expressivamente o custo operacional, assim como o impacto ambiental.

A mudança começou na principal rota marítima conteinerizada: Ásia- norte Europa. À medida da chegada de navios gigantes nessa rota, os 'ex-maiores navios' foram deslocados para rotas como Ásia/Oriente-Médio e Transpacífico. Esse fenômeno é chamado de "cascading ships": chegam navios de 18 mil TEUs numa rota, os de 14 mil TEUs vão para outra rota. Os navios de nove mil TEUs que estavam nessa rota, vão para outra rota, e assim em diante.

Entre 2012 e 2013 chegaram à America do Sul navios de até nove mil TEUs. Entretanto, alguns deles já haviam sido concebidos e construídos especificamente para serem operados na rota da América do Sul, como o Sammax, da Maersk (8,7 mil TEUs), e os da série Cap San, da Hambürg-Sud (9,7 mil TEUs).

— O navio maior, na prática, permite ao armador fazer uma operação de transbordo. Ao invés de o armador levar o navio da Ásia direto para o Rio de Janeiro, ele passa com o navio na Europa, carrega o volume que ele teria de lá para o Brasil e precisaria de um navio para tirar de lá para trazer para cá. Usa esse navio grande para trazer o volume da Ásia e da Europa para o Brasil, por exemplo. Com isso, otimiza o custo — explica Amado, da Gatelog Logistics.

De acordo com Donner, os fretes dos contêineres de 40 pés nas rotas Leste-Oeste registram pico de US$ 3,2 mil, ante um mínimo de US$ 1,3 mil. No período 2012-2013, o frete China-Santos alcançou mínimo de US$ 2,3 mil e máxima de US$ 4,5 mil. O frete Santos-China, no mesmo período, variou entre US$ 1,25 mil e US$ 1,6 mil. O frete Leste-Oeste alcançou US$ 2,7 mil, ante o mínimo de US$ 1,7 mil, na mesma base de comparação. Donner esclarece que essas comparações são aproximativas e que, por alto, o frete de importação sai mais caro do que a média Leste-Oeste, e mais baixo na exportação do Brasil.

Antes da crise de 2008, o frete alcançou a faixa de US$ 4 mil por contêiner. Hoje em dia, é possível encontrar frete na faixa de US$ 700 a US$ 800/contêiner. “Alguns armadores dizem que ganharam muito dinheiro nessa época e que hoje conseguem, de certa forma, figurar essa baixa nos preços por conta dessa lucratividade que eles tiveram nesse passado não muito distante. De certa forma, é de onde eles estão tirando o capital para se bancar. Estão pressionando cada vez mais para o preço subir”, revela uma fonte que já trabalhou num armador.

O objetivo, diz essa fonte, é tentar chegar o mais próximo possível do patamar pré-crise. Ela lembra que a Polícia Federal brasileira já investigou a possibilidade de existir cartel entre alguns armadores, interferindo nos fretes e tarifas. “Na prática, observa-se que as tarifas não são muito diferentes uma das outras. Os preços e as sobretaxas são muito parecidos. Dizem que essas conversas que existiam no passado entre as cúpulas continuam existindo por debaixo dos panos”, conclui a fonte.

O preço do combustível influencia bastante no preço do frete e nas tarifas, ao mesmo tempo que as sazonalidades de mercado. O recebimento de mercadorias para o comércio no Natal, por exemplo, interfere na formação de preços. O frete acaba impactando muito e diretamente, principalmente porque esse custo entra para cálculo de muitos impostos.

Amado, da Gatelog Logistics, lembra que os portos brasileiros não têm capacidade para operar navios desse porte, principalmente pela limitação de calado. Em 2005/2006, houve alguns movimentos de armadores operando no porto de Itaguaí (RJ) porque, na época, o porto do Rio de Janeiro não tinha calado suficiente para receber os navios. “Desde lá, o governo realizou investimentos e dragagens, mas os navios maiores ainda não conseguem operar aqui”, conta Amado.

