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Atenção reforçada

Falha humana ainda é maior causa de acidentes com navios no mundo, segundo estudo

Um ano após o naufrágio do navio Costa Concordia, na Itália, um estudo internacional da seguradora Allianz aponta que a falha humana ainda é a principal causa de perdas náuticas no mundo. Nos últimos 12 meses encerrados em 25 de novembro de 2012, o naufrágio (afundamento ou submersão) foi o evento mais comum entre as perdas (49%), seguido por encalhe (22%).

As colisões, como as que envolveram o Baltic Ace e o Corvus J, em dezembro de 2012, responderam por 6% das perdas, enquanto fogo e explosões totalizaram 10% dos acidentes. Outras causas como danos no casco e nas máquinas e pirataria também provocaram prejuízos aos armadores.
Em 2012, as perdas do Costa Concordia, em janeiro, e, no mês seguinte, da barca MV Rabaul Queen, em Papua - Nova Guiné, causaram mortes. Apesar de os acidentes dominarem as discussões sobre segurança da navegação, os números revelam que o total de perdas em navios continua com tendência de queda. O estudo destaca que esse número vem caindo desde o período 2006-2007, quando foram registradas 172 perdas.
No período de um ano encerrado em novembro de 2012, foram registradas 106 perdas de navios no mundo, o que representa média de nove embarcações por mês. A quantidade ultrapassou as 91 perdas contabilizadas entre 26 de novembro de 2010 a 25 de novembro de 2011, mas ficou 27% abaixo da média dos últimos 11 anos, de 146 embarcações por ano. A equipe da Allianz Global Corporate & Specialty (AGCS) considerou no levantamento navios que transportam acima de 100 toneladas brutas.
Entre novembro de 2001 e novembro de 2012, foram contabilizadas 1.563 perdas de navios no mundo. Desse total, 77% das ocorrências foram agrupadas em 12 regiões-chave, onde o tráfego marítimo é mais concentrado. A região que abrange os mares do sul da China, sudeste da Ásia, Indonésia e Filipinas concentrou a maior quantidade de ocorrências. Entre 2001 e 2012, essas áreas somam 276 incidentes, sendo 30 no último ano.
No leste do Mediterrâneo e no Mar Negro foram reportadas 206 perdas, sendo 15 entre novembro de 2011 e novembro de 2012. Nas áreas em torno do Japão, Coreia e norte da China foram 10 perdas nesse período, totalizando 187 nos últimos 11 anos. Já no trecho que engloba Ilhas Britânicas, Mar do Norte, Canal Inglês, e Baía de Biscaia aconteceram sete casos no ano passado e 131 de 2001 a 2012.

