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Na esteira da saída da Petrobras

Dois anos antes de as manchetes dos jornais estamparem em letras garrafais a descoberta do “ouro negro” em Lobato, na Bahia, jorrou petróleo no Sítio do Pica-Pau Amarelo. “O Poço do Visconde”, de Monteiro Lobato, lançado em 1937 — ano em que Getúlio Vargas instituiu o Estado Novo no país — é o popular testemunho da luta do criador do sítio mais famoso do país para provar a existência de petróleo no Brasil. Na trama, o Visconde de Sabugosa descobre um livro de geologia na biblioteca de Dona Benta e começa a dar aulas aos moradores. Eles decidem furar um poço e descobrem petróleo, inaugurando uma nova era, em que não existiriam mais brasileiros “descalços, analfabetos, andrajosos, na miséria”.

A realidade foi menos rósea. No calor da derrota do nazismo na II Guerra Mundial e do fim da ditadura de Vargas, em 1947, a campanha “O petróleo é nosso” deixou marcas na sociedade brasileira e colocou em lados opostos os setores liberais, descritos como “entreguistas”, e os considerados “nacionalistas”, a favor do monopólio estatal.


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A campanha ganhou as ruas e conseguiu transformar o petróleo em tema popular, a ponto de eleger uma rainha do petróleo brasileiro: a jornalista e escritora Petronilha Pimentel, coroada da mesma forma que misses e rainhas do rádio. A campanha está diretamente vinculada à criação da Petrobras, em 1953. Em pronunciamento no rádio, Vargas definiu a fundação da companhia como “novo marco da nossa independência econômica”.

Contratos de risco

Na história da indústria do petróleo no país, versões do embate entre “nacionalistas” e “entreguistas” foram recorrentes. Durante o regime militar, o discurso em prol do monopólio da Petrobras levou larga vantagem, principalmente a partir dos anos 1970, quando a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) demonstrou sua capacidade de tornar o mundo refém da manipulação dos preços, com os choques do petróleo, em 1973 e 1979.

Mesmo antes do fim do monopólio do petróleo, o Brasil já havia tentado atrair outras empresas para investirem na exploração e produção da commodity, em associação com a Petrobras. Em 1975, o presidente Ernesto Geisel criou os chamados contratos de risco. A preocupação era buscar mais fontes de energia devido aos problemas financeiros. Na ocasião, a estatal produzia 169 mil barris por dia, e o Brasil importava um milhão de barris diários.

No período em que esta política vigorou, de 1975 a 1988, foram celebrados 243 acordos com as 35 maiores empresas estrangeiras. A única descoberta comercial feita no período foi o campo de gás de Merluza, na Bacia de Santos, em 1979, pela Pecten, que era subsidiária da Shell. A Petrobras ampliou a pesquisa sobre a existência de petróleo no mar, e desenvolveu a tecnologia de exploração em águas profundas.

No primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, a aprovação da emenda constitucional que quebrou o monopólio da Petrobras foi precedida por debates inflamados no Congresso Nacional. Mas os contornos da polêmica já eram mais tênues. A dois dias da votação da emenda, o GLOBO publicou reportagem que mostrava o apoio à quebra do monopólio de nomes como Alberto Goldman (PMDB-SP), Roberto Freire (PPS-PE) e Fernando Gabeira (PV-RJ), todos com origem política de esquerda. Freire resumiu na época seu pensamento, que hoje volta a dominar o discurso do governo e da própria estatal:

— Sem o monopólio da Petrobras, o Brasil não seria o que é hoje. Mas seria um contrassenso mantermos a mesma posição no mundo atual.

A lei 9.478, de 1997, marca o fim do monopólio estatal. Em 1995, antes da abertura do mercado, o Brasil produzia 832 mil barris por dia. Dez anos depois, em 2005, a produção saltou para 2,216 milhões de barris diários. Em 2015, eram 2,786 milhões de barris por dia.

A visão pró-mercado prevaleceu até a descoberta do pré-sal, quando o governo Lula decidiu reavaliar o marco regulatório da exploração. Foi adotado então, para o pré-sal, o regime de partilha, pelo qual a União detém parte da produção de petróleo. E a Petrobras ganhou papel de operadora única, com participação mínima de 30% em todos os blocos de exploração localizados em áreas estratégicas, criando polêmica comparável à dos tempos da Campanha do Petróleo. Os leilões só foram retomados em 2013.

A expertise da Petrobras em águas profundas foi fundamental para vencer o desafio tecnológico da extração de petróleo no pré-sal. Mas persistiu a divergência principal sobre o modelo regulatório, principalmente no que diz respeito ao papel da companhia. E começou o movimento de volta a um modelo no qual a empresa concentra-se em atividades estratégicas, construindo parcerias e deixando as demais opções ao mercado.

Estímulo à competição

Em 2016, tramitou no Congresso projeto que revogava a obrigatoriedade da participação da Petrobras na exploração do petróleo do pré-sal. A lei entrou em vigor no fim de 2016, já no governo Michel Temer. Nos últimos dois anos, foi empreendida grande mudança regulatória, na qual se destacam, além do fim da figura da operadora única, alterações nas regras de conteúdo local.

Para Fernanda Delgado, coordenadora de Pesquisa da FGV Energia, o pré-sal levou o Brasil ao rol dos grandes players, e era preciso sinalizar a opção por um arcabouço regulatório organizado em prol do mercado aberto, com oportunidades de parcerias vantajosas para todos. O calendário de leilões da Agência Nacional do Petróleo (ANP) também é considerado fator fundamental para atrair investimentos.

Desde 2013, quando os leilões foram retomados, 27 empresas estrearam nas rodadas de concessão, sendo 11 estrangeiras, de oito países. Desde a quebra do monopólio da Petrobras, o desafio é estabelecer condições reais de competição. Existem, hoje, 98 companhias com contratos de exploração e produção de petróleo no país. Metade tem capital de origem estrangeira. Mas o Brasil (leia-se Petrobras) responde por 78% da produção, o Reino Unido, por cerca de 12%. Os outros 14 países dividem os restantes 10%

Fonte: O Globo






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