O governo pretende flexibilizar o regime de exploração do pré-sal, permitindo que blocos nestas áreas possam ser leiloados no modelo de concessão - no qual a empresa se torna dona do petróleo, mas assume o risco da atividade, e o vencedor da disputa é quem oferece o maior lance. A mudança tem potencial de aumentar a arrecadação federal no curto prazo, o que permitiria a melhora das contas públicas em um momento de escassez de recursos.
Para isso, o governo decidiu apoiar o projeto do senador José Serra (PSDB-SP), que altera a lei do pré-sal e acaba com o direito de preferência da Petrobras na seleção dos blocos. O objetivo é aprovar a proposta ainda este ano.
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Atualmente, as áreas do pré-sal são leiloadas no regime de partilha — criado em 2010 para ampliar os ganhos na exploração de reservas. No modelo, a União é a dona do petróleo, e as empresas atuam como sócias. A arrecadação do leilão é fixa, e o vencedor é quem oferecer à União o maior percentual de óleo (após descontar o custo de exploração).
— Esse projeto é prioritário. Estamos trabalhando nas telecomunicações, vamos aguardar vir da Câmara a lei do saneamento e vamos trabalhar o regime de partilha. A ideia é aprovar ainda neste ano. O governo tem interesse que o debate avance — disse ao GLOBO o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE).
Regra atual no megaleilão
O texto estabelece que o regime de concessão poderia ser usado também na contratação de áreas dentro do polígono do pré-sal — região definida em lei que engloba campos de exploração de petróleo entre as bacias de Santos e Campos —, e deixar o governo decidir em que blocos aplicar o regime de concessão ou de partilha.
Além disso, a Petrobras perderia o direito de exercer a preferência por blocos a cada leilão na área. Atualmente, a estatal diz ao governo, antes de cada licitação do pré-sal, se pretende impor a sua participação mínima de 30% como sócia do consórcio vencedor. Essa preferência agora pode cair, diante da avaliação de que a norma distorce a competição pelos campos.
A mudança, se concretizada, seria a segunda a ser feita no modelo de partilha. A primeira, feita em 2016, determinou o fim da participação obrigatória da Petrobras na exploração no pré-sal.
As alterações do projeto de José Serra não afetariam os leilões deste ano. Estão marcadas três licitações para outubro e novembro, entre elas o megaleilão do pré-sal, que terá arrecadação de R$ 106,5 bilhões repartida com estados e municípios. O objetivo é que as mudanças já sejam adotadas nos leilões do próximo ano.
O Brasil tem hoje dois principais regimes de exploração de petróleo: concessão e partilha, com diferentes critérios de impostos e pagamentos de royalties.
Há um terceiro modelo de exploração de petróleo no país, chamado de cessão onerosa. Mas esse foi um único contrato entre o governo e a Petrobras, regido por lei específica, para a exploração de cinco blocos na Bacia de Santos, após a descoberta do pré-sal.
Tudo que foi licitado no polígono do pré-sal, além de áreas consideradas estratégicas, precisa ser ofertado pelo regime de partilha. O governo avalia, porém, que existem campos com produtividade menor que o padrão para esse regime.
Por isso, o Ministério da Economia defende que o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) — órgão que reúne ministérios, presidido pelo ministro de Minas e Energia —, e assessorado pela Agência Nacional de Petróleo (ANP), decida qual é o regime jurídico mais vantajoso para cada bloco: partilha ou concessão.
Segundo técnicos do ministério, a necessidade da flexibilização é inerente aos diferentes perfis de risco exploratório das áreas. Na avaliação do Ministério da Economia, há blocos cujo potencial geológico não justifica a licitação no modelo de partilha, que tem carga fiscal mais elevada e cobra royalties de 15% sobre a receita bruta. Além disso, há a participação da estatal Pré-Sal Petróleo SA (PPSA) como gestora de contratos e membro do Comitê Operacional.
Mais concorrência
É como se a União entrasse de sócia na exploração, compartilhando riscos com as empresas. Na área de Libra, a primeira concedida sob o regime de partilha, a União tem direito a 41,65% do petróleo produzido, depois de descontados os custos de produção. Essa parcela do petróleo é vendida pelo próprio governo, por meio da PPSA.
Na concessão, os royalties são de 10%, além de haver o pagamento de participação especial — que incide progressivamente sobre o lucro de campos muito produtivos.
Por isso, a avaliação é que, em campos com pouco nível de informação ou atratividade, o modelo de concessão seria mais adaptado ao nível de risco exploratório. Haveria menos riscos para a União e para as empresas, e os campos ficariam mais atraentes para os investidores.
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Na prática, o projeto acaba com a eficácia do polígono do pré-sal, já que seria feita avaliação sobre o modelo do contrato para cada bloco ofertado.
As propostas juntas, dizem os técnicos, têm potencial de aumentar as condições de concorrência nos leilões ao não fornecer direito de preferência à Petrobras nas licitações em partilha, além de adequar a oferta de blocos nos leilões ao regime mais adequado ao perfil de cada área.
Durante a transição presidencial, em novembro, Guedes chegou a discutir com sua equipe simplesmente acabar com o regime de partilha para todos os leilões futuros. A ideia, naquele momento, era fazer o megaleilão no modelo de concessão, com potencial de arrecadar mais que os R$ 106 bilhões previstos. A avaliação, porém, foi que a mudança poderia tumultuar o certame.
Veja os principais regimes de exploração de petróleo no Brasil
Regime de concessão
- O Brasil tem hoje dois principais regimes de exploração de petróleo: concessão e partilha, com diferentes critérios de impostos e pagamentos de royalties. Pela concessão, a petroleira é dona de todo o óleo extraído e ganha o bloco exploratório quem der o maior valor por cada campo no momento do leilão. Por essa lógica, caso o governo adote a concessão como critério para a maioria dos leilões, aumentará o potencial de arrecadação no curto prazo.
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Regime de partilha
- Pela partilha, a arrecadação do leilão é fixa e uma parte do óleo-lucro (petróleo extraído descontados os custos de produção) fica com a União. A lógica é que a União deve se apropriar de parte da renda da produção de petróleo porque são grandes reservas com baixo risco exploratório e alto potencial de produção. Na partilha, a arrecadação durante o leilão é fixa e vence a empresa que oferecer maior percentual do óleo-lucro para a União.
Polígono do pré-sal
- Trata-se de uma região definida em lei que engloba campos de exploração de petróleo entre as bacias de Campos e Santos. Tudo que for licitado no polígono do pré-sal, além de áreas consideradas estratégicas, precisa ser ofertado no regime de partilha. O governo avalia agora, porém, que existem campos com produtividade menor e que, nestes casos, não faria sentido licitá-los no regime de produção de partilha, que tem carga fiscal mais elevada.
Fonte: O Globo