O regime de partilha, criado para ampliar os ganhos do governo na exploração das reservas do pré-sal, pode passar por outro ajuste se aprovado o projeto de lei (PL) em fase inicial de tramitação no Senado. Novamente, a mudança é patrocinada pelo senador José Serra (PSDB-SP), que já havia conseguido aprovar outro PL -sancionado por Michel Temer em 2016, livrou a Petrobras da obrigação de entrar em todos os consórcios como operadora e com participação mínima de 30%.
Desta vez, o senador apresentou projeto com outras duas mudanças importantes. Na primeira, o regime de concessão poderia ser usado eventualmente na contratação de áreas dentro do polígono do pré-sal. Na segunda, a Petrobras perde o direito de exercer a preferência por áreas do pré-sal a cada leilão. O PL 3.178/19 ainda está no primeiro estágio de análise, aguardando a escolha de relator na Comissão de Serviços de Infraestrutura do Senado.
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Hoje, a Petrobras diz ao governo, antes de cada leilão do pré-sal, se pretende impor a sua participação como sócia do consórcio vencedor. Se o novo PL passar, a companhia vai entrar na disputa como qualquer outra petroleira estrangeira interessada.
No caso do uso do regime de concessão para a oferta de áreas do pré-sal, isso feriria, em tese, a lógica de que a União deve se apropriar de boa parte da renda da produção de petróleo, por se tratar de grandes reservas com baixo risco exploratório e alto potencial de produção. Mas, na prática, verifica-se que existem campos com produtividade menor que o padrão.
Com isso, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) poderia indicar as áreas nessa condição para que o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) aprove a contratação pelo regime de concessão. O PL 3.178/19 indica que essa decisão deve ser tomada na oferta de áreas "cujo potencial geológico não justifique social e economicamente a licitação no regime de partilha".
As equipes técnica e econômica do governo, segundo o Valor apurou, receberam bem a proposta de flexibilização do regime em si. Reconheceram que é uma boa oportunidade para impulsionar os investimentos das petroleiras estrangeiras na província do pré-sal, seja com o contrato de partilha, seja com o de concessão, sem depender da capacidade financeira da Petrobras.
Ao aumentar o interesse das estrangeiras com a flexibilização, os leilões poderiam inclusive trazer melhores resultados financeiros para o governo. Na disputa mais franca, sem atribuir à Petrobras uma condição especial, os contratos de partilha poderão render maior percentual de excedente em óleo à União - critério para definir o vencedor. Na oferta de áreas do pré-sal no modelo de concessão, a expectativa gira em torno do pagamento de valor de bônus, receita que talvez não existiria tão cedo se a licitação das áreas fosse por partilha.
Mesmo com as vantagens do PL, o governo deve trabalhar para segurar a tramitação do texto proposto por Serra ao longo de todo este ano, empurrando sua aprovação final para 2020. O principal problema é a possibilidade da aprovação do projeto pôr em risco o leilão do excedente, marcado para novembro. A avaliação é de que, se houver alteração na lei de partilha, a Petrobras poderia se sentir prejudicada no leilão e até voltar atrás no recém fechado acordo de revisão da cessão onerosa.
O acerto sobre a cessão onerosa é pré-condição para o megaleilão, que se baseia na oferta do volume excedente aos cinco bilhões de barris repassados à Petrobras, em 2010. Se o certame não ocorrer, o Tesouro teria frustrada a expectativa de arrecadar os R$ 106 bilhões com o bônus que será cobrado das petroleiras vencedoras. O rombo nas contas públicas se agravaria ainda mais neste ano.
Na justificativa do projeto, Serra diz que a condição especial conferida à estatal precisa acabar. Para ele, no fim das contas, os ganhos são "apropriados, em grande parte, pelos acionistas da Petrobras, dos quais, destaque-se, mais da metade é constituída por particulares e um terço por estrangeiros". O argumento foi construído para rebater a antiga tese petista de que, com a preferência da estatal, o petróleo "continuaria sendo 'nosso'".
Para o senador, não se trata de "hostilizar" o lucro da Petrobras. "O que é inaceitável é o lucro advindo de um privilégio estabelecido em lei", afirma no documento. Serra lembra que os ganhos com o excedente em óleo são destinados ao Fundo Social, onde 50% devem ir para a educação pública, com prioridade para a educação básica.
"Não se pode ter ilusão quanto a isto [...]. Os interesses da Petrobras e da União estão em lados opostos. É muito simples: quanto maior a parcela de uma, menor a da outra", afirma Serra, no documento.
Petrobras e ANP informaram que não comentam o assunto. O Ministério de Minas e Energia disse que analisa e acompanha a tramitação do PL e se coloca à disposição de Serra e do Congresso Nacional para debater a mudança na lei.
Fonte: Valor