Enquanto o Brasil ainda se pergunta sobre a origem do derramamento de petróleo que atingiu praias, rios e mangues de 11 estados este ano, a Baía de Guanabara, já tão afetada pela poluição, também sofre com recorrentes vazamentos de óleo. Só no mês passado, cinco acidentes graves foram reportados à Capitania dos Portos. O último ocorreu no dia 27, oriundo de um navio fundeado perto da Ponte Rio-Niterói. Para os pescadores, inquietos com a situação, um dos vilões é o grande fluxo de embarcações. Especialistas concordam e dizem que o espelho d’água se tornou um grande parking, aumentando o risco de desastres ambientais.
Os números impressionam. Com 28 estaleiros, cinco plataformas (três em reparo e duas fundeadas) e 15 áreas de fundeio, a Baía recebe por mês cerca de 250 navios de médio ou grande porte, segundo a Capitania. Entre janeiro e outubro, 4.578 embarcações atracaram nos nove terminais do Porto do Rio, de acordo com a Companhia Docas. E mais de seis milhões de toneladas de carga foram movimentadas no período, afirma o Sindicato dos Operadores Portuários.
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Oito derramamentos
Com todo esse movimento, este ano a Capitania registrou oito derramamentos de produtos poluentes na Baía, três a mais que no ano passado. Em 2017, aconteceram 16. Dos cinco vazamentos registrados em novembro, quatro foram de diesel e um, de lubrificante. Todos os casos são investigados pela Marinha, que ainda apura a quantidade despejada.
Já o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) afirma que, para todos os casos registrados, foram acionadas medidas de prevenção e controle de forma a evitar a propagação do material poluente no meio ambiente. Já o Ibama informa ter multado duas embarcações em 2018 e, este ano, mais três.
Oceanógrafo e professor do Departamento de Química da PUC-Rio Renato Carreira critica, no entanto, a falta de transparência das informações sobre os acidentes:
— A Baía virou base de apoio offshore (que garante logística à produção de petróleo). Esse desenvolvimento traz o aumento de contaminação por vários fatores. O que assusta é não haver um controle detalhado sobre isso.
Carcaças abandonadas
Para Wilson Machado, do Departamento de Geoquímica da UFF, o problema é maior do que a população consegue ver.
— Pode haver uma quantidade de poluentes preocupantes, invisíveis a olho nu. Apesar do esforço de autoridades em relação ao planejamento, falta um sistema ágil de contenção, remoção e avaliação dos efeitos desses poluentes.
Naufrágios, colisões e encalhes também são motivos de poluição na Baía. Só no mês passado, foram registrados quatro naufrágios, incluindo o de um rebocador da Marinha. O abandono de embarcações é outro problema. Atualmente na região, há 104 cascos, alguns submersos.
Para os pescadores, as manchas de óleo na água representam prejuízo, porque os poluentes reduzem as chances de um bom dia de trabalho. Edvaldo Vieira, de 52 anos, reclama:
— A pescadinha, por exemplo, sumiu da Baía.
O pescador Fernando Simião, de 68 anos, diz ter encontrado recentemente uma extensa camada de óleo na Ilha do Governador:
— A mancha tinha cerca de quatro quilômetros de extensão. O receio é afetar a produção de camarão.
Um estudo do Movimento Baía Viva, liderado pelo ecologista Sérgio Ricardo, aponta que 44% da Baía são ocupados pela indústria do petróleo.
— Há uma nítida mudança da ecologia da paisagem da Guanabara que, com o processo de reindustrialização impulsionado pelo pré-sal, tem transformado o espelho d’água num estacionamento ocupado por plataformas, oleodutos, rebocadores e navios. Os riscos de vazamentos aumentaram — diz o ambientalista.
Pequenas barcos também fazem parte do cenário. Só na Enseada de Botafogo, por exemplo, existem 310 boias de amarração que atendem a embarcações de pesca, esporte e recreio e transporte de passageiros. Mas nem todas seguem as regras. Dessas, 135 ainda estão em processo de regularização.
Controle frágil está por trás de prejuízos ao meio ambiente e a pescadores
Há um ano, 60 mil litros de óleo vazaram de um duto da Transpetro. Na época, a empresa disse que o problema ocorreu em decorrência de uma tentativa de furto. O material atingiu o Rio Estrela, que desemboca na Baía de Guanabara, e é usado como limite entre os municípios de Duque de Caxias e Magé. A área de mangue naquelas regiões foram gravemente afetadas. Quando biólogos e pescadores alertaram para a morte de animais, a Transpetro disse que não era a primeira ocorrência deste tipo de ação criminosa.
À espera de indenizações
Pelo desaste, o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) multou em R$ 7 milhões a Transpetro. O pescador Pedro Antônio Oliveira da Silva, de 58 anos, sofre as consequências deste derramamento até hoje. Ele perdeu sua rede de pesca que estragou após afundar na água cheia de óleo.
— A minha rede ficou preta, impossível usar e não tem como limpar. Para mandar fazer outra, gastaria cerca de R$ 3 mil. Desde então, uso o material emprestado de outro pescador — conta ele, dizendo que a solidariedade do colega tem lhe garantido a sobrevivência.
Os problemas são recorrentes. O local do vazamento fica próximo ao duto que ligava a Refinaria Duque de Caxias (Reduc) ao terminal Ilha D’ Água, na Ilha do Governador, que rompeu em 18 de janeiro de 2000. Na ocasião, houve um vazamento de 1,3 milhão de litros de combustível nas águas da Baía de Guanabara, transformando a paisagem, com grande impacto sobre o ecossistema de mangues do entorno. Cerca de 12 mil pescadores artesanais foram prejudicados e aguardam até hoje o pagamento de indenizações.
Somente no ano passado, o Inea foi acionado 21 vezes para ocorrências de vazamentos de óleo na Baía. Pelo menos 11 desses casos estavam relacionados a dutos. A Polícia Civil e o Ministério Público estadual têm investigações em curso sobre o tema.
Fonte: O Globo