Outro gargalo é a infraestrutura portuária. Segundo Amado, muitos terminais brasileiros não conseguem dar conta de navios muito grandes. Ele acredita que a limitação acontece porque não há espaço para armazenar as cargas, assim como pessoas e maquinário suficiente para operar navios.

Para o consultor Fábio Souza, da Make Consultores, a falta de estrutura trouxe transtornos ao porto do Rio por conta da incapacidade de receber navios de grande escala. “O calado atual do porto não comporta. Tem ido muita carga para Sepetiba, que tem a vantagem do frete competitivo, mas uma dificuldade maior em relação à tratativa que a Receita dá para os clientes: pouco acesso, poucos fiscais para atendimento, o que traz um certo desconforto de operar Ásia-Sepetiba”, analisa Souza.

Ele conta que muitos armadores de ‘primeira linha’ retiraram a operação de cargas do Rio de Janeiro e foram para Santos, sem prévio aviso. De acordo com o consultor, o porto do Rio fica com armadores de ‘segunda linha’. “São armadores menores e dificultam bastante cumprirmos o deadline com o cliente e o que vendemos. É um momento crítico do mercado, principalmente a Ásia”, analisa Souza.

— Isso é uma influência, mas se tivéssemos qualidade operacional de atendimento, se o porto do Rio de Janeiro tivesse condições de receber de forma melhor as cargas e tivesse uma logística melhor, com certeza, seríamos mais competitivos e haveria mais possibilidade de atender mais a demanda de contêiner, fazendo com que talvez reduzisse o frete — acredita Souza.

Próximo ao fim do ano, os armadores que operam linhas na América do Sul cobram o GRI (General Rate Increase, em inglês) — um aumento no frete que vem sendo anunciado há algum tempo. Anualmente, entre agosto e novembro, os armadores cobram uma taxa adicional ao frete porque existe uma demanda muito grande no final do ano.

Para Souza, as empresas de navegação aproveitam que existe um pedido muito maior de volumes de importação e elas acabam cobrando tarifa abusiva em relação ao que é acordado. “Um contêiner de 40 pés, por exemplo, que custava US$ 1,6 mil a US$ 1,9 mil no trajeto Ásia – Rio passa para US$ 2,4 mil a US$ 2,6 mil, por causa do GRI. É um monopólio. Todos os armadores se reúnem e definem quanto vai ser cobrado”, afirma.

O consultor e presidente do conselho da Logz Logística Brasil, Nelson Carlini, estima que 16 das 20 maiores empresas mundiais já estejam presentes no Brasil. Segundo Carlini, nenhuma empresa que opera granéis possui mais de 5% do mercado, enquanto, no caso dos contêineres, existem empresas concentrando as operações de 17% da demanda.

De acordo com o consultor, o frete hoje é 20% a 25% mais baixo do que já foi em décadas anteriores. Carlini atribui essa queda ao aumento do tamanho dos navios e à melhoria da infraestrutura dos portos no mundo, inclusive no Brasil. Ele conta que há alguns anos havia menos competitividade devido à existência de ‘cartéis autorizados’, onde quatro a cinco empresas controlavam as exportações e importações.

Naquela época, havia poucas rotas e empresas de navegação no Brasil. Atualmente, a rota Brasil-China, por exemplo, possui escala semanal. Além disso, ele destaca que os maiores portos do mundo já recebem navios com mais de 18 mil TEUs de capacidade. “Melhorou imensamente. Quando o mercado cresce muito ele fica mais dinâmico. Temos escalas semanais para todos os cantos da terra, com três a quatro saídas para o mesmo destino por semana e o frete caiu”, resume Carlini.

O professor Jovelino Pires, coordenador da Câmara de Logística Integrada da Associação de Comércio Exterior do Brasil (CLI/AEB), ressalta que a formação do preço de exportação dos produtos brasileiros é feita, geralmente, na modalidade free on board (FOB), quando o frete fica a cargo do comprador. Ele diz que esse aspecto está associado a outra questão: a falta de marinha mercante do país.