De acordo com o estudo, 58,5% do total de perdas do último ano encerrado em novembro de 2012 ocorreram em uma dessas quatro regiões marítimas devido à concentração de transporte comercial. Das 1.563 ocorrências nos últimos 11 anos, a maioria dos casos aconteceu com navios cargueiros e pesqueiros. Nos últimos 12 meses até 25 de novembro de 2012, eles representaram 59% de todas as perdas.
O estudo “Safety and Shipping” publicado em janeiro de 2013, é a atualização de uma pesquisa inicialmente publicada em janeiro de 2012 pela Allianz. O trabalho foca na evolução das práticas de segurança marítima ao longo de 2012, analisando perdas de transportes marítimos relatadas durante os 12 meses anteriores a 25 de novembro de 2012.
A perda do navio de luxo Costa Concordia deu o foco do calendário de segurança marítima em 2012. O estudo relata que o acidente gerou uma série de iniciativas, orientações e recomendações destinadas a promover maior segurança no transporte. Independentemente do impulso dado por este evento, a indústria naval já estava se concentrando em uma série de melhorias de segurança, sendo que algumas delas foram modificadas durante 2012.
A Organização Marítima Internacional (IMO, na sigla em inglês) se reúne regularmente para examinar temas relacionados à segurança. A principal convenção da entidade sobre segurança no mar, a Convenção Internacional para a Salvaguarda da Vida Humana no Mar (Solas, na sigla em inglês), frequentemente sofre emendas. Um dos acréscimos mais recentes à Solas foi a incorporação do novo Código Internacional para o Uso de Procedimentos de Teste de Incêndio (código FTP, de 2010), que atualiza o código adotado pela IMO em 1996.
A emenda é destinada a melhorar as disposições de segurança contra fogo a bordo de todos os navios. Outras alterações à Convenção Solas, que entraram em vigor em 2012, incluem a obrigatoriedade de testes anuais dos sistemas de identificação automática; a melhoria de aspectos de segurança de transferência do piloto; e alterações na segurança com certificados de concepção alternativa e arranjos.
Em termos de inovação, a introdução e o uso de sistemas de rastreamento de navios (VTS) vêm contribuindo para a melhora da segurança da indústria. O estudo destaca que não houve nenhum acidente grave nos estreitos de Istambul e Canakkale e no Mar de Mármara, ambos na Turquia, desde a introdução de modernos VTS em 2003.
A década livre de acidentes levou o secretário-geral da IMO, Koji Sekimizu, a propor o lançamento de uma iniciativa em que portos, estreitos e áreas marítimas com contagem VTS divulguem o número de dias consecutivos sem acidentes. O objetivo da iniciativa, apelidada de “Acidente Zero”, é fornecer uma estrutura sólida para trabalhar em conjunto e conseguir contínuos dias sem acidentes.
Outro avanço tecnológico, o Electronic Chart Display and Information Systems (ECDIS), tem aperfeiçoado os níveis de segurança e possibilitado aos marítimos melhores indicadores visuais de navegação. O ECDIS (Sistema de Informação e Exibição de Gráficos Eletrônicos, em tradução livre), obrigatório desde julho de 2012, é considerado um passo significativo para a melhoria da segurança da navegação.

O Instituto Náutico coordena um grupo de treinamento criado em 2012, para esclarecer dúvidas e familiarizar as pessoas sobre o ECDIS. O instituto, organização não-governamental (ONG) com status consultivo junto à Organização Marítima Internacional (IMO) e sede em Londres, publica uma série de guias de boas práticas para a navegação, abordando desde a transição de gráficos do papel para o ambiente virtual até posicionamento de navios e uso de radares.