O coordenador da CLI/AEB diz que os navios de grande porte têm que ser considerados para operações em hub ports, onde existem condições de calado, estrutura portuária e acesso por terra para distribuição e fluxo de cargas. Pires cita o porto de Sines, em Portugal, onde são movimentados navios com mais de 14 mil TEUs. Ele destaca que lá existe calado apropriado e estrutura portuária com acesso a rodovias e ferrovias. Já portos como o de Leixões, também em Portugal, são utilizados pelos portugueses para operações de cabotagem. “Outro aspecto que pesa, inclusive, é a simplificação que permite carregar e descarregar cargas sem procedimentos burocráticos, como lamentavelmente é prática em nosso país. Tempo é dinheiro”, compara Pires.

Segundo o professor, o tempo de viagem para descarregar e carregar, além do excesso de órgãos anuentes dentro dos portos, estão entre os principais fatores que oneram a movimentação da carga nos portos brasileiros. Ele ressalta que essas questões são mais impactantes que o custo de distâncias.

Um levantamento recente feito a pedido da CLI/AEB aponta a possibilidade de redução no tempo de alguns procedimentos de desembaraço que reduziriam o preço de transporte. O professor Jovelino Pires lembra que o custo do navio gira em torno de US$ 60 mil por dia.

O gerente de exportação da Calçados Wirth, Gilmar Weber, explica que o preço do frete nos custos dos exportadores de calçados é calculado percentualmente sobre o preço final do produto. Para os embarques marítimos em Rio Grande (RS), o percentual é da ordem de 2,5% sobre o preço dos produtos, contra 3% em Santos (SP). Quando a venda efetivada é FOB, representa 1,5% sobre o preço da mercadoria.

Nos fretes internacionais vendidas sob CIF (fornecedor é responsável por todos os custos e riscos com a entrega da mercadoria), o valor agregado do frete é adicionado na ordem de 2,1% sobre preço FOB. Fundada em 1948, a Wirth tem sua sede na cidade de Dois Irmãos, no Rio Grande do Sul. A empresa exporta seus calçados para Síria, Líbia e também Arábia Saudita, seu maior mercado na região.

Em 2012, a indústria calçadista brasileira amargou o pior resultado em 25 anos nas exportações. O valor chegou a US$ 1,09 bilhão, 15,7% inferior ao registrado em 2011 e abaixo dos US$ 2 bilhões que os calçadistas chegaram a exportar em outras épocas. Os principais destinos, ao longo de 2012, foram: Estados Unidos, Argentina, França e Bolívia. Por outro lado, as importações cresceram 19% no ano passado, chegando a US$ 508,56 milhões.

O presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Heitor Klein, diz que os principais desafios para o desenvolvimento das exportações brasileiras passam por condições de competitividade mais favoráveis. Ele aponta problemas de ordem econômica, como a alta carga tributária, os problemas logísticos, a oscilação cambial, a concorrência desleal com produtos asiáticos e a crise nos principais mercados mundiais influenciando negativamente as exportações de calçados. “Do ponto de vista da indústria nacional, em termos de qualidade, design e atualização nos termos da moda mundial, não existem problemas que atravanquem o desempenho além-fronteiras”, pondera Klein.

Carlini, da Logz Logística Brasil, diz que o mercado de fretes não é fechado, sendo guiado livremente pela oferta e pela demanda. “Não existe escassez de navio, existe um mercado livre, dependente dos volumes mundiais”, analisa Carlini. No caso do granel, ele identifica o preço derivado diretamente da infraestrutura brasileira, enquanto os armadores que operam contêineres precisam de muito volume para sobreviver nesse mercado.

Essas empresas têm escalas mundiais e precisam ter volume para justificar a frota e poder ter equilíbrio das linhas. “Quando o armador opera granéis, ele pode ter cinco, três, até um navio e sobreviver otimizando a operação dele. No caso dos contêineres, o armador precisa ofertar para os clientes origens e destinos”, compara Carlini.

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