Os provedores de ECDIS concordaram em publicar informações sobre as versões mais atuais do software utilizado para operar seu equipamento. O movimento vai ajudar a esclarecer as anomalias que foram identificadas com alguns sistemas mais antigos. As últimas versões do software de operação serão disponibilizadas no site da Organização Hidrográfica Internacional (OHI).  A decisão foi tomada em workshop da indústria, onde a IMO, a OHI e 18 fabricantes de equipamentos se reuniram para encontrar uma solução para alertar os marítimos sobre a necessidade de publicação de novos gráficos.
Em 2012, a IMO também reagiu às preocupações sobre a segurança das balsas domésticas (ferries) nos países e territórios das ilhas do Pacífico. Por conta do número de perdas das travessias domésticas em todo o mundo, incluindo o da embarcação MV Rabaul Queen em fevereiro 2012, a IMO lançou no mesmo ano um plano de ação visando uma abordagem mais eficaz para a segurança dessas balsas.
O Fórum do Pacífico organizado pela IMO em 2012 focou em questões amplas relacionadas à operação de balsas domésticas, incluindo programas de segurança; preocupações com especificações dos navios; legislação; a formação e certificação dos marítimos; questões operacionais; busca e salvamento; e sensibilização das atividades de segurança. O objetivo foi identificar resultados que podem ser colocados em prática pelas administrações marítimas nacionais e indústria.
Além das falhas humanas, o relatório da Allianz destaca que a fadiga, a formação inadequada dos tripulantes e as pressões econômicas são motivos de preocupação para a segurança marítima. O presidente do Sindicato Nacional dos Oficiais da Marinha Mercante (Sindmar), Severino Almeida, alerta para a redução do pessoal a bordo e o consequente aumento da carga de trabalho.
Almeida relata que a redução da tripulação dos navios nas últimas duas décadas em todo o mundo ampliou a possibilidade de acidentes. Segundo ele, navios que eram tripulados por 35 pessoas hoje estão com cerca de 20 tripulantes no comando. “A IMO já discutiu bastante o aumento considerável do regime de trabalho a bordo, mas não promoveu nenhum tipo de obrigatoriedade”, aborda Almeida. Ele acredita que essa redução de contingente não esteja ligada às novas tecnologias e à automatização de processos.
O vice-almirante Ilques Barbosa Junior, diretor de Portos e Costas da Marinha, diz que a fadiga do marítimo é tratada com atenção no código internacional sobre normas de formação, certificação e serviço de quarto para marítimos (STCW/1978), da IMO, e na convenção sobre trabalho marítimo (MLC/2006), da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Em ambas, são estabelecidas horas de descanso, questões de saúde e conforto. “Mesmo com tais normas, a maior atenção deve ser prestada pelos inspetores como também pelo próprio comandante do navio”, enfatiza o vice-almirante.
A MLC/2006 entra em vigor em nível internacional no dia 13 de agosto de 2013. Enquanto isso, as principais montadoras de embarcações de passageiros implantaram procedimentos próprios em conjunto com a Associação internacional de Linhas de Cruzeiros e o Conselho Europeu de Cruzeiros.
O estudo da Allianz aponta a MLC/2006 como um passo ousado no sentido de resolver causas de erro humano. A norma consiste numa convenção abrangente que combina uma série de códigos existentes que afetam o lado humano da segurança marítima. A convenção é citada como o “quarto pilar” de regulação marítima, ao lado da Solas, da Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios (Marpol) e da STCW.
O capitão Rahul Khanna, consultor sênior de riscos marítimos da AGCS, acredita que a introdução do MLC/ 2006 vai ajudar a melhorar a segurança. “O fator humano é a causa da maioria dos acidentes de mar. A Convenção MLC deve certamente ajudar a melhorar isso e ter um impacto positivo na segurança”, afirma Khanna. A MLC abrange as condições de trabalho, horas de trabalho e descanso, alojamento, instalações de lazer, alimentação e restauração, proteção da saúde, assistência médica, bem-estar e segurança social proteção.

Apesar de a indústria estar bem servida de regulamentos relacionados à segurança, existe preocupação do setor marítimo de que a crise econômica mundial traga cortes no orçamento para manutenção e treinamentos. Para agravar o problema, o difícil ambiente econômico também levou a baixas taxas de frete para os operadores. “Para alguns armadores, especialmente nos setores duramente pressionados, como carga a granel e petroleiro, há pouco dinheiro para manutenção e  treinamento”, diz Sven Gerhard, chefe mundial de produtos (casco e passivos marítimos) da Allianz Global Corporate & Specialty (AGCS).
No lado tecnológico, ainda há uma série de dificuldades relatadas na introdução de ECDIS a bordo, centrada em torno da falta de formação e experiência. “O ECDIS é um passo à frente e um bom desenvolvimento, mas as pessoas não estão preparadas, devido à falta de treinamento”, diz Gerhard. O capitão Khanna acrescenta que existem padrões diferentes de treinamento em ECDIS em diferentes partes do mundo, dependendo dos tipos e modelos. “Há muito trabalho ainda a ser feito em ECDIS para integrar esta tecnologia para a sua plena utilização em uma ponte moderna de navegação”, diz ele.
Mario Mendonça, assessor internacional do Sindicato Nacional das Empresas de Navegação Marítima (Syndarma), acredita que as novas tecnologias têm contribuído para a diminuição dos acidentes. Entretanto, elas exigem treinamento e nem sempre conseguem impedir o acidente, principalmente quando ele tiver como causa a falha humana. “Às vezes, o excesso de confiança nos novos equipamentos pode levar a um acidente”, afirma Mendonça.
Por conta disso, as seguradoras incentivam a gestão de segurança pró-ativa, oferecendo recompensas para aqueles que olham além das exigências regulamentares. O chefe mundial de engenharia de riscos marítimos da Allianz Consultoria de Riscos (ARC) em Nova Iorque, Tim Donney, diz que as empresas precisam demonstrar que os serviços estão sendo realizados de forma pró-ativa para melhorar a segurança e desempenho. “Existem requisitos regulatórios e de segurança, mas eles não são suficientes para abranger programas de controle de segurança e perda compatíveis com os da Guarda Costeira dos EUA. Isso dificulta o cumprimento da certificação de acordo com o Código ISM (International Safety Management Code)”, explica Donney.
Nos termos do Código ISM, as empresas devem permitir a um indivíduo onshore, geralmente um diretor de segurança, o acesso aos mais elevados níveis de gestão corporativos. No acidente do Costa Concordia, os relatórios afirmam que um dos oficiais estava desconfortável com a manobra que o capitão pretendia executar, mas se sentia intimidado em desafiar o capitão. “As empresas devem enfatizar o conceito de ‘pessoa designada’. É uma ferramenta poderosa”, acrescenta Donney.
Influências externas também estão desempenhando um papel importante na melhoria da segurança da navegação. Como muitas outras indústrias, o transporte marítimo está sob pressão para melhorar seu desempenho ambiental. A obrigatoriedade do índice de projetos de eficiência energética e planos de gestão de eficiência energética em navios são dois exemplos de iniciativas que foram introduzidas para monitorar e gerenciar as emissões do setor.
Enquanto os ganhos verdes desses projetos são claros, estes desenvolvimentos ambientais também podem ajudar na melhoria da segurança. “Isso vai ter um grande impacto sobre a forma como operamos navios, mas também vai aumentar os níveis de segurança a bordo e influenciar na conscientização geral de segurança dentro da equipe”, diz o capitão Khanna.
A indústria de transporte marítimo está comprometida com a segurança e continua a pôr em prática medidas para proteger o público, o meio ambiente, os navios e os marítimos da imprevisibilidade do mar. Enquanto algumas medidas surgem por conta de incidentes, outras são desenvolvidas constantemente para manter em segurança o comércio anual de 8,4 bilhões de toneladas de carga.
De acordo com o capitão-de-mar-e-guerra Gilberto de Carvalho Restum, chefe do Departamento de Inquéritos e Investigações de Acidentes de Navegação da Marinha, a tendência é de redução dos acidentes. “Certamente, o incremento qualitativo e quantitativo da fiscalização, as novas tecnologias e a melhor formação dos tripulantes estão ajudando”, analisa. A quantidade de acidentes no Brasil envolvendo navios com mais de 20 toneladas de arqueação bruta, 110 em 2009, caiu para 91 em 2010, 87 em 2011 e 85 em 2012.
Mendonça, do Syndarma, observa que a maioria dos acidentes no Brasil tem sido registrada nas regiões Norte, Sul e Sudeste. “Na primeira, os problemas ocorrem provavelmente pelo grande fluxo da navegação fluvial, em que as hidrovias fazem o papel das rodovias e ferrovias. E na região Sul/Sudeste, pelo maior tráfego de navios e também pela maior incidência de condições meteorológicas desfavoráveis”, analisa Mendonça.
Almeida, do Sindmar, conta que a navegação interior oferece risco devido à grande quantidade de vias navegáveis, sobretudo na Bacia Amazônica. Já a cabotagem tem probabilidade menor de acidentes porque o tráfego ainda é pequeno no Brasil. Ele ressalta que as exigências para embarcações de pequeno porte acabam sendo menores, assim como o nível de competência profissional.
O presidente do Sindmar acrescenta que as tripulações dos navios costumavam ser compostas por profissionais formados em países de tradição marítima como Estados Unidos, Inglaterra e Noruega. “Há algumas décadas existiam marinheiros formados em escolas de tradição. Isso gradativamente foi corroído pela busca incessante por redução de custos”, observa Almeida. Ele afirma que a tendência mundial pela mão de obra mais barata aumenta as chances de acidentes marítimos.
Almeida diz que vários armadores têm investido alto em centros de formação de mão de obra em regiões mais pobres. Ele cita que, nas Filipinas, essas empresas vêm aplicando milhões de dólares para formar mão de obra. Segundo ele, as Filipinas possuem uma política de governo que investe na formação. Atualmente, existem cerca de 600 mil filipinos certificados atuando no mundo inteiro.